A inteligência artificial (IA) já está transformando o mundo — mas será que ela também pode beneficiar a Análise do Comportamento Aplicada? Descubra o que diz a ciência sobre as possibilidades e os cuidados éticos do uso da IA nos atendimentos clínicos em ABA.
Você provavelmente já usa inteligência artificial (IA) todos os dias — no algoritmo do Instagram, no tradutor automático ou até na previsão do tempo do seu celular. Mas, e na prática clínica da Análise do Comportamento Aplicada (ABA), será que a IA também tem espaço?
Pesquisas recentes apontam que sim — com responsabilidade, transparência e foco ético, a IA pode ser uma aliada poderosa para melhorar o registro de dados, prever respostas a intervenções e personalizar atendimentos. Mas também levanta questões éticas importantes sobre privacidade, viés algorítmico e o papel do analista do comportamento.
Vamos entender melhor?
Onde a IA pode ajudar na ABA?
De acordo com Jennings & Cox (2024), a IA pode atuar em diferentes momentos da jornada do cliente em serviços comportamentais:
1. Avaliação e diagnóstico
Ferramentas de machine learning (ML) têm sido testadas para ajudar no diagnóstico precoce do autismo, por meio de vídeos curtos ou dados de movimento. Isso pode agilizar o acesso ao diagnóstico e aumentar a assertividade de avaliações (Coz & Jennings, 2024).
2. Registro de dados comportamentais
Uma das maiores promessas da IA na ABA está na automação do registro de comportamentos, especialmente durante sessões com comportamentos intensos como autoagressão ou fuga. Isso pode liberar o terapeuta para agir clinicamente, enquanto sensores e algoritmos cuidam dos dados (Doan et al., 2024).
3. Previsão de resposta ao tratamento
A IA pode ajudar a prever quais clientes podem responder melhor a determinados protocolos, facilitando o uso de recursos e a tomada de decisão clínica baseada em dados.
4. Geração de relatórios e administração
Sistemas baseados em IA já estão sendo utilizados para gerar relatórios automáticos, agendar sessões e otimizar a distribuição de carga horária entre terapeutas, com base em critérios como localidade, disponibilidade e necessidade de supervisão (Jennings & Cox, 2024).
E os riscos? Temos questões éticas envolvidas
Se por um lado a IA traz eficiência, por outro ela levanta dilemas éticos relevantes. Jennings e Coz (2024) alertam para questões como:
- Privacidade e segurança de dados: Como garantir que informações sensíveis dos clientes não sejam utilizadas sem consentimento?
- Viés algorítmico: Os dados que alimentam os sistemas de IA refletem padrões humanos — inclusive seus preconceitos. Como evitar que decisões clínicas automatizadas reproduzam desigualdades?
- Responsabilidade clínica: Se uma decisão tomada com apoio da IA causar dano, quem é o responsável? O terapeuta? O desenvolvedor da ferramenta?
Essas perguntas ainda não têm respostas fechadas. Por isso, os autores defendem a criação de diretrizes éticas específicas para o uso da IA em ABA, baseadas em princípios como beneficência, autonomia e justiça.
O que os profissionais pensam sobre isso?
Uma pesquisa nacional nos EUA com terapeutas ABA (Doan et al., 2024) revelou que muitos ainda têm pouco contato com o conceito de machine learning (ML), e os níveis de confiança nas tecnologias de IA são variáveis.
- Profissionais com mais experiência na área foram mais céticos quanto à precisão da IA.
- Aqueles com maior familiaridade com IA demonstraram maior confiança e conforto em usá-la.
- A maioria concorda que a IA pode reduzir o esforço manual de registrar dados e aumentar a eficiência das intervenções.
IA substitui o terapeuta?
Definitivamente, não. A IA deve ser vista como uma ferramenta complementar, e não como substituta. É o analista do comportamento que interpreta os dados, toma decisões clínicas e garante a personalização ética do atendimento.
A IA pode sugerir, otimizar, sinalizar padrões — mas é a sensibilidade humana e a ética profissional que garantem que as intervenções sejam socialmente válidas, individualizadas e respeitosas.
A inteligência artificial tem grande potencial para melhorar a prestação de serviços em ABA. Mas, como qualquer tecnologia, precisa ser adotada com critério, responsabilidade e compromisso ético.
Integrar IA à prática não é apenas uma questão de “estar na moda”, mas de explorar novas formas de ampliar o acesso, a eficiência e a qualidade dos atendimentos — sem perder de vista o mais importante: a dignidade e o bem-estar das pessoas que atendemos.
Referências
Coz, D. J., & Jennings, A. M. (2024). The promises and possibilities of artificial intelligence in the delivery of behavior analytic services. Behavior Analysis in Practice, 17(1), 123–136. https://doi.org/10.1007/s40617-023-00864-3
Doan, T., Sullivan, B., Koerber, J., Hickok, K., & Soares, N. (2024). Perceptions of machine learning among therapists practicing applied behavior analysis: A national survey. Behavior Analysis in Practice, 17(1), 1147–1159. https://doi.org/10.1007/s40617-024-00936-y
Jennings, A. M., & Coz, D. J. (2024). Starting the conversation around the ethical use of artificial intelligence in applied behavior analysis. Behavior Analysis in Practice, 17(1), 107–122. https://doi.org/10.1007/s40617-023-00868-z
Como citar este trabalho (APA):
Fonseca, S. A. (2025, 4 de julho). A Inteligência Artificial pode ser inserida na prestação de serviços em ABA? Blog do IBAC. https://ibac.com.br/a-inteligencia-artificial-pode-ser-inserida-na-prestacao-de-servicos-em-aba/
