A Terapia Comportamental Dialética (do inglês Dialectical Behavior Therapy, DBT) foi desenvolvida pela Dra. Marsha Linehan ao final da década de 1970 para o tratamento de pessoas com tentativas de suicídio, diagnosticadas com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB).
Atualmente a DBT é considerada uma das práticas com maior eficácia no tratamento de pacientes com alta desregulação emocional, comportamentos autolesivos e ideação suicida. Assim, além do TPB, é indicada para diversos transtornos que incluem esses sintomas, como Transtorno Bipolar, Transtornos Alimentares, Transtornos de Uso de Álcool e outras Drogas, Transtorno de Estresse Pós-traumático e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.
O trabalho de Linehan influenciou o desenvolvimento de outros modelos terapêuticos, como a Terapia Comportamental Dialética Radicalmente Aberta (do inglês Radically Open Dialectical Behavior Therapy, RO-DBT), um modelo de tratamento transdiagnóstico desenvolvido por Thomas R. Lynch para pacientes com excesso de autocontrole (com prejuízos na conexão social e flexibilidade). Essa nova proposta se mostrou eficaz para transtornos como Anorexia Nervosa, Transtorno Obsessivo-Compulsivo, Ansiedade e Depressão Refratárias e Transtornos de Personalidade, grupos A e C.
Nesse modelo terapêutico, o foco é tratar pacientes que veem o autocontrole como imperativo, erros como intoleráveis, a vitória como essencial e que têm necessidade de estar sempre preparados e nunca revelar fraquezas. A Análise do Comportamento compreende o autocontrole como um comportamento de escolha em que a pessoa adia gratificações imediatas para atingir objetivos distantes, porém de maior valor. Esse tipo de habilidade é muito valorizada na maioria das sociedades. Déficits em autocontrole caracterizam muitos dos problemas pessoais e sociais que enfrentamos. Porém, excesso de autocontrole também é prejudicial; produzindo isolamento social, hiper perfeccionismo, rigidez, problemas de saúde graves com difícil tratamento e aversão a riscos.
O “supercontrole”, então, é definido por Lynch como um estilo de enfrentamento caracterizado por controle inibitório excessivo e relacionamentos distantes que são resultado de predisposições temperamentais biológicas além das influências ambientais. Isso limita novos aprendizados, respostas flexíveis e o desenvolvimento de laços sociais estreitos. Assim, o supercontrole é caracterizado por quatro déficits principais:
- Baixa receptividade a feedbacks novos e inesperados e evitação de riscos não planejados com hipervigilância para ameaças potenciais e tendências bem marcadas para esquiva de críticas;
- Baixa flexibilidade expressa por necessidade excessiva de estrutura e ordem, hiperfeccionismo, alta obrigação social e dever, alta premeditação e planejamento, comportamento rígido governado por regras e alta certeza moral (ou seja, a crença de que há é apenas uma maneira certa de fazer algo);
- Expressão emocional inibida generalizada e baixa consciência emocional com subnotificação consistente de angústia e baixa consciência das sensações corporais;
- Baixa conexão social e intimidade com os outros manifestada em relacionamentos indiferentes e distantes, sentimento de ser diferente das outras pessoas, comparações sociais frequentes e empatia reduzida.
