Imagine uma criança autista que balança as mãos quando está feliz. Uma intervenção com baixa validade social poderia tentar eliminar esse comportamento apenas porque “chama atenção”. Já uma intervenção com alta validade social perguntaria: isso causa sofrimento? Impede interações? Se não, por que mudar? Talvez seja mais útil ensinar a criança a reconhecer seus estados internos e a regular suas emoções sem apagar sua expressão de alegria.

A Análise do Comportamento Aplicada, mais conhecida como ABA (do inglês Applied Behavior Analysis), é uma abordagem baseada em evidências que busca promover mudanças significativas no comportamento, com prioridade em melhorar a qualidade de vida das pessoas. Porém, para que essas mudanças realmente façam sentido para quem as vivencia, elas precisam ter validade social — e isso nos leva ao coração do que muitos têm chamado de a oitava dimensão da ABA: a compaixão.
O conceito de validade social foi formalizado por Montrose Wolf (1978), que afirmou que uma intervenção só é realmente eficaz se for significativa, aceitável e desejada pelas pessoas envolvidas — especialmente pelas que a recebem. A validade social envolve três aspectos principais:
- Importância dos objetivos: O que estamos ensinando ou mudando faz sentido para a pessoa?
- Aceitação dos procedimentos: A forma como fazemos a intervenção é respeitosa, confortável e compreendida por quem participa?
- Relevância dos resultados: As mudanças são vistas como positivas pela própria pessoa e seu entorno?
Medir validade social significa escutar os envolvidos: clientes, famílias, educadores e, principalmente, a pessoa no centro da intervenção (Wolf, 1978; Carter, 2010). Pode-se usar entrevistas, questionários, observações e indicadores comportamentais como expressões de felicidade ou participação ativa (Leif et al., 2024). Estudos mostram que muitas intervenções em ABA não incluem medidas de validade social, mesmo sendo uma dimensão essencial para a efetividade e aceitação social dos programas (Carr et al., 1999; Leif et al., 2024). A validade social tem relação direta com o movimento da neurodiversidade.
O conceito de neurodiversidade parte da ideia de que diferenças neurológicas, como o autismo, TDAH, dislexia e outras condições do neurodesenvolvimento, fazem parte da variação natural da espécie humana. Assim como variamos em altura, personalidade e cor dos olhos, também variamos em termos de funcionamento cognitivo e sensorial. O movimento da neurodiversidade defende que essas diferenças não são necessariamente déficits ou doenças a serem “curadas”, mas formas alternativas e válidas de existir no mundo.
A ABA tem sido criticada, principalmente por pessoas autistas e defensoras da neurodiversidade, por já ter utilizado práticas que visavam fazer com que pessoas autistas se comportassem de maneira “neurotípica”, ignorando sua identidade e experiência subjetiva (Graber & Graber, 2023; Mathur et al., 2024). Essas críticas envolvem tanto os métodos (como o uso de reforço aversivo ou excesso de repetições) quanto os objetivos (como treinar contato visual sem considerar o desconforto causado). O resultado pode ser o que muitas pessoas autistas relatam como “mascaramento” — um esforço para parecer neurotípico às custas do bem-estar. Dessa forma, a oitava dimensão da ABA foi desenvolvida como um caminho para centralizar o cuidado nos clientes e familiares.

Em 2023, Penney e colegas propuseram que a ABA reconhecesse uma nova dimensão, tão essencial quanto as sete originais de Baer, Wolf e Risley (1968): a compaixão. Essa oitava dimensão busca resgatar a prática centrada no cliente, responsiva, empática e colaborativa (Penney et al., 2023). Significa agir com empatia, escutar com humildade e colaborar com quem está recebendo o serviço. É uma reconexão com a ideia original de que ABA é uma ciência a serviço das pessoas, e não sobre elas.
A oitava dimensão também inclui olhar para históricos de trauma. Práticas informadas pelo trauma são aquelas que priorizam segurança psicológica, previsibilidade e ausência de coerção (Beaulieu et al., 2024). Outro ponto essencial é a responsividade cultural. Isso significa respeitar valores familiares, culturais e linguísticos de cada pessoa e comunidade. A validade social não existe fora do contexto.
