Qual terapeuta nunca ouviu um cliente dizer: “Sei que preciso fazer X, mas não consigo”? Para o terapeuta, ouvir isso tende a gerar um sentimento de incompetência, uma sensação de que está falhando no seu papel de facilitar mudanças significativas na vida do cliente. Recentemente, durante uma sessão de supervisão, ouvi um terapeuta queixar-se que, de tanto ouvir isso dos seus clientes, até cogitava trocar de abordagem terapêutica. Se você, leitor(a) do blog, também já se sentiu frustrado dessa forma, saiba que não está sozinho/a.
Felizmente, a Análise do Comportamento dispõe de algumas ferramentas que nos permitem compreender (e, consequentemente, enfrentar) esse problema. Sem a pretensão de esgotar todas as possibilidades, gostaria de propor uma reflexão de algo que, penso eu, tende a passar despercebido para muitos terapeutas, sejam eles iniciantes ou experientes. É notório que o “problema” diz respeito a algo que os clientes dizem em terapia (não é à toa que o título está entre aspas!) e, como tal, pode ser analisado como comportamento verbal de acordo com a definição de Skinner (1957). No livro Verbal Behavior, Skinner propõe uma interpretação funcional de alguns episódios comportamentais tradicionalmente denominados “linguagem” em outras vertentes psicológicas e filosóficas. O livro per se não possui valor prescritivo ao clínico, mas oferece categorias analíticas que permitem descrever relações funcionais entre respostas verbais e estímulos antecedentes e consequentes; por exemplo, aquelas que ocorrem no setting terapêutico.
Nesses termos, a postura terapêutica mais adequada seria primeiramente questionar: “O que leva o meu cliente a dizer isso agora? Que variáveis controlam este comportamento”? Em uma primeira análise, poder-se-ia tratar de um tato: respostas verbais sob controle de estímulos antecedentes não verbais e mantidas por reforçadores condicionados generalizados (Skinner, 1957). Em termos coloquiais, é possível que o cliente esteja apenas narrando como se comporta (ou não se comporta) em determinados contextos. Se este for o caso, seria pertinente ao terapeuta revisitar sua análise funcional em busca de outras variáveis que podem estar mantendo ou inibindo este comportamento alvo. Isso possibilitará ao terapeuta criar condições para que o cliente emita respostas de “autoconhecimento”, ou seja, respostas sob controle discriminativo do próprio comportamento e das variáveis das quais é função (Skinner, 1953), permitindo assim que o cliente consiga intervir de forma mais efetiva no seu ambiente.
No entanto, outra possibilidade é que tal resposta verbal constitua o que Medeiros (2013) define como manipulação do comportamento verbal, isto é, “respostas verbais cuja relação de controle entre uma variável e a topografia, supostamente controlada por ela, é alterada pelo advento de outras variáveis” (p. 158). Nesse caso, é pertinente que o terapeuta analise a própria relação terapêutica e o seu papel como variável de controle nas respostas verbais emitidas pelo cliente. Um exemplo pode ajudar a compreender esta possibilidade.
Suponha que uma senhora de terceira idade busque terapia após muita insistência de seu filho caçula, que insiste que sua mãe está muito “isolada” desde que passou a cuidar em tempo integral do seu irmão mais velho, de 40 anos de idade, diagnosticado com transtorno bipolar. A própria mãe reconhece que, desde pequeno, seu filho mais velho sempre “deu mais trabalho” e “demandou mais cuidados”. Atualmente, o filho mais velho está desempregado e mora com a mãe, que arca com as suas despesas e realiza todas as tarefas domésticas. O terapeuta estabelece como objetivo modificar a “relação de dependência” da mãe para com o filho mais velho. Para alcançar este objetivo, o terapeuta (T) passa o seguinte dever de casa para a cliente (C):
T: “Vejo que uma forma de você ajudar seu filho a se reerguer seria dar mais responsabilidades para ele. Dentre as coisas que você atualmente faz por ele, quais você considera que ele seria capaz de fazer?”