Para clarificar as diferenças de foco clínico entre DBT e RO-DBT e outras particularidades destes dois modelos de terapia, trouxemos uma tabela com uma comparação mais detalhada:
DBT | RO-DBT |
---|---|
Usa princípios comportamentais | Usa princípios comportamentais |
Usa a filosofia dialética | Usa a filosofia dialética |
Desenvolvida para clientes com baixo autocontrole Estilos de personalidade “dramaticamente erráticos” do Grupo B (DSM-5), principalmente Transtorno de Personalidade Borderline e Transtorno de Personalidade Antissocial. | Desenvolvida para clientes com queixas relacionadas a supercontrole Estilos de personalidade “super controlados” dos Grupos A e C (DSM-5) (e.g., Evitativos, Obsessivos-Compulsivos, Transtornos de Personalidade Paranóide e Esquizóide, além de Depressão Crônica e Anorexia Nervosa) |
Cliente com estilo ansioso de apego Procura se aproximar do terapeuta e teme o abandono. | Cliente com estilo evitativo de apego Não procura se aproximar do terapeuta e facilmente abandona a relação, especialmente quando há conflito. |
Problema central Desregulação emocional, baixo autocontrole. | Problema central Déficits de sinalização social, baixa abertura, e distanciamento. |
Suicídio e automutilação Clientes com desregulação emocional (DE) com taxas elevadas de comportamentos de autolesão e suicídio. – O suicídio e a automutilação do cliente com DE são geralmente respostas emocionais e não planejadas; – Clientes com DE não mantêm em segredo o seu comportamento autolesivo; – O comportamento autolesivo e/ou suicida é impulsivo e depende do humor. | Suicídio e automutilação Clientes supercontrolados (SC) com taxas elevadas de comportamentos de autolesão e suicídio. – O suicídio e automutilação de clientes SC normalmente são planejados; – O comportamento autolesivo de clientes SC é geralmente mantido em segredo; – A automutilação e/ou comportamento suicida tem maior probabilidade de ser governada por regras do que por humor – por exemplo, punindo-se por erros para restaurar sua fé num mundo justo. |
O terapeuta reconhece que os clientes com baixo autocontrole precisam fazer melhor, esforçar-se mais e/ou estar mais motivados para mudar. | O terapeuta reconhece que os clientes caracterizados por supercontrole precisam de se libertar das regras de sempre terem um melhor desempenho ou esforçarem-se mais. |
Posição terapêutica Terapeuta usa contingências externas, incluindo punições amenas e toma uma posição direta a fim de parar o comportamento perigoso e impulsivo. | Posição terapêutica Terapeuta menos diretiva/o, encoraja a independência de ação e opinião, enfatiza a auto-investigação e a auto-descoberta. |
Ensina a/o terapeuta a utilizar contingências externas para ajudar o cliente a ganhar controle e descobrir as consequências reforçadoras do controle de impulsos. | Ensina a/o terapeuta a utilizar a sinalização social para melhorar o envolvimento do cliente e a vulnerabilidade e conexão. |
Enfoque terapêutico primário Interno: Capacidade de regulação emocional, controle comportamental e tolerância à frustração. | Enfoque terapêutico primário Externo: Sinalização social, abertura, e capacidade de conexão com o outro. |
Ensina a/o cliente: Como evitar conflitos, ser mais organizado, conter os impulsos, ficar sob controle de reforços atrasados e tolerar a frustração e mal-estar (competências já demasiado aprendidas ou empenhadas compulsivamente pela maioria dos indivíduos com autocontrole excessivo). | Ensina a/o cliente: Como aumentar a abertura, a flexibilidade, a habilidade de conexão com o outro e a expressão vulnerável de emoções. |
Contingências externas, incluindo aversivos suaves, ajudam a/o cliente a ganhar controle e a descobrir as consequências reforçadoras do controle da impulsividade. | Ênfase na auto-investigação e na auto-descoberta em vez do controle de impulsos. |
A/o terapeuta pode encorajar um breve desengajamento do conflito para reduzir/evitar a escalada emocional. | A/o terapeuta encoraja o envolvimento se existir um conflito, ao invés de abandono ou evasão automática. |
Ganhos da terapia Expressão regulada e medida de emoções e pensamentos. | Ganhos da terapia Revelação franca e expressão desinibida da emoção. |
