O Efeito Borboleta e as três mil possibilidades

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André e Bruna estavam jogando bola no campinho, no final da rua onde moravam. Chutando bola e conversando, em um dado momento, André parou para observar um passarinho que voava por perto. Ao olhar para o pássaro, perdeu a bola que Bruna havia chutado e a bola correu, não para a rua, mas para o outro lado, onde havia uma grande descida que levava a uma movimentada estrada.   

A bola pegou embalo na descida e correu para a pista. Carolina dirigia sua SUV nesse exato momento na estrada, indo para uma importante reunião de trabalho. Ela desviou da bola, ficando atenta, imaginando que poderia ter alguma criança desavisada tentando pegá-la. Daniel, que vinha logo atrás de Carolina, no entanto, se assustou com o movimento súbito da SUV, e acabou perdendo o controle do caminhão que dirigia.  

O caminhão tombou, mas Daniel ficou ileso. A carga que ele levava era de produtos químicos para a indústria farmacêutica. Com a queda, os líquidos foram derramados e vazaram, pela rachadura do baú do caminhão, que não tinha sido vista antes. Toda a carga caiu em um riacho que corria perto dali.  

Com a carga química concentrada, a fauna e a flora do riacho foram afetadas. A maior parte dos peixes morreram, assim como os pequenos répteis. Os que não morreram ficaram contaminados, o que inviabilizou o seu consumo. A água do riacho abastecia tanques da cooperativa de criação de tilápia, que também sofreu com os produtos químicos. Os pescadores que moravam na vila, um deles o pai de André, não puderam mais ganhar seu sustento.  

A vila sofreu muito com a perda financeira, já que a pesca era a principal economia da região. Como toda a região foi impactada, Eraldo, gerente do banco regional, ficou bastante sobrecarregado com os inúmeros pedidos de empréstimo e acabou tendo que fazer horas extras. Nisso, acabou perdendo o nascimento do filho, Fabio, o que gerou extremo desgosto e tensão no seu casamento com Gabriela.  

A história poderia continuar com infinitos desdobramentos. Eu poderia contar sobre a distância que se formou no casamento de Eraldo e Gabriela, mas como o filho os uniu novamente. Sobre como Carolina chegou assustada e atrasada na reunião, o que a impediu de fazer uma boa apresentação e de conseguir uma promoção no trabalho, e por isso ela resolveu se dedicar ao mestrado. Sobre o susto de André e Bruna ao assistir o acidente de cima do morro, o que levou André se envolver com a causa ambiental e fundar uma ONG. E sobre Daniel ter perdido o emprego na transportadora, mas ter arrumado um novo em que não precisaria ficar tanto tempo fora de casa.   

A cada evento em nossas vidas, milhares de outros podem ou não acontecer. Numa fração de segundos, a vida muda.  

Esse é o Efeito Borboleta, um fenômeno observado por Edward Lorenz, em 1961. Lorenz era um meteorologista. Ao inserir no computador dados como temperatura, volume de chuva, velocidade dos ventos e outros parâmetros para fazer a previsão do tempo para os próximos dias, ele chegou a um resultado. Mas dias depois, ao tentar repetir o cálculo, ele percebeu que o computador usava mais casas decimais, o que levava a uma previsão completamente diferente. É dele a frase “o bater de asas de uma borboleta no Brasil pode provocar um furacão no Texas”, para descrever esses pequenos eventos tão singelos que podem gerar efeitos avassaladores não previstos.  

O Efeito Borboleta faz parte da Teoria do Caos, uma teoria que desafia a física clássica de Newton. Segundo ela, as previsões são possíveis quando os dados são perfeitos. Mas na prática é impossível ter dados perfeitos, o que torna então as previsões inviáveis. Cada pequena variação pode ter um efeito não linear em um sistema complexo, que levaria a enormes mudanças no futuro.  

CAOS E EFEITO BORBOLETA | Nerdologia 

E nada mais complexo do que a nossa vida.   

Muitos dos nossos clientes chegam ao consultório tentando buscar respostas certas e garantidas para suas vidas. Muitos não conseguem lidar com a incerteza e querem, desesperadamente, encontrar uma resposta, a única que resolverá todos os seus problemas de agora até o fim da vida. Você já recebeu um cliente que precisa decidir entre ficar com a pessoa A ou com a pessoa B? Ou está na dúvida entre mudar de cidade ou ficar onde está? Ou ainda não sabe se aceita a promoção que vai levar a mais tempo fora de casa ou mantem o emprego como está, porém, com um salário menor?  

O fato é que não há resposta, porque cada caminho trará novos desafios e os desdobramentos são impensáveis, no momento inicial da escolha. O que vai acontecer depois que esses clientes tomarem suas decisões?  

A boa notícia é que não há uma única resposta, porque a nossa vida é feita de inúmeras possibilidades. No Budismo, a partir de um cálculo antigo, chegou-se à conclusão que temos 3 mil possibilidades, opções e variações a cada momento. Considere aquela fração de segundo em que você decidiu se sentar em uma carteira na escola e não na outra, e isso abriu um leque de 3 mil opções diferentes para você fazer amigos e ter a vida que você tem até hoje. Ou no dia que você curtiu um post sem querer, a pessoa viu, puxou assunto e hoje vocês são amig@s (ou não).  

É um pouco o que o filme Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022), candidato ao Oscar de Melhor Filme, quer mostrar. Quantas vidas você teria para viver? Que habilidades você poderia desenvolver em um universo paralelo? 

Confira o trailer Tudo Em Todo O Lugar Ao Mesmo Tempo  |  Trailer Legendado 

 Eu entendo que o nosso trabalho como psicólg@ clínic@ é construir variações na vida dos nossos clientes. Ampliar o repertório para 3 mil ou mais possibilidades de ação em um dado momento. Criar o “caos” (não a desordem), no sentido de desafiar os padrões já estabelecidos que @ cliente nos traz. Se @ cliente traz sempre a mesma história e vê o mesmo padrão comportamental se perpetuar, qual é o detalhe que pode fazer a diferença? Qual é o pequeno passo, aquele “embrião” de comportamento, que pode iniciar um novo caminho? 

Cada atendimento, cada reflexão e cada pergunta deve fazer @ cliente explorar novas possibilidades. As supervisões também são ricas porque multiplicam o bater das asas de vários psicólog@s juntos, refletindo sobre o caso. E na teoria do caos, cada vez que nós mudamos, nós também provocamos mudanças nos nossos clientes.  

A cada novo comportamento instalado, mudanças não imagináveis podem ocorrer. Descubra. 

 

Para saber mais: 

Dooley, K. J. (2009). The Butterfly Effect of the” Butterfly Effect”. Nonlinear dynamics, psychology, and life sciences, 13(3), 279-288. https://www.researchgate.net/profile/Kevin_Dooley/publication/26293156_The_Butterfly_Effect_of_the_Butterfly_Effect/links/02e7e5349a70f12109000000/The-Butterfly-Effect-of-the-Butterfly-Effect.pdf

Klasen, J.M., Lingard, L.A. The butterfly effect in clinical supervision. Perspect Med Educ 10, 145–147 (2021). https://doi.org/10.1007/s40037-021-00659-8  

Ozdemir, O., Ozdemir, P. G., & Yilmaz, E. (2014). The butterfly effect in psychiatry: A case example. Psychiatry and Behavioral Sciences, 4(1), 34. https://doi.org/10.5455/jmood.20131205063836  

Escrito por:

Patrícia Luque

Supervisora de Estágio no IBAC. Psicóloga clínica. Doutora em Ciências do Comportamento e Mestre em Psicologia pela UnB

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