Você aguenta esperar?

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Todo mundo sente uma vontade irresistível de pegar o celular e conferir quem mandou mensagem ao ouvir aquele barulhinho da notificação. Quem aguenta esperar? O problema é que muitas vezes estamos no trânsito ou em sala de aula. Como lidar com a urgência da notificação? Você prefere ler agora e arriscar bater o carro ou esperar até chegar em seu destino? O uso de celulares parece representar um comportamento semelhante ao vício em substâncias – com sintomas de dependência e até problemas financeiros devido ao uso excessivo.

Quanto mais uma consequência demora para acontecer menor valor ela tem. Se uma consequência demora mais para ocorrer, ela se torna menos interessante e, portanto, menos preferida, dentre outras opções. Você deve se lembrar do post do autocontrole (se não leu, confira aqui). De modo geral, animais preferem a alternativa cujo reforço é disponibilizado imediatamente, ainda que a sua magnitude seja inferior. Por outro lado, a alternativa cujo valor reforçador é maior, porém o reforço é disponibilizado com atraso, acaba sendo menos preferida. A essa escolha de curto prazo, chamamos de impulsividade.

Isso se repete em diversas escolhas de diferentes prazos. Os reforços imediatos pesam de forma desproporcional em nossas escolhas – e isso se deve ao desconto temporal – a tendência de que reforços mais distantes tem menos valor.

Imagine que você decidiu comprar um novo objeto de desejo, mas não tem toda a grana necessária na mão. O vendedor faz uma proposta indecorosa e te dá 50% de desconto para pagar no dinheiro (ou pix) porque ele conhece um fenômeno chamado desconto temporal. Ele prefere ganhar menos agora do que uma quantia maior no futuro. Parece incrível que o vendedor prefira ganhar menos? Para ele, 50% na mão tem mais valor do que uma venda não feita.

Créditos: Unsplash

Você concorda?

Se você emprestar R$ 1000 para um amigo, é bem provável que você prefira receber tudo de volta e não apenas uma parte, certo? Aí ele te faz uma proposta: ele só tem R$ 700 para te pagar agora. Ou você pode esperar mais 6 meses quando ele terá o dinheiro completo para te devolver. Você prefere receber R$ 700 agora ou R$ 1000 daqui a 6 meses?

Essa é a pergunta clássica dos estudos de escolhas intertemporais, uma linha de pesquisa com importantes ramificações em questões para além da economia, e inclui escolhas saudáveis, como alimentação e abuso de drogas e até uso de celular.

Quando colocamos dinheiro nessas alternativas, era de se esperar que a preferência devesse ser maior para a alternativa que paga mais. Afinal, R$ 1000 é, em tese, sempre melhor que R$700 (considere aqui um panorama em que a inflação não seja significativa). Mas, ao aumentar a demora, a quantia vale subjetivamente cada vez menos. Ou seja, é bem provável que você prefira R$ 700 agora, para garantir – uma alternativa impulsiva também escolhida consistentemente por participantes em pesquisas já realizadas.

Agora considere a seguinte situação: seu amigo faz uma proposta para pagar R$ 700 daqui a um ano ou os R$ 1000 daqui a um ano e 6 meses. Nessa nova situação, é bem provável que você prefira esperar para receber os R$ 1000 originais – já que você está esperando, então faz sentido esperar um pouco mais para receber tudo de volta. Pelo menos, é assim que os participantes de pesquisas escolhem, de modo geral.

Repare que os valores não se alteram. Mas a diferença no atraso (de agora para daqui a 6 meses) faz a preferência se alterar.

Ao fazer diversas perguntas, alterando prazos e valor de devolução, é possível chegar ao ponto de indiferença, que representa o valor da consequência em relação aos atrasos:

Por exemplo:

  1. Você prefere R$ 900 agora ou R$ 1000 daqui a 6 meses?
  2. Você prefere R$ 800 agora ou R$ 1000 daqui a 6 meses?
  3. Você prefere R$ 700 agora ou R$ 1000 daqui a 6 meses?
  4. Você prefere R$ 600 agora ou R$ 1000 daqui a 6 meses?
  5. Você prefere R$ 500 agora ou R$ 1000 daqui a 6 meses?

