Para agora ou para depois: Escolhas de autocontrole

Compartilhe este post

Quase todos os dias somos confrontados com decisões que envolvem recompensas imediatas ou recompensas no futuro. O problema é que essas decisões nem sempre são tão simples. Há inúmeros ganhos e perdas, com diferentes graus de certeza e prazos de retorno. Podemos dizer então que as decisões normalmente têm mais de uma dimensão.

Por exemplo, você tem um objetivo que requer um planejamento financeiro: uma viagem, uma festa de casamento ou um carro novo. Embora esse desejo seja bem real e relevante para você, mesmo assim, poupar dinheiro não é um comportamento de fácil execução. E por que poupar é tão difícil? Entre várias razões, poupar implica abrir mão de algumas coisas importantes no presente, para alcançarmos nosso objetivo no futuro. E aí, é bem comum ficarmos repensando nossas metas diante do momento presente: Será que eu preciso mesmo de um carro novo? Será que vale a pena gastar tanto dinheiro com a festa de casamento? Não é melhor comprar logo aquele videogame ou aquela roupinha nova que vai me trazer tanta alegria hoje?

Se você já usou aparelho ortodôntico móvel em algum momento da vida, sabe como é difícil lembrar de usar com a frequência necessária. O benefício que ele traz é claro, facilmente compreendemos sua importância e pagamos pelo tratamento. Mas na hora de usar, muitas vezes “dá uma preguiça” e achamos que pode ser depois. E a dificuldade de estudar para uma prova de concurso ou para o vestibular? Quem já passou por isso, levanta a mão! Queremos passar, mas não queremos estudar. Queremos o resultado positivo, estamos cientes de como isso é importante, mas na hora de emitir comportamentos que nos levem a esse objetivo, damos um passo para trás e optamos por outros que trazem recompensas de curto prazo.

Optar por escolhas que tragam benefícios imediatos faz parte do comportamento de todos nós. As recompensas imediatas têm um peso desproporcional e ocorrem em uma variedade de situações: preferir ir para uma festa ao estudar, comer um sorvete no lugar de uma salada de frutas, fumar.

Fonte: @memestwitter/Instagram

Se você é analista do comportamento, já deve ter familiaridade com as escolhas impulsivas e de autocontrole. Escolhas impulsivas são aquelas em que os reforçadores de menor magnitude disponíveis a curto prazo são preferidos pelo indivíduo. Por isso, tomamos sorvete, fumamos e gastamos dinheiro como se não houvesse amanhã. Escolhas de autocontrole, por sua vez, são aquelas em que o indivíduo prefere a alternativa mais atrasada no tempo, porém com reforçadores de maior magnitude – ou seja, comer a salada que nos traz mais saúde, abrir mão da Netflix para estudar para o Enem ou ir para a academia.

O paradigma do autocontrole vem sendo estudado há décadas na Análise do Comportamento. Você já pode ter ouvido falar do experimento de Rachlin e Green (1972), em que pombos precisavam escolher entre duas alternativas, uma com acesso a alimento por 2 segundos e outra com acesso por 4 segundos. Os 2 segundos de acesso ao alimento eram disponibilizados imediatamente. Para ganhar os 4 segundos, no entanto, os pombos precisavam esperar um determinado tempo para a liberação. Se você fosse um pombo, o que escolheria?

Rachlin e Green descobriram que o que ajuda os pombos a escolherem a alternativa de autocontrole, ou seja, preferir aguardar para receber a maior recompensa, é o comprometimento anterior. Eles desenharam uma contingência que incluía uma etapa prévia à escolha pelas duas alternativas que davam acesso ao alimento, como se fosse uma sala de espera obrigatória. Os pesquisadores então manipularam o tempo dentro dessa “sala de espera”.