C: “Hm… não sei. Talvez ele consiga lavar a própria roupa.”
T: “Faz sentido. Neste caso, o que você acha de deixá-lo lavar sua própria roupa essa semana?”
C: “Posso tentar.”
[Na semana seguinte, no início da sessão]
T: “E aí, conseguiu fazer seu filho lavar a própria roupa?”
C: “Eu até tentei, mas não consegui. Eu vejo a roupa suja acumular e aquilo vai me incomodando até eu não aguentar mais e colocar tudo na máquina”.
T: “Tudo bem. Compreendo que não deve ser fácil para você. Com o tempo, estou certo de que conseguirá.”
Qual seria a função de esta cliente dizer “não consigo”? Para responder à pergunta, é importante notar que o dever de casa formulado pelo terapeuta provavelmente se assemelha muito a outros pedidos de outras pessoas do convívio da cliente (por exemplo, do seu filho caçula). É comum que mães que exibem um padrão de comportamento “superprotetor” escutem conselhos como: “Ele já é um homem formado! Deixe-o se virar!” ou “Se você continuar fazendo tudo, ele não vai crescer nunca!”. Também é provável que estes “conselhos” sejam interpretados pela cliente como “críticas” ou “cobranças”, isto é, que funcionem como estimulação aversiva e que, portanto, tendam a evocar respostas de fuga ou esquiva. Tais respostas de fuga ou esquiva são reforçadas na medida em que eliminam ou adiam a estimulação aversiva provida pelo ouvinte (exatamente o que aconteceu na terapia, diga-se de passagem). Dessa forma, dizer “eu até tentei, mas não consegui” poderia funcionar como um mando sob controle de condições relevantes de estimulação aversiva (Skinner, 1957), ou mais precisamente, como um mando disfarçado de tato (Medeiros, 2013). Em outras palavras, o que a cliente está dizendo, de forma velada, é: “Pare de me pressionar!”. Como este mando direto provavelmente seria punido, a cliente diz “Até tentei, mas não consegui”.
Nesse caso, há pelo menos duas coisas que o terapeuta pode fazer.
- A primeira, com o objetivo de gerar “autoconhecimento”, seria levar a cliente a discriminar que dizer “não consigo” é mais provável em situações nas quais se sente criticada/pressionada e que dizê-lo é justamente uma forma de lidar com estas críticas/pressões. (Geralmente não é a única; a cliente pode também evitar o contato com as pessoas que a criticam/pressionam, o que possivelmente explicaria o seu “isolamento”).
- A segunda seria o terapeuta abster-se ou reduzir a quantidade de regras emitidas em terapia, substituindo-as por um treino de emissão de autorregras (Medeiros & Medeiros, 2011), o que pode levar a uma diminuição no caráter potencialmente aversivo da terapia.
Como alertei no início, não era meu objetivo esgotar todas as possibilidades de intervenção para esta situação problema. Se serve de palavra de consolo, vale reconhecer que promover mudanças comportamentais no processo terapêutico é desafiador por natureza. No entanto, a análise funcional das respostas verbais emitidas em terapia, nos moldes originalmente propostos por Skinner (1957), pode ser útil na identificação de variáveis de controle que agem sobre o comportamento do cliente e no delineamento de intervenções por parte do terapeuta.
Referências
Medeiros, C. A. (2013). Mentiras, indiretas, desculpas e racionalizações: manipulações e imprecisões do comportamento verbal. In Costa, C. E., Cançado, C. R. X., Zamignani, D. R., & Arrabal-Gil, S. R. S. (Orgs.). Comportamento em foco: Vol. .2 (pp. 157-170). São Paulo: ABPMC.
Medeiros, C. A. (2020). Psicoterapia Comportamental Pragmática: Da mudança no comportamento verbal à mudança de comportamento fora do consultório. In Rocha, C. A. A. ; Santos, B. C; Pompermaier, H. M. (Orgs.). Comportamento em Foco: Vol. .12 (pp. 111-125). São Paulo: ABPMC.
Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. Macmillan.
Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New York, USA: Appleton-Century-Crofts, Inc.