Hierarquia de alvos de tratamento 1. Comportamentos que ameaçam a vida – por exemplo, suicídio e autolesão. 2. Comportamentos que interferem no engajamento na psicoterapia. 3. Comportamentos que interferem na qualidade de vida. – Padrão de resposta disfuncional relacionado com a saúde mental (por exemplo, outras perturbações graves do Eixo I e IV do DSM); – Comportamento sexual de alto risco ou desprotegido; – Extremas dificuldades financeiras; – Comportamentos criminosos que podem levar à prisão; – Comportamentos interpessoais gravemente disfuncionais; – Comportamentos disfuncionais relacionados ao emprego ou à escola; – Comportamentos disfuncionais para a saúde física; – Comportamentos disfuncionais relacionados à habitação. | Hierarquia de alvos de tratamento 1. Comportamentos que ameaçam a vida – por exemplo, suicídio e autolesão. 2. Rupturas na aliança terapêutica. 3. Sinalização social mal adaptativa decorrente do supercontrole. – Expressão emocional desinibida e desonesta;Foco hiperprofundo e comportamento excessivamente cauteloso; – Comportamento rígido e governado por regras; – Distanciamento de relacionamentos; – Elevadas comparações sociais, inveja e amargura. |
Prioriza os comportamentos que interferem na terapia Posicionados em segundo lugar na hierarquia de tratamento, os comportamentos interferentes da terapia são vistos como problemas que necessitam de mudança. | Prioriza as rupturas de aliança terapêutica Posicionadas em segundo lugar na hierarquia de tratamento, as rupturas de aliança são vistas como oportunidades de crescimento – por isso são bem-vindas. |
Práticas de mindfulness influenciadas pelo Zen Budismo | Práticas de mindfulness influenciadas pelo Malamati Sufismo |
Mindfulness Ênfase na postura não julgadora do “o que é” e no conhecimento intuitivo. Encoraja o cultivo de respostas do tipo “Mente Sábia” que se concentram na redução da resposta impulsiva dependente do humor e no aumento das capacidades de retardar a gratificação imediata, a fim de perseguir objetivos distantes. | Mindfulness Ênfase na auto-investigação, na auto-exposição*, na participação sem planejamento, e no cultivo de uma dúvida saudável. Encoraja o cultivo de respostas do tipo “Mente Flexível” que promovem o relaxamento dos esforços de controle rígidos e governados por regras e um aumento da desinibição e/ou expressão emocional apropriada ao contexto. *Em inglês, outing oneself, termo da RO-DBT para caracterizar a habilidade de revelar vulnerabilidade e vantagem pessoal para outra pessoa, a fim de localizar o ponto em que o crescimento pessoal pode ocorrer. |
Enfatiza e dá prioridade à Aceitação Radical Aceitação Radical é “deixar de lutar contra a realidade”. “É a forma de transformar o sofrimento que não pode ser tolerado em dor que pode ser tolerada” (Linehan, 1993). | Enfatiza e prioriza a Abertura Radical Abertura Radical é procurar ativamente coisas que se quer evitar para aprender – desafiando nossas percepções da realidade, modelando a humildade, e uma vontade de aprender. “Não vemos as coisas como elas são – nós vemos as coisas como nós somos” (Lynch 2017). |
Enfatiza a regulação emocional e as ações não dependentes do humor | Enfatiza a nossa natureza tribal e a nossa ligação social |
Para saber mais:
Little, J. N., & Codd, R. T. (2020). Radically Open Dialectical Behavior Therapy (RO DBT) in the treatment of perfectionism: A case study. Journal of Clinical Psychology, 76(11), 2097–2108. https://doi.org/10.1002/jclp.23062
Lynch, T. R. (2018). Radically open dialectical behavior therapy: theory and practice for treating disorders of overcontrol. New Harbinger Publications.
Lynch, T. R., Gray, K. L., Hempel, R. J., Titley, M., Chen, E. Y., & O’Mahen, H. A. (2013). Radically open-dialectical behavior therapy for adult anorexia nervosa: feasibility and outcomes from an inpatient program. BMC psychiatry, 13, 293. https://doi.org/10.1186/1471-244X-13-293
DBT Brasil. www.dbtbrasil.com
RO-DBT Brasil. www.rodbtbrasil.com.br/
Este artigo foi escrito em colaboração com integrantes do Grupo de Estudos Avançados “Aprendendo sobre Pesquisa Clínica: por uma Prática Baseada em Evidências” do IBAC.
Izabella de Lima
Psicóloga clínica Especialista em Terapia Comportamental (ITCR).
Gustavo Guimarães Neves
Psicólogo clínico Pós-graduado em Análise Comportamental Clínica (IBAC).