Pertencimento e conexão social em indivíduos deprimidos: o que precisamos saber?

Compartilhe este post

Pertencer não é algo trivial para os seres humanos. Somos animais relativamente indefesos quando sozinhos – considere como, fisicamente, somos muito mais vulneráveis do que tantos outros animais, que têm garras, presas, pelos, couro, escamas ou cascos altamente especializados para a proteção. Estando tão pouco preparados estamos para explorar o ambiente e atender plenamente às nossas necessidades sozinhos, estima-se que nossa sobrevivência enquanto espécie dependeu da união de indivíduos em grupos cooperativos. Isso poderia explicar por que a conexão social é uma parte tão fundamental da experiência humana e desempenha um papel crucial no bem-estar emocional. Déficits em conexão social podem ser fontes significativas de sofrimento, contribuindo tanto para o estabelecimento quanto manutenção de diversos quadros psicopatológicos, inclusive ansiedade e depressão.

Modelos psicoterapêuticos comportamentais – como a Terapia Analítica Funcional (FAP) e a Terapia Comportamental Dialética Radicalmente Aberta (RO-DBT) – propõem, desde pelo menos a década de 1990, que prejuízos referentes ao desenvolvimento de relações de intimidade seriam alguns dos precursores centrais de psicopatologias. Em 2010, uma meta-análise (Holt-Lunstad et al., 2010) ganhou notoriedade na área dos estudos sobre conexão social e intimidade ao identificar relações sociais insuficientes como um fator de risco para mortalidade. O isolamento parece trazer prejuízos comparáveis a outros fatores de risco bem estabelecidos, como tabagismo, alcoolismo e sedentarismo (Holt-Lunstad et al., 2015). A partir desse dado, autores vêm propondo que a solidão seja considerada um alvo prioritário para intervenção inclusive em saúde pública (e.g., Haworth et al., 2015). 

créditos: https://unsplash.com/@priscilladupreez

Mas o que seria conexão social? Podemos entender a conexão social como uma medida da presença e da qualidade dos relacionamentos e interações sociais na vida de uma pessoa. Envolve a sensação de estar conectado aos outros, de fazer parte de uma comunidade e de ter redes de apoio social. A conexão social pode ocorrer em vários níveis, incluindo relações familiares, amizades, comunidades locais e grupos sociais mais amplos. Quando as pessoas se sentem socialmente conectadas, podem compartilhar experiências, obter ajuda prática quando necessário e experimentar um senso de pertencimento. Já o oposto da conexão social percebida relaciona-se à experiência de sentimentos de solidão, ao aumento da sensibilidade à ameaça, à diminuição da qualidade do sono, além de evocar o desejo de reconectar-se.

A presença de um forte suporte social tem sido associada a taxas mais baixas de depressão. Relações sociais positivas e de apoio podem oferecer uma rede de suporte emocional e prático que ajuda a amortecer os efeitos adversos do estresse e das dificuldades da vida. Por outro lado, problemas nos relacionamentos, como conflitos familiares ou dificuldades interpessoais, podem contribuir para o desenvolvimento e agravamento da depressão. A falta de interações sociais significativas pode perpetuar sentimentos de desamparo, solidão e desesperança, que são características comuns da depressão. Além disso, não é incomum que o estigma cultural que acompanha o diagnóstico de depressão, juntamente com os sintomas difíceis desse quadro, possam levar a sentimentos intensos de vergonha. Tentando esquivar-se desses sentimentos, as pessoas isolam-se ainda mais, gerando um ciclo de agravamento do quadro. 

Observamos, em nossa prática com estratégias de Ativação Comportamental para o tratamento da depressão, que muitas vezes pacientes isolados resistem em retomar atividades sociais. Eles temem questionamentos e julgamento acerca do seu adoecimento ou “sumiço”. Pessoas que eram socialmente bem inseridas antes da depressão resistem à possibilidade de mostrarem-se vulneráveis por medo do que os outros irão pensar ao vê-los em um estado de fragilidade. Por outro lado, alguns pacientes deprimidos identificam que jamais estiveram confortáveis socialmente e suas dificuldades sociais podem fazer parte de um contexto de vida em que episódios depressivos foram recorrentes ou persistentes. Ainda, em ambos os casos, é possível que dificuldades intensas ou pervasivas no desenvolvimento de relações sociais cheguem a prejudicar ou mesmo impedir até mesmo o estabelecimento de uma boa relação terapêutica. O fortalecimento das habilidades de comunicação, resolução de conflitos e construção de relacionamentos saudáveis será uma parte crucial do tratamento.

Você sabia?

A preocupação com a gravidade dos desfechos relacionados à solidão inspirou a fundação de uma Organização Não-Governamental (ONG) por parte dos co-criadores da Terapia Analítica Funcional (FAP), Bob Kohlenberg e Mavis Tsai, chamada Live with Awareness, Courage and Love Global Project (Projeto ACL, ou Projeto Global Viva com Consciência, Coragem e Amor). O projeto visa ampliar o acesso de populações menos privilegiadas, que não podem pagar por psicoterapia ou serviços adicionais, por exemplo, a espaços em que os princípios transformadores da FAP pudessem ser experienciados. Hoje, o projeto já treinou líderes em pelo menos 92 países. Os líderes fornecem a oportunidade de praticar mindfulness, realizar exercícios de autoconhecimento e interagir de forma vulnerável com outras pessoas da comunidade a quaisquer pessoas interessadas que se inscrevam. Caso seja de seu interesse conhecer o projeto, há um grupo de ACL online mensal no IBAC; a divulgação é realizada pelas redes sociais, pelo site (em “Workshops”), e por email. 

Referências

Haworth, K., Kanter, J. W., Tsai, M., Kuczynski, A. M., Rae, J. R., & Kohlenberg, R. J. (2015). Reinforcement matters: A preliminary, laboratory-based component-process analysis of Functional Analytic Psychotherapy’s model of social connection. Journal of Contextual Behavioral Science, 4(4), 281–291. https://doi.org/10.1016/j.jcbs.2015.08.003

Holt-Lunstad, J., Smith, T. B., Baker, M., Harris, T., & Stephenson, D. (2015). Loneliness and social isolation as risk factors for mortality: a meta-analytic review. Perspectives on psychological science : a journal of the Association for Psychological Science, 10(2), 227–237. https://doi.org/10.1177/1745691614568352

Holt-Lunstad, J., Smith, T. B., & Layton, J. B. (2010). Social relationships and mortality risk: a meta-analytic review. PLoS medicine, 7(7), e1000316. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1000316

Para saber mais:

Holman, G., Kanter, J., Tsai, M., & Kohlenberg, R. (2022). Psicoterapia analítica funcional descomplicada: guia prático para relações terapêuticas. Sinopsys.

Site do Projeto ACL – https://livewithacl.org/

Escrito por:

Andressa Secchi Silveira

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Análise do Comportamento (PPGAC) na Universidade Estadual de Londrina (UEL), vinculada ao LaBori – UEL. Bacharela em Psicologia pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Especialista em Análise Comportamental Clínica pelo IBAC. Psicóloga (CRP 07/35022) e supervisora particular.

Inscreva-se em nossa Newsletter

Receba nossas atualizações

Comentários

Posts recentes

para terapeutas

Os Mandamentos do Terapeuta Comportamental

Apesar da escrita ter se iniciado em um tom poético, nela contém alguns nortes que guiarão o terapeuta comportamental em sua jornada clínica. E, ainda

Atendimento via WhatsApp