Quando o tempo de espera era menor que 4 segundos, os pombos preferiam ir logo para a alternativa que proporcionava reforçamento imediato. Já quando o tempo era maior que 4 segundos, observou-se reversão da preferência, e três dos cinco pombos do estudo maximizaram suas escolhas e ficaram na alternativa de autocontrole (Para entender direitinho esse experimento, veja o capítulo de Hanna & Ribeiro, 2005, nas Referências abaixo).  

O comprometimento é o que nos ajuda a maximizar nossos reforços. Quando você vai às compras no supermercado e compra somente comidas saudáveis, é mais provável que você opte pela fruta que agora está mais facilmente disponível do que ir novamente ao mercado para comprar um biscoito ou chocolate.

A “sala de espera” é uma resistência à tentação. Ajuda o indivíduo a não cair na própria armadilha de achar que pode se controlar, diante da escolha imediata. Essa é uma demanda que aparece com frequência na clínica. Como podemos ajudar nossos clientes a se comprometerem com escolhas que maximizem seus reforçadores?

A essa altura, talvez você esteja se lembrando daquela história dos marshmallows, em que as crianças ganhavam um marshmallow e, se conseguissem esperar sem comer durante 15 minutos, ganhariam outro. O experimento original recebeu muitas críticas e teve grande repercussão. Mas aqui ficamos apenas com a proposta inicial de autocontrole. Para se deliciar com os marshmallows e as crianças, confira esse vídeo:

Alguns experimentos já tentaram melhorar o comprometimento, inserindo atividades durante o tempo de espera, ou incluindo respostas intermediárias que dessem acesso a outros reforçadores. Ou seja, enquanto você vai poupando para comprar o carro novo, você pode se divertir indo passear no parque ou na praia, em atividades que gerem reforços e sejam alinhadas ao objetivo de guardar dinheiro.

Nos parques da DisneyWorld, eles entenderam que esperar é muito chato. Por isso, criaram diversas atividades que podem ser feitas nas filas de espera para as atrações. Às vezes colocam atrações intermediárias, personagens para tirarem fotos com os turistas, pequenos shows e filmes. Ou seja, a fila é interativa e gera uma experiência própria. É uma ideia que a Disney nos ensina para ajudar no autocontrole – promovendo atividades interessantes durante a espera.

Também podem ser utilizadas técnicas de esvanecimento, que consistem em aumentar progressivamente o tempo de espera. Isso pode ser usado, por exemplo, para melhorar o engajamento no tempo de estudo para uma prova. Podemos começar com meia hora por dia, passando para 40 minutos na semana seguinte, e assim sucessivamente até alcançar um padrão ideal de estudo.

Mas uma questão ainda permanece nos estudos de autocontrole. Por que somos assim? Por que essa dificuldade tão grande de se comprometer com as próprias metas no futuro? No próximo post, vamos falar sobre delay discounting, ou desconto do atraso, um dos temas mais estudados em economia comportamental. Então, aguarde até lá. 😊

Referências e outras leituras

Hanna, E. S., & Ribeiro, M. R. (2005). Autocontrole: um caso especial de comportamento de escolha. In Abreu- Rodrigues & Ribeiro (Orgs). Análise do comportamento: Pesquisa, teoria e aplicação, pp. 175-187.

Hanna, E. S., & Todorov, J. C. (2002). Modelos de autocontrole na análise experimental do comportamento: utilidade e crítica. Psicologia: teoria e pesquisa, 18, pp.337-343.

Rachlin, H., & Green, L. (1972). Commitment, choice and self‐control. Journal of the experimental analysis of behavior, 17(1), pp.15-22.

Escrito por:

Patrícia Luque

Supervisora de Estágio no IBAC. Psicóloga clínica. Doutora em Ciências do Comportamento e Mestre em Psicologia pela UnB

Inscreva-se em nossa Newsletter

Receba nossas atualizações

Comentários

Posts recentes

economia comportamental

Como está o seu balde?

Imagine que a você foi dada a tarefa de coletar água da chuva em baldes. Essa é a sua missão de vida. Então, sempre que

Atendimento via WhatsApp

Obrigado pelo feedback

Sua opnião é muito importante para nós!