De acordo com a lei nº 11.340, também conhecida como lei Maria da Penha, a violência psicológica é considerada qualquer ação que cause algum dano emocional, diminuição na autoestima, que prejudique o desenvolvimento da mulher ou vise degradar ou controlar seus comportamentos, crenças e/ou decisões. Segundo o Instituto Maria da Penha, a violência psicológica é configurada pelas seguintes ações: ameaças, constrangimentos, humilhações, manipulação, isolamento (proibir de estudar, viajar ou ter contato com amigos e familiares), vigilância constante, perseguição, insultos, chantagem, exploração, limitação do direito de ir e vir, ridicularização, tirar a liberdade de crença e distorção/omissão de fatos para deixa a mulher confusa ou em dúvida sobre sua memória e até mesmo sobre sua própria sanidade mental.
Ainda no que se refere à violência psicológica, o movimento feminista tem buscado explicar e exemplificar de forma mais contextual como tal abuso acontece. Desta forma, surgiram os seguintes termos em inglês: gaslighting, mansplaining, manterrupting, bropriating e manspreading. Segue adiante uma breve explicação da Organização Não Governamental qgfeminista sobre esses termos:
- Gaslighting: Quando um homem manipula as situações para a mulher acreditar que a realidade que ela está tendo contato não é real. A mulher se sente confusa, podendo até mesmo duvidar do que está vendo, do que sabe e das suas próprias percepções. Geralmente o gaslighting é utilizado como forma de encobrir outros comportamentos abusivos.
- Mansplaining: Quando um homem explica algo que é óbvio para aquela mulher (por exemplo: um homem não psicólogo explicando sobre psicologia para uma mulher psicóloga), quando um homem tenta explicar os sentimentos, pensamentos, comportamentos e o próprio funcionamento do corpo da mulher para ela mesma (por exemplo, um homem explicando sobre menstruação para uma mulher). No Brasil, popularmente o homem que comete mansplaining é chamado de “macho palestrinha” e geralmente essa violência acontece em qualquer lugar e situação, o que pode gerar diminuição da autoestima e autoconfiança, como também invalidação dos conhecimentos da mulher diante de outras pessoas e de si mesma.
- Manterrupting: Quando uma mulher está falando e algum homem a interrompe sem deixar com que a mesma conclua o que está dizendo, podendo atrapalhar a sua linha de raciocínio. O manterrupting é uma maneira de tentar desnortear uma mulher para que ela se perca na sua própria fala, acontecendo com mais frequência em reuniões de trabalho e/ou de amigos, fazendo com que a fala da mulher tenha menor validade ou seja desconsiderada.
- Bropriating: Quando um homem se apropria de algum feitos, estudos, pesquisas, realizações, serviços ou produtos que uma mulher produziu. Ao longo da história é muito comum que maridos tenham se apropriado das produções de suas esposas, pois em muitos momentos não era permitido que as mulheres se posicionassem no mercado de trabalho ou na academia. O bropriating se dá principalmente em reuniões formais e/ou informais causando o silenciamento e apagamento histórico das mulheres diante de suas próprias realizações.
- Manspreading: Quando um homem se espalha corporalmente em diversos espaços (por exemplo: sentar de pernas abertas ocupando duas cadeiras, podendo encostar na pessoa ao lado – geralmente mulher ou utilizar de um espaço que não é destinado à ele). O manspreading acontece com maior frequência em transportes públicos.
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Para compreender os termos acima dentro de uma visão analítico-comportamental, se faz necessário retomar o conceito de análise funcional. A análise funcional é configurada como enunciados do tipo “se… então…” em nível individual, bem como a base para uma análise funcional é a contingência de 3 termos, ou seja, estímulo antecedente (Sd) – resposta (R) – consequência (C) (Moreira & Medeiros, 2007). Para tal análise, é necessário (Moreira & Medeiros, 2007):
- Identificar os comportamentos-alvo (ou classe de respostas alvo) da análise;
- Identificar as variáveis ambientais reforçadoras ou aversivas diante da classe de respostas alvo; e,
- Identificar em qual/quais contextos tais comportamentos apresentam maior probabilidade de acontecerem.
