Quantas vezes você já se pegou emitindo respostas do tipo “não dou conta” ou “precisava estar em três lugares ao mesmo tempo”? Se você é como a maioria das mães, esses comportamentos provavelmente já foram reforçados tanto negativamente quanto positivamente pela sua rotina. A verdade é que, no meio de tantas demandas ambientais, é fácil entrar em um esquema de reforçamento intermitente onde você se sente simultaneamente a heroína e a vilã da própria história. Vamos analisar funcionalmente essa questão?
A sobrecarga materna pode ser entendida como um padrão comportamental mantido por múltiplas contingências e, de forma genérica, é o resultado de respostas operantes (como multitarefas excessivas) reforçadas socialmente (“que mãe dedicada!”), mas punidas pelo esgotamento físico e emocional. Essa dinâmica não é inerente à maternidade, mas sim produto de uma teia de variáveis ambientais e culturais vividas, principalmente, por mulheres. Em termos técnicos, é o que chamamos de esquema concorrente de reforçamento, onde múltiplas demandas competem pela sua atenção enquanto a taxa de reforço positivo para comportamentos de autocuidado vai diminuindo drasticamente.

Frases como “tenho que ser a mãe, esposa, amiga e funcionária/empresária perfeita” funcionam como regras que mantêm cadeias comportamentais exaustivas. O pior? Essas regras muitas vezes são reforçadas por comparações sociais (obrigada, Instagram!) e pelos modelos sociais e econômicos vigentes. O ponto é que quando tudo vira “urgente”, você perde a capacidade de discriminar entre contingências realmente importantes e aquelas que poderiam esperar, segundo seus próprios valores. É aqui que a desorganização se torna um estímulo discriminativo para o caos, inclusive.
Outro ponto é que muitas de nós, mães, operam sob o mito do “se eu não fizer, ninguém fará direito”, um comportamento evitativo que reduz a ansiedade a curto prazo, mas mantém a sobrecarga a longo prazo. É verdade que as pessoas ao redor provavelmente façam de outro jeito, mas o quanto isso afeta o resultado final?
Por último, quando você passa dias sem emitir comportamentos que produzem reforçadores positivos naturais para si mesma que não envolvam sua comunidade verbal (como ler um livro de interesse ou tomar um banho demorado), entra em um estado de privação que aumenta a irritabilidade. Aquele famoso “só quero um minuto de paz” que nunca vem.
Embora reconhecer cada uma dessas partes possa ter algum efeito em direção à mudança, a consciência não altera o comportamento. Alguns dos caminhos a seguir podem ser úteis!
- Fazer micro-pausas ao longo do dia, ainda que sejam de poucos minutos, buscando fazer algo que se disperse da rotina, como admirar algo que goste.
- Usar auto registros (sim, aquelas listinhas) para identificar antecedentes da sobrecarga. Padrão de sono? Hora do dia? Tarefas específicas?
- Usar sua rede de apoio de maneira prática: Delegar é um operante que precisa ser modelado. Comece com tarefas de baixa complexidade e vá aproximando.
- Observar e descrever o que faz para trazer um pouco de realidade à sensação de “não ter feito o suficiente”. Use a linguagem a seu favor.
A sobrecarga materna é um fenômeno comportamental complexo mantido por contingências sociais, culturais e econômicas. Mas aqui está a boa notícia: como todo comportamento, ela pode ser modificada. A chave está em analisar funcionalmente seus próprios padrões e criar esquemas de reforçamento mais saudáveis. Cuidar de si mesma não é fugir das demandas do ambiente, é a melhor forma de garantir que você continue emitindo comportamentos efetivos nele.
Leituras sugeridas
Rizzo, K.M., Schiffrin, H.H., & Liss, M. (2013). Insight into the Parenthood Paradox: Mental Health Outcomes of Intensive Mothering. Journal of Child and Family Studies, 22(5), 614-620. DOI: 10.1007/s10826-012-9615-z
Guilhardi, H. J. Análise Comportamental do Sentimento de Culpa. Instituto de Terapia por Contingencias de Reforçamento. Campinas, SP. Disponível em: https://itcrcampinas.com.br/guilhardi/
Como citar este artigo (APA):
de Lima, I. (2025, 27 de junho). A sobrecarga materna sob a lente da Análise do Comportamento. Blog do IBAC. https://ibac.com.br/a-sobrecarga-materna-sob-a-lente-da-analise-do-comportamento/