Imagine que em seu consultório chega o seguinte caso hipotético, levemente inspirado na série The Affair, mas talvez semelhante a muitas histórias reais:
Artur chega à terapia em extremo sofrimento, por lamentar o término de um casamento, que ele considerava feliz. Ele já estava tendo um relacionamento paralelo com Betina, vizinha do condomínio em que morava. Quando sua ex-esposa, Cintia, descobriu a situação, ela pediu o divórcio, deixando Artur arrasado. Agora, ele se viu de certa forma obrigado a ficar com Betina.
Enquanto mantinha os dois relacionamentos simultâneos, em todas as ocasiões em que Artur ficava incomodado com alguma atitude de Betina, ele voltava para casa e era um marido exemplar para Cintia, sendo carinhoso e paciente, o que de modo geral, não acontecia com muita frequência. Por outro lado, Betina era sua proteção para os problemas de casa, quando Cíntia pegava no seu pé, reclamava que Artur trabalhava demais ou que era grosseiro com ela. O triângulo amoroso funcionou muito bem para ele, por anos. Até o dia em que Cíntia descobriu e tudo deu errado.
Na versão de Betina, foi uma paixão avassaladora, que atrapalhou seu casamento com Douglas, que também já não ia bem. Morno e sem graça, eles continuavam juntos mais por comodidade que por qualquer outra razão.
No momento em que o casamento de Artur acabou, e ele se viu de certa forma preso agora à Betina de uma vez por todas. Afinal, ele também não gostaria de ficar sozinho. Betina deixou o marido Douglas para assumir o relacionamento com Artur, o que aumentou o seu senso de responsabilidade com essa relação, e a situação passou a não ser tão favorável para ele. Embora Artur gostasse muito de Betina e compartilhasse do mesmo sentimento de paixão, de alguma forma, tudo mudou quando Cíntia foi embora.
Como podemos utilizar a economia comportamental para analisar e compreender esse caso?
Você já deve saber que para aumentar a taxa de uma resposta, há algumas possibilidades. Uma delas é implementar um esquema de reforçamento de razão ou intervalo variável. Quando apenas algumas respostas são reforçadas, o que acontece é que o indivíduo responde mais vezes para ganhar uma quantidade menor de reforços (se comparado a um reforçamento contínuo em que todas as respostas são reforçadas). Isso adia uma eventual saciação, e mantém o indivíduo respondendo mais para ganhar a mesma quantidade de reforçadores.
Em experimentos com animais, pesquisadores implementavam esquemas muito longos e, de praxe, complementavam os reforços fora da sessão, para manter o peso mínimo e a saúde do animal. Ocorre que, ao contrário do que era esperado, observava-se que a taxa de resposta no experimento aumentava apenas até certo nível. Em alguns casos, mesmo com o aumento do esquema, as taxas caíam.
A partir desses resultados, começou a se entender o papel do contexto mais amplo, do sistema de economia que o sujeito está submetido, que interfere no padrão de respostas emitidas.
Em sistemas econômicos fechados, aqueles em que todos os reforços são obtidos durante a sessão experimental, aumentos nos requisitos dos esquemas produzem aumentos nas taxas de respostas. Traduzindo para o mundo real, quando se obtém todos os reforçadores de uma única fonte, sem opção, há uma tendência maior de responder em taxas maiores, mesmo se os reforçadores ficarem mais raros e exigirem maior esforço, com o aumento do esquema em vigor. Nessa economia, o reforço tem um preço, que é o esquema definido naquela tentativa. Para obter o reforço, o animal responde, assim como trabalhamos na realidade, fora do laboratório.
Por outro lado, em economias abertas, os reforçadores podem ser obtidos de mais de uma fonte. Nessas circunstâncias, quando o esquema aumenta seus requisitos e passa a ficar exigente para o indivíduo, no sentido de requerer mais esforço para se obter os reforços, há uma redução da taxa do responder, ao contrário do esperado. Acontece que nesses casos as alternativas complementares ganham maior valor reforçador, e o sujeito pode emitir outras respostas para obter reforçadores semelhantes. Em outras palavras, há diferentes opções que o indivíduo pode comprar por diferentes preços. Em vez de ter apenas um tipo de produto a ser comprado por um alto valor, o sujeito pode comprar diferentes marcas e variações deste produto, por preços diferentes.