Dessa forma, é possível analisar os comportamentos individuais abusivos dos homens descritos nos parágrafos anteriores a partir da contingência de 3 termos:
- Primeiramente identificando os comportamentos (respostas ou classes de respostas) caracterizados como violência psicológica cometidos por homens: humilhações, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição, insultos, chantagem, exploração, limitação do direito de ir e vir, ridicularização, tirar a liberdade de crença e distorção/omissão de fatos;
- Depois, identificando os efeitos (consequências) desses comportamentos: O homem recebe diversas formas de reforçadores (principalmente generalizados) da mulher que sofre violência (atenção, respeito/medo, cuidados, etc.), bem como a sociedade como um todo (agências de controle) reconhece (reforça) esse homem como viril, másculo e auxilia na manutenção dos seus privilégios (inclusive diversos tipos de violência);
- Finalmente, identificando quais contextos os homens costumeiramente agem de acordo com os tipos de violências citadas nos parágrafos anteriores (estímulo discriminativo): diante dos próprios comportamentos abusivos, reuniões de trabalho ou de amigos/familiares, entre outros homens, na área acadêmica, no transporte público etc.;
Além disso, é necessário citar que qualquer tipo de violência pode ser praticada por ambos os sexos. Porém, quando se fala em machismo estrutural, fica evidente que homens são doutrinados desde seu nascimento para se comportar de forma superior diante das mulheres. Ou seja, as mulheres ficam mais sujeitas aos diversos tipos de abuso. Em uma sociedade patriarcal (e qual não é?), homens são socializados para dominar e mulheres para serem dominadas, abrindo brechas para a realização de práticas abusivas contra as mulheres (Nicolodi & Hunziker, 2021).
Por fim, parece ser importante salientar que, para além da prática psicoterápica individual, nós, enquanto analistas do comportamento, podemos agir em prol de mudanças sociais como cidadãs e cidadãos, bem como através de pesquisas aplicadas, intervenções em nível cultural, divulgação de informações, ensinando práticas de contracontrole (Andrade & Regis Neto, 2012) e salientando que nossas clientes podem se engajar em mudanças comportamentais coletivas tanto no seu círculo familiar e/ou de amizades, como também em nível macro se engajando em mudanças nas políticas públicas, em instituições patriarcais e em qualquer outro espaço que seja possível alguma ação em prol da redução e/ou extinção de práticas abusivas contra mulheres (Carneiro & Santos, 2021).
Referências:
Andrade, D. M.; Regis Neto, D. M. (2012). Liberdade e autocontrole: Uma discussão sob o enfoque analítico-comportamental. Em: Pessôa, C. V. B. B.; Costa, C. E.; Benvenuti, M. F. (Orgs.). Comportamento em Foco,1, 45-59. https://abpmc.org.br/wp-content/uploads/2021/08/14051224948bfcea692.pdf
Carneiro, K. S.; Santos, B. C. (2021). Valores Feministas na Clínica Comportamental: Reflexões Baseadas em Bell Hooks. Acta Comportamentalia, 29(2), 61-79. http://www.revistas.unam.mx/index.php/acom/article/view/79613
Moreira, L. S. (2013). Contexto Psicoterapêutico como Agência de Controle: Reflexões a Partir da Ética Skinneriana. Brasília: Monografia apresentada ao Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento para obtenção do Título de Especialista em Análise Comportamental Clínica.
Moreira, M. B., & Medeiros, C. A. (2007). Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed.
Nicolodi, L. G.; Hunziker, M. H. L. (2021). O Patriarcado Sob a Ótica Analítico-Comportamental: Considerações Iniciais. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 7(2), 164-175. http://dx.doi.org/10.18542/rebac.v17i2.11012
https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/tipos-de-violencia.html
Souza, A. A. C.; Cintra, R. B (2018). Conflitos éticos e limitações do atendimento médico à mulher vítima de violência de gênero. Revista Bioética, Brasília, 26(1), p. 77-86. doi: https://doi.org/10.1590/1983-80422018261228