A Prática Baseada em Evidências e a Formação da Analista do Comportamento

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Em grande parte, o paradigma da Prática Baseada em Evidências (para saber mais sobre PBE leia este post) é coerente com a psicologia clínica em geral, inclusive com a Análise do Comportamento aplicada ao contexto clínico. O analista do comportamento tem bastante intimidade com uma psicologia baseada em evidências científicas. Em toda a sua obra, e em Ciência e Comportamento Humano em particular, B. F. Skinner (2003) ressalta que a compreensão sobre o comportamento humano se dá a partir de pesquisas científicas que irão investigar suas variáveis de controle (leia-se “influência”) – ou seja, somente pela ciência poderemos realmente saber porque fazemos o que fazemos. E somente compreendendo essas variáveis, podemos pensar em como produzir mudanças comportamentais, intervenções, tecnologias.

Assim, a Análise do Comportamento é composta por:

  1. Uma base filosófica, o Behaviorismo Radical, que fundamenta a ciência do comportamento humano; 
  2. A Análise Experimental do Comportamento (AEC), ou seja, pesquisas sobre as variáveis independentes que influenciam o comportamento (variável dependente) de animais humanos e não-humanos; e
  3. A Análise do Comportamento Aplicada (ACA – talvez mais conhecida pela sua sigla em inglês, Applied Behavior Analysis, ABA), a aplicação desse conhecimento nos mais variados contextos no qual o ser humano se insere. 

A ABA foi muito difundida como o tratamento “padrão ouro” para atendimento de pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista. Muitas vezes é equivocadamente referida pelo leigo como “Método ABA”, mas não se trata de um método, sequer de um modelo padronizado de tratamento. Muito mais que isso, a produção científica da Análise do Comportamento pode ser aplicada em qualquer área com presença de pessoas se comportando, como organizações, escolar, trânsito, justiça, hospitalar, políticas públicas, clínica e tantas outras.

A vasta maioria dos cursos de graduação em Psicologia no Brasil dão um grande destaque à área clínica de atuação. Tanto em minha experiência como aluna, quanto como professora, tenho observado que os graduandos têm interesse principalmente na clínica, pelo menos no início do curso. Assim, torna-se extremamente importante que a formação do psicólogo clínico contemple as habilidades necessárias para oferecer um atendimento de qualidade aos pacientes ou clientes. 

Não só a pessoa analista do comportamento, mas a psicóloga, deve se pautar em princípios científicos em sua atuação clínica. No Código de Ética do Psicólogo, entre outras menções à ciência psicológica, fica explicitado que é dever fundamental do psicólogo “Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica (ênfase minha), na ética e na legislação profissional” (Art. 1o, alínea c). Assim, a prática clínica está intimamente relacionada à prática científica, alinhada à proposta da PBE. 

Porém, a maioria dos psicólogos brasileiros têm se formado em instituições privadas com foco em ensino para o mercado de trabalho que colocam pouca a nenhuma ênfase em pesquisa científica. As instituições públicas, por outro lado, oferecem muitas oportunidades em pesquisa, desenvolvendo parcialmente essa competência necessária para a prática clínica de acordo com a PBE. Porém, o enfoque tende a ser na pesquisa básica, com ainda baixa produção na área clínica, especialmente nos programas em Análise do Comportamento. 

E os cursos de formação e pós-graduações lato sensu (especialização) em Análise Comportamental Clínica (ACC)? 

Apesar da forte base científica da nossa abordagem, esses cursos têm um forte componente teórico e técnico que busca, em grande parte, suprir a falta de conteúdos sobre ACC na graduação. Assim, geralmente consistem em um componente teórico, baseado em manuais e livros clássicos em análise do comportamento, e um componente prático, baseado na atuação na clínica por meio de estágios e supervisão clínica. Assim, fazer um curso especializado em Análise Comportamental Clínica contempla principalmente o fator expertise do profissional do modelo da PBE.

O fator valores do cliente envolve considerar suas preferências, suas características particulares e o contexto no qual está inserido. Considero que, assim como a expertise, esta característica é bastante contemplada dentro do currículo de uma graduação em psicologia. Os especializados em Análise do Comportamento, ainda, tem como principal ferramenta de trabalho a análise funcional, que nos permite realizar uma avaliação detalhada do cliente dentro de seu contexto de vida específico e considerando sua história de vida até o momento. Além disso, terapias criadas a partir dessa abordagem, como a Terapia da Aceitação e do Compromisso (ACT), tem o compromisso com os valores do cliente como uma de suas premissas centrais.

Porém, para realizar uma prática baseada em evidências também é necessário levar em consideração a melhor evidência disponível. Não podemos nos pautar apenas nas evidências científicas produzidas apenas pela pesquisa básica. Também não podemos nos pautar apenas por pesquisas aplicadas realizadas na década de 1970. Não é suficiente, especialmente se observarmos que a prática clínica tem utilizado tantas terapias elaboradas mais recentemente, como ACT, FAP, DBT entre outras. Não é suficiente, se não acompanharmos o nível de evidência de que essas terapias — que incluem e são mais amplas que todo um pacote de técnicas comportamentais — seriam eficazes para tratar os mais variados problemas humanos apresentados na clínica.

Assim, tenho observado aquilo que Leonardi e Meyer (2016) chamaram de “excesso de confiança translacional”. O “salto” que realizamos da pesquisa básica produzida desde Skinner precisa urgentemente de uma ponte. Até certo ponto, essa ponte existe nas pesquisas clínicas realizadas majoritariamente nos Estados Unidos. Mas, além da barreira do idioma, os psicólogos não estão sendo preparados nem na graduação, nem na pós, para consumir essas pesquisas. Precisamos entender mais sobre metodologia, sobre estatística, e até sobre onde encontrar essas informações.

Mesmo nesse cenário, conseguimos encontrar cada vez mais tentativas de produção científica sobre a prática clínica do psicólogo analista do comportamento, refletidas em iniciativas como a RedeTAC, uma rede de colaboração entre instituições para a pesquisa e desenvolvimento das terapias analítico-comportamentais. Então, além de investir numa formação que inclua as habilidades necessárias para uma prática baseada em evidências na psicologia, é necessário investir na produção dessas evidências no nosso país. Somente assim estaremos caminhando para oferecer o melhor tratamento possível para as pessoas em sofrimento psicológico que nos procuram, um tratamento realmente ético.

Referências

Conselho Federal de Psicologia. (2005). Código de Ética do Psicólogo.

Leonardi, J. L., & Meyer, S. B. (2016). Evidências de eficácia e o excesso de confiança translacional da análise do comportamento clínica. Temas em Psicologia, 24(4), 1465-1477. http://dx.doi.org/10.9788/TP2016.4-15Pt

Skinner, B. F. (2003). Ciência e comportamento humano (J C Todorov e Rodolfo Azzi Trads.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1956).

Escrito por:

Renata Cambraia

Editora do blog. Coordenadora de Pesquisas e Publicações no IBAC. Doutora em Psicologia pela Universidade do Minho, Portugal.

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