O gráfico a seguir, elaborado por Hursh (1984) demonstra esquemas de intervalo variável (VI) para dois macacos, em economia fechada (círculos pretos) e em economia aberta (círculos brancos). Repare que na economia fechada, o macaco chega a responder 5 mil respostas por hora, quando o VI chega a 60 segundos. Toda a alimentação desse macaco depende de seu “trabalho”, o que faz com que ele responda tanto quanto necessário para sobreviver (ainda que o custo chegue a ser “exorbitante”, e o pesquisador inflacione o preço da comida, ao exigir mais respostas para um reforçador. Quando o preço sobe, o macaco trabalha mais.
Já na economia aberta, as respostas começam em alta taxa, mas caem, com o aumento dos esquemas. Então se o preço fica muito caro, os sujeitos reduziram o responder, em vez de aumentá-lo. No gráfico também aparecem de dois outros estudos com pombos, na linha tracejada com x e com quadrado.
Depois desses estudos, pesquisadores passaram também a avaliar as contingências mais amplas de controle experimental e a distinção de diferentes sistemas econômicos em laboratórios se tornou comum na década de 1980.
Voltando para Artur, Betina, Cintia e Douglas, e à luz das economias abertas e fechadas, podemos dizer que enquanto o sistema econômico de Artur permaneceu aberto, de forma que ele poderia obter reforçadores de duas fontes, tudo funcionou. A possibilidade de obter diferentes reforços exigiu dele menos esforço. Ou seja, quando um dos relacionamentos se tornava mais caro, aumentando a razão ou o intervalo do esquema em vigor, Artur podia parar de responder e aguardar o término daquela “sessão”, para receber reforços de outra fonte.
Porém, quando o sistema se fechou, Artur se viu sem reforços alternativos e responder apenas em um esquema tornou-se muito custoso para ele. De certa forma, a separação de Cíntia inflacionou os custos da relação com Betina.
Já para Betina, como os reforços obtidos no seu relacionamento com Douglas eram baixos, ela podia complementar com os refoçadores advindos da relação com Artur. Nessa economia aberta, ela também ganhava.
É claro que esse é um caso inventado e reproduz apenas um pequeno recorte do que representa um sistema econômico. As pessoas se casam, se separam e mantém relacionamentos paralelos por diversas razões, e não podemos esquecer toda a multicausalidade do comportamento. O exemplo serve para ilustrar que a forma pela qual obtemos nossos reforços é tão relevante quanto o esquema em que respondemos.
Outras situações também nos ajudam a compreender os sistemas econômicos. Na química, sistemas abertos são aqueles que trocam energia com o ambiente em que estão. E os fechados, aqueles herméticos, que não interagem com o ambiente.
Imagine uma situação em que você só pode obter o que precisa de uma única fonte: pode ser um único supermercado na sua região ou uma única marca de um determinado produto. Talvez você trabalhe e pague o preço que for cobrado. Pode haver uma situação em que uma pessoa tenha aprendido a dar valor à opinião de um certo grupo de pessoas – talvez colegas da escola, talvez o chefe, talvez familiares. Se os elogios, na condição de estímulos reforçadores, só vêm de uma fonte bem especifica, pode ser que essa pessoa aceite passar por situações adversas e desvantajosas para ela, já que ela está em uma economia fechada.
Um exemplo para auxiliar na compreensão é essa cena do filme Apollo 11. Astronautas têm um grande problema para resolver. O sistema em que estão é fechado, há poucas opções disponíveis na nave, e é exatamente essa questão que torna o problema tão complexo. A equipe na Terra precisa simular o sistema fechado para encontrar uma solução.
É importante que você se lembre que não é que um sistema seja bom e o outro ruim. Não há um julgamento aqui. Sistemas existem por diferentes razões e têm diferentes aplicações. Apenas precisamos nos lembrar de onde vem os reforços dos quais dependemos.
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Referências e sugestões de leitura complementar:
Hursh, S. R. (1984). Behavioral economics. Journal of the experimental analysis of behavior, 42(3), 435-452. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1348114/pdf/jeabehav00055-0093.pdf
Roane, H. S., Call, N. A., & Falcomata, T. S. (2005). A preliminary analysis of adaptive responding under open and closed economies. Journal of Applied Behavior Analysis, 38(3), 335-348. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1901/jaba.2005.85-04?casa_token=86D77u0-8PgAAAAA:EO1NiuxVjlIAh1EnYiSZ-pd30VwHaoArPs9flw3RUGQ4wwQ5loJ50kDg3w-wSo_70mhUH0w1_29t9hw