E assim por diante. Ao perguntar cada um desses itens em sequência, é possível identificar quando a preferência se altera entre as alternativas. Por exemplo, suponha que você prefira R$ 700 agora do que R$ 1000 em 6 meses, mas prefira R$ 1000 em 6 meses do que R$ 600 agora. Temos aí a inversão de preferência e conseguimos quantificar quando a consequência perde seu valor.

O mesmo pode acontecer quando trocamos o atraso por probabilidades. Por exemplo, você prefere ganhar R$ 700 com certeza ou ter 50% de chance de ganhar R$ 1000? Consequências probabilísticas também alteram o valor do reforço, de tal forma que, de modo geral, pessoas prefiram ganhar menos do que terem chances de perder.

Muitas pesquisas endereçaram o uso de drogas, cigarros e álcool em estudos de desconto. De modo geral, pessoas que usam tais substâncias apresentam curvas de desconto mais acentuadas, ou seja, são mais impulsivas em suas escolhas.

Recentemente, um outro tema passou a ser estudado em desconto no atraso.

Créditos: Unsplash

Uma pesquisa recente, publicada em 2021, investigou uma possível correlação entre o uso de celular na sala de aula de faculdade por jovens adultos, com taxas de desconto temporal. Os pesquisadores queriam entender se quanto maior o uso de celular, tanto maior a impulsividade, ou o desconto no atraso.

Na pesquisa, participantes precisavam responder a duas questões:

  1. Quantas vezes você usa o celular na sala de aula por hora?
  2. Quantos minutos você usa o celular em uma hora?

Em paralelo, os estudantes respondiam escalas conhecidas de desconto temporal, entre recompensas pequenas imediatas e recompensas grandes atrasadas.

Verificou-se uma correlação entre o desconto e o uso de celular – ou seja, estudantes que fazem mais escolhas impulsivas também utilizam mais o celular na sala de aula.

Ou seja, se o desconto temporal leva a escolhas que prejudicam o próprio organismo que se comporta, em relação a apostas, obesidade, procrastinação, segurança pessoal e auto-cuidado, ou se o desconto é capar de predizer a probabilidade de engajamento em tais comportamentos, parece haver uma correlação importante entre desconto e impulsividade, que precisa ser estudada ainda mais detalhamente.

E só para você se lembrar de não usar o celular enquanto dirige, veja esse alerta:

Referências e leituras sugeridas

Coelho, C., Hanna, E.S., & Todorov, J.C. (2003). Magnitude, atraso e probabilidade de reforço em situações hipotéticas de risco. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 19, 269-278. https://doi.org/10.1590/s0102-37722003000300009  

Odum, A. L. (2011). Delay discounting: I’m ak, you’re ak. Journal of the Experimental Analysis of Behavior96(3), 427-439. https://doi.org/10.1901/jeab.2011.96-423

Redner, R., & Hirst, J. (2021). Preliminary evaluation of delay discounting and cell phone use in the college classroom. The Psychological Record71(2), 191-198. https://doi.org/10.1007/s40732-020-00405-2

Souza, A. D. S., & Abreu-Rodrigues, J. (2014). “Réquiem Para Um Sonho”: Uma Visão Comportamental da Impulsividade e Adicção. Skinner Vai ao Cinema (Vol. 1), 125-149.

Todorov, J. C. (2016). Sobre pássaros e promessas: Escolhas subjetivas. Revista Brasileira de Análise do Comportamento1(2).  https://doi.org/10.18542/rebac.v1i2.792

Escrito por:

Patrícia Luque

Supervisora de Estágio no IBAC. Psicóloga clínica. Doutora em Ciências do Comportamento e Mestre em Psicologia pela UnB

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