Segundo Carter (2010), existem diversos instrumentos para medir validade social, incluindo escalas padronizadas como o Treatment Evaluation Inventory e entrevistas semiestruturadas. Leif et al. (2024) identificaram que a maioria dos estudos que medem validade social usam escalas do tipo Likert, e geralmente escutam os próprios clientes ou seus cuidadores.
Outros indicadores também podem ser observados:
- Assentimento: a expressão voluntária (verbal ou não verbal) de que a pessoa está de acordo com o processo (Hwang & Hughes, 2021);
- Indicadores de felicidade ou infelicidade: sorrisos, envolvimento, participação ativa, ou, ao contrário, esquiva, expressões faciais negativas e tentativas de evitar a sessão (Green & Reid, 1996).
Integrar validade social e a oitava dimensão traz benefícios concretos para todas as partes envolvidas. Para os clientes, isso significa mais autonomia, respeito e bem-estar ao participarem de intervenções que consideram suas preferências e necessidades. As famílias passam a confiar mais no processo terapêutico, por perceberem coerência, escuta ativa e respeito em cada etapa. Para os profissionais, práticas orientadas por validade social resultam em intervenções mais eficazes, sustentáveis e éticas, fortalecendo a relação com os clientes e a qualidade do serviço prestado. E, para a sociedade como um todo, esse enfoque contribui para a construção de serviços públicos e privados mais inclusivos, humanos e comprometidos com a cidadania.
Validade social não é um “extra” na ABA — é central. E a compaixão, como oitava dimensão, nos convida a fazer ciência com humanidade. ABA não é apenas mudar comportamentos, mas promover vidas mais significativas, para quem importa: as próprias pessoas.
Referências
Baer, D. M., Wolf, M. M., & Risley, T. R. (1968). Some current dimensions of applied behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 1(1), 91–97. https://doi.org/10.1901/jaba.1968.1-91
Carter, S. L. (2010)
. The social validity manual: A guide to subjective evaluation of behavior interventions. Academic Press.
Graber, A., & Graber, J. (2023). Applied behavior analysis and the abolitionist neurodiversity critique: An ethical analysis. Behavior Analysis in Practice, 16, 921–937. https://doi.org/10.1007/s40617-023-00780-6
Leif, E. S., Kelenc-Gasior, N., Bloomfield, B. S., Furlonger, B. S., & Fox, R. A. (2024). A systematic review of social-validity assessments in the Journal of Applied Behavior Analysis: 2010-2020. Journal of Applied Behavior Analysis, 57(3), 542-559. https://doi.org/10.1002/jaba.1092
Mathur, S. K., Renz, E., & Tarbox, J. (2024). Affirming neurodiversity within applied behavior analysis. Behavior Analysis in Practice, 17, 471–485. https://doi.org/10.1007/s40617-024-00907-3
Penney, A. M., Bateman, K. J., Veverka, Y., Luna, A., & Schwartz, I. S. (2023). Compassion: The eighth dimension of applied behavior analysis. Behavior Analysis in Practice, 1-15. https://doi.org/10.1007/s40617-023-00888-9
Wolf, M. M. (1978). Social validity: The case for subjective measurement or how applied behavior analysis is finding its heart. Journal of Applied Behavior Analysis, 11(2), 203–214. https://doi.org/10.1901/jaba.1978.11-20
Hwang, J., & Hughes, C. (2021). Assent in applied behaviour analysis and positive behaviour support: Ethical considerations and practical recommendations. International Journal of Positive Behavioural Support, 11(1), 3-11. https://doi.org/10.1080/20473869.2022.2144969
Beaulieu, L., Brodhead, M. T., & Lindo, K. (2024). Implementing culturally responsive and trauma-informed practices with individuals receiving behavior-analytic services. Journal of Applied Behavior Analysis, 57(4), 821-839. https://doi.org/10.1002/jaba.1095
Green, C. W., & Reid, D. H. (1996). Defining, validating, and increasing indices of happiness among people with profound multiple disabilities. Journal of Applied Behavior Analysis, 29(1), 67–76. https://doi.org/10.1901/jaba.1996.29-67
Como citar este artigo (APA):
Fonseca, S. A. (2025, 4 de abril). Validade social e a oitava dimensão da ABA: valorizar, ouvir e respeitar a neurodiversidade. Blog do IBAC. https://ibac.com.br/validade-social-e-a-oitava-dimensao-da-aba-valorizar-ouvir-e-respeitar-a-neurodiversidade/