O Ciclo de Violência Contra a Mulher a Partir de uma Visão Analítico-Comportamental

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De acordo a Lei Maria da Penha estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial (Capítulo II, art. 7º, incisos I, II, III, IV e V). Segundo o Instituto Maria da Penha, a violência doméstica pode ser descrita através de um ciclo composto por três fases, ou seja, fases que são constantemente repetidas:

Fase 1 Aumento da tensão

O agressor mostra-se tenso e irritado por coisas insignificantes, chegando a demonstrar raiva. Ele também humilha a vítima, faz ameaças e destrói objetos. A mulher tenta acalmar o agressor, sente-se aflita e evita qualquer conduta que possa “provocá-lo”. Em geral, a vítima tende a negar que isso está acontecendo, esconde os fatos das pessoas e, muitas vezes, acha que fez algo de errado para justificar o comportamento violento do agressor ou que “ele teve um dia ruim no trabalho”, por exemplo. Essa tensão pode durar dias ou anos, aumentando cada vez a duração da tensão dentro dessa fase.

Fase 2 – Ato de violência

O agressor chega ao seu limite e agride a mulher. Aqui, toda a tensão acumulada na fase 1 se materializa em violência física, sexual, psicológica, moral ou patrimonial. Mesmo tendo consciência de que o agressor está fora de controle e tem um poder destrutivo grande em relação à sua vida, o sentimento da mulher é de paralisia e impossibilidade de reação. Nesse momento, a mulher sofre de tensão psicológica severa (insônia, perda de peso, fadiga constante, ansiedade) e sente medo, ódio, solidão, pena de si mesma, vergonha, confusão e dor. Nesse momento, ela também pode tomar grandes decisões − as mais comuns são buscar ajuda, denunciar, esconder-se na casa de amigos e parentes, pedir a separação e até mesmo suicidar-se. Geralmente, há uma tentativa de distanciamento do agressor.

Fase 3 – Arrependimento e comportamento carinhoso

Também conhecida como “lua de mel”, esta fase se caracteriza pelo arrependimento do agressor, que se torna amável para conseguir a reconciliação. A mulher se sente confusa e pressionada a manter o seu relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando o casal tem filhos. Em outras palavras, a mulher abre mão de seus direitos e recursos, enquanto o agressor diz que “vai mudar”. Há um período relativamente calmo, em que a mulher se sente feliz por constatar os esforços e as mudanças de atitude do agressor, lembrando também os momentos bons que tiveram juntos. Como há a demonstração de remorso, ela se sente responsável por ele, o que estreita a relação de dependência entre vítima e agressor. Um misto de medo, confusão, culpa e ilusão fazem parte dos sentimentos da mulher. Por fim, a tensão volta e, com ela, o reinício do ciclo.

Através do conceito de reforçamento intermitente é possível realizar algumas extrapolações teóricas que poderiam ajudar a explicar o ciclo da violência dentro da análise do comportamento. O reforçamento intermitente é caracterizado por momentos onde há o reforçador positivo e em momentos onde não há o reforçador positivo. O esquema de reforçamento intermitente pode se dar, por exemplo, através de esquemas de razão ou de intervalo, que podem ser fixos ou variáveis (Moreira & Medeiros, 2007).

No que se refere ao ciclo da violência, o reforçamento intermitente presente seria o de intervalo variável. Isso significa que a mulher que sofre violência não sabe quando o reforçador (fase 3) será oferecido, produzindo uma alta taxa de respostas, já que a mulher continua buscando por carinho e amor do agressor sem saber quando será apresentado o reforçador (quando, nesse caso, refere-se ao tempo que irá passar até que a consequência reforçadora seja apresentada).

Ao se irritar por qualquer coisa insignificante (fase 1), o agressor retira o reforçador dos comportamentos da mulher (intervalo onde não há a disponibilidade do reforçador). Nessa situação, a mulher tende a reforçar os comportamentos de tensão do agressor, com o intuito de evitar novas brigas e até mesmo a violência. Em função do reforçamento, os comportamentos de agressão aumentam de frequência (consequência esperada quando comportamentos são reforçados), podendo se materializar na violência (fase 2).

Após a violência, a mulher sofre os efeitos da punição:

  • Tem emoções eliciadas pela punição (sintomas relacionados aos transtornos de ansiedade)
  • Deixa de reforçar os comportamentos do agressor (supressão temporária de carinho e amor),
  • Sente medo em locais onde houve agressão, mesmo sem a presença do agressor (generalização da aversividade do ambiente em que sofre a violência),
  • Busca por ajuda, tenta denunciar ou denuncia, esconde-se na casa de pessoas de confiança (aumento de respostas de fuga e esquiva) e
  • Tenta se separar (contracontrole).

Logo após a punição as terapeutas geralmente acreditam que o fim da relação está próximo. Esse pode ser um grande erro teórico, pois ao se retirar o estímulo aversivo (punição), o responder volta com toda a sua força inicial. Ou seja, diante da falta do reforçador, o agressor volta a se comportar de forma arrependida e carinhosa (fase 3 – efeitos da extinção: aumento inicial da procura pelo reforçador; eliciação de respostas emocionais; e variabilidade na topografia das respostas) e a mulher retorna para o agressor (voltando a disponibilizar o reforçador, uma vez que o estímulo aversivo foi retirado).

Após essa fase, o aumento da tensão volta a acontecer (fase 1), já que, cada vez que o estímulo aversivo é apresentado, perde a função inicial, provocando o fenômeno conhecido como habituação. Dessa forma, o ciclo de violência se reinicia e em cada reinício a violência é potencializada em função da mulher estar cada vez mais habituada com aquela violência sofrida (é necessário que o agressor seja cada vez mais punitivo para conseguir manter o controle sobre aquela mulher) (Carvalho Neto & Mayer, 2011).

Por toda essa dinâmica, é importante que terapeutas analítico-comportamentais compreendam o ciclo de violência, uma vez que essa repetição é comum tanto em consultórios particulares quanto em clínicas-escola, centros de atenção psicossocial (CAPS) e outros órgãos públicos que ofereçam atendimentos psicológicos.

Independentemente dos locais onde são ofertados serviços de psicoterapia, o ciclo da violência parece estar presente e levar em consideração essa dinâmica pode ajudar a terapeuta a formular o caso, a propor intervenções de acordo com a necessidade de cada mulher e correr menos riscos de que as intervenções mais afastem do que aproximem a mulher da psicoterapia (por exemplo: insistir que a mulher saia da relação abusiva na fase 3). O afastamento da mulher da psicoterapia pode favorecer o fortalecimento do ciclo da violência, a maior dependência do agressor e a um maior isolamento social da vítima. Saber quando e como intervir em casos de violência contra a mulher pode ser fundamental no desfecho dessa relação.

Referências

Carvalho Neto, M. B. de, & Mayer, P. C. M. (2011). Skinner e a assimetria entre reforçamento e punição. Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento19, 21-32. https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=274520890004

Moreira, M. B., & Medeiros, C. A. (2007). Princípios Básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre, Artmed.

Escrito por:

Ana Clara Almeida Silva

Psicóloga, Doutoranda e Docente do curso de Pós-Graduação em Análise Comportamental Clínica e no curso de Formação em FAP do IBAC.

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