Por que o psicoterapeuta infantil do meu filho brinca com ele nos atendimentos?

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O brincar é centralizado na psicoterapia infantil, em especial por ser um movimento naturalmente prazeroso para a criança, facilitando sua adesão no processo psicoterapêutico e o acesso de conteúdos importantes pelo psicólogo clínico. Geralmente, as sessões envolvem os recursos lúdicos como os brinquedos, jogos de tabuleiro, baralhos, massinhas, desenhos, pinturas etc., que funcionam como apoio ao psicoterapeuta infantil para aplicar um conjunto de procedimentos com os objetivos de vincular, avaliar e intervir.

A psicoterapia com crianças se difere do atendimento com adultos em especial no modo como os conteúdos relevantes são expressos e acessados. Enquanto com adultos geralmente a psicoterapia é prioritariamente por meio de conversas, ambos sentados, por exemplo, em poltronas, no atendimento de crianças isso se torna difícil por diversos motivos. De modo geral, há pouca chance de uma criança expressar vocalmente os sentimentos desagradáveis, em especial quando há uma história de vivências de invalidações e outros tipos de punições. Outro fator relacionado a essa dificuldade se estende ao medo da criança em seu relato resultar em desaprovação do profissional, ou até mesmo da insegurança com o que for relatado em sessão seja comunicado a seus responsáveis legais. Por fim, e sem esgotar possibilidades, considerando o seu desenvolvimento de aprendizagem, a criança geralmente apresenta significativas dificuldades em identificar e descrever suas ações e emoções, bem como os fatores que os influenciam, em comparação com pacientes adultos.

O brincar entra em cena durante o atendimento clínico com diferentes intuitos. Por exemplo, amenizar a aversividade dos temas de assuntos relevantes para o processo psicoterapêutico em questão: há redução do contato olho a olho e do clima “sério” (relacionado a broncas ou invalidações) na interação; além de que brincar produz sensações de prazer, incompatíveis com as sensações desagradáveis que podem estar associadas a certos relatos mais difíceis sobre o cotidiano.

Outro intuito é que a própria brincadeira por si só tende a criar diferentes possibilidades de contextos para aprendizagem e fortalecimento de habilidades relevantes a depender da demanda clínica, como tolerância à frustração, autocontrole, seguimento de regras, cooperação e habilidades sociais. Essa aprendizagem da criança está relacionada ao trabalho do psicoterapeuta em realizar a observação, avaliação e intervenção nesses contextos que a brincadeira proporciona, a partir de procedimentos como modelação (aprendizagem por observação), modelagem (aprendizagem pelas consequências experienciadas) e instruções (aprendizagem por regras ou direcionamentos diretos).

Há inúmeras possibilidades de recursos psicoterapêuticos lúdicos no atendimento infantil para diferentes finalidades, ilustradas a seguir.

Os jogos de tabuleiro e de cartas, por exemplo, possibilitam a criança a entrar em contato com diferentes situações que demandam a aprendizagem de seguimento de regras, cooperação, variabilidade e recombinação de repertórios dentro da própria brincadeira.

A massinha de modelar, além de trabalhar as habilidades motoras básicas, permite ao psicoterapeuta usar o recurso da fantasia, sendo possível atuar sob o comportamento-alvo de avaliação ou intervenção da criança a partir de, por exemplo, construção de cenários e vivências com diferentes personagens ou objetos modelados.

Os livros infantis também podem ser úteis ao processo, uma vez que eles podem apresentar temas importantes para a demanda clínica da criança, sendo possível explorar o conteúdo do livro e as ações, pensamentos e emoções dos personagens, realizando possíveis paralelo com si própria. Além disso, a partir da manipulação das situações, regras e condições pelo psicoterapeuta, as brincadeiras possibilitam muitas comparações com as situações cotidianas da criança, por exemplo: como ela reage em situações de perdas, erros, competição, conflitos interpessoais etc.

Em suma, a brincadeira é uma ferramenta fundamental no atendimento clínico infantil, pois pode ser um veículo para acessar e lidar com temas difíceis e desagradáveis, além de produzir sensações de prazer. O brincar é também utilizado usado para construir e fortalecer habilidades relevantes, como tolerância à frustração, autocontrole, seguimento de regras, cooperação e habilidades sociais.

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Bibliografia

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Del Prette, G. (2006). Terapia Analítico-Comportamental Infantil: Relações entre o brincar e comportamentos da terapeuta e da criança. [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo]. Biblioteca Digital. https://repositorio.usp.br/item/001573910

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Regra, J. A. (2000). Formas de trabalho na psicoterapia infantil: Mudanças ocorridas e novas direções. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva2(1), 79-101. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v2i1.291

Rossi, A., Linares, I. & Brandão, L. (2020). Terapia Analítico-Comportamental Infantil. São Paulo: Editora Paradigma.

Santos, A. V., & Pitanga, A. V. (2023). Terapia Analítico-Comportamental Infantil: Práticas criativas do terapeuta. Curitiba: Juruá.

Escrito por:

Amanda Viana dos Santos

Psicóloga pela PUC Goiás e mestra e doutoranda em Análise do Comportamento pela UEL. Docente no curso de Formação em Terapia Analítico-Comportamental Infantil do IBAC. Gerencia o Instagram @guiapraticodospequenos

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