Habilidades socioemocionais em crianças: como os cuidadores podem auxiliar em seu desenvolvimento?

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É frequente a suposição de que os sentimentos provocam as ações, uma vez que as condições corporais podem se alterar temporalmente próximos a alguma ação. Nesse raciocínio, ainda é comum a crença de que, muitas vezes, os sentimentos vêm sem nenhum motivo aparente. Contudo, ao fazermos esse recorte para a explicação, acabamos negligenciando como a interação de uma pessoa com seu mundo exerce influência na ocorrência tanto nas ações quanto nos sentimentos. Ao deixarmos de lado essas interações – ainda que seja difícil identificar o elemento influenciador (o que nos inclina a dizer que alguma ação ou sentimento ocorreu “do nada”) -, menores são as chances de promover relações que definam condições salutares na vida de cada pessoa.

Buscar compreender os sentimentos da criança coloca o cuidador em uma melhor posição para prevenir e remediar comportamentos-problema e promover os comportamentos prossociais, além de ter a chance de ajudar a criança a gerir melhor esses sentimentos e as ações envolvidas, dada uma situação. A partir da expressividade das emoções pela criança, há a possibilidade de inferir se o que ela está experienciando ou experienciou no seu dia a dia é, por exemplo, algo ameaçador, doloroso, triste ou alegre. Assim, os sentimentos podem dar pistas de que tipo de interações passadas, atuais e futuras ocorreram, ocorrem e podem vir a ocorrer, caminhando em direção ao desenvolvimento de repertórios de resolução de problemas com o auxílio de adultos.

Um exemplo que ilustra essas questões pode ser:

Quando a criança intencionalmente bate forte a porta do quarto e esmurra um bicho de pelúcia, podemos inferir que ela esteja sentindo raiva. Nesse caso, podemos limitar o recorte de compreensão do acontecimento para “ela agiu assim porque sentiu raiva” ou “ela sentiu raiva e então agiu assim”. Por outro lado, levando em consideração que as ações e os sentimentos são produtos da relação de um indivíduo com o mundo, podemos ampliar a compreensão observando o que pode ter antecedido tanto a ação quanto o sentimento. Nesse caso, a criança poderia ter se deparado com seu brinquedo favorito quebrado, junto com a recusa do pai em oferecer um novo, o que provavelmente provocou as suas ações e seu sentimento. Ainda, agir de tais maneiras proporcionam principalmente a compreensão do pai de como ela está se sentindo e que não gostou da situação.

A criança realizar a autodescrição ao fazer a leitura clara e completa da situação – “ao encontrar meu brinquedo favorito quebrado e receber a recusa de ganhar um novo, eu senti raiva e eu bati forte a porta do quarto e esmurrar meu bichinho de pelúcia, para mostrar ao meu pai o que eu estava sentindo e que não gostei da situação” – é benéfico para ela mesma e para as pessoas de seu convívio. Isso porque, ao relatar o sentimento e suas ações e o que os provocou, há a oportunidade de que receba ajuda para lidar com um determinado problema; por exemplo, regulando suas emoções e buscando possíveis soluções para a situação em questão. Nesse caso, ela poderia:

  • Aprender a realizar a respiração diafragmática de uma maneira lúdica em situações estressantes,
  • Refletir a possibilidade de colar as peças do brinquedo com cola ou, como atitude preventiva,
  • Escolher um novo lugar para guardar seus brinquedos favoritos dali em diante.

Em resumo, a criança e seus cuidadores ficam em uma melhor posição para gerenciar mais efetivamente diversas e diferentes situações, levando a criança a interagir mais efetivamente com o mundo.

Porém, a autodescrição, em especial o relato de seus sentimentos, requer aprendizagem do repertório socioemocional, promovida especialmente por parte das principais pessoas de seu convívio (pais, avós, professores etc.). Os três principais contextos das práticas para a socialização emocional da criança promovidos por essas pessoas são:

  1. Expressão emocional dos próprios cuidadores às experiências que os afetam,
  2. Respostas dos cuidadores às emoções expressas pela criança e
  3. Discussão ou conversas sobre emoções.

O item (1) se refere à criança aprender a se expressar emocionalmente ao receber o modelo de seus cuidadores, por meio do processo de imitação. Ainda pelo mesmo processo, também pode aprender a regular suas emoções, por exemplo, contar até 10 ou ouvir alguma música relaxante em alguma situação estressante.

O (2) e o (3) requerem o desenvolvimento anterior de alguns repertórios pré-requisitos na criança, como os de identificação, nomeação e descrição dos sentimentos. Uma possibilidade de aprendizagem desses repertórios é o cuidador observar alguma propriedade do contexto como referência para dar nome ao possível sentimento que a criança está sentindo. Por exemplo, perguntar “vixi, você caiu da bicicleta… doeu, né?” diante da queda da criança de uma bicicleta. Como efeito, em outras oportunidades, as mesmas ou semelhantes sensações corporais ofertadas na mesma ou semelhantes situações podem ser pistas para a criança dizer “doeu”, recebendo, em seguida, cuidados e atenção.

Outra possibilidade é o cuidador inferir algum sentimento por meio de observação do que a criança está fazendo. Por exemplo, um cuidador pode perguntar se a criança está triste ao vê-la chorando enrolada na cama. Como efeito, em outros momentos, as determinadas sensações corporais podem ser pistas para a criança dizer que está se sentindo triste, recebendo os cuidados e atenção devidos. Em resumo, para o desenvolvimento de repertórios importantes com o intuito de ser possível a descrição da criança de seus sentimentos, os cuidadores podem prover de perguntas ou reflexões para que a criança se auto observe e relate o que sente e as situações provocadoras para tal.

Assim, como práticas apoiadoras para o desenvolvimento saudável socioemocional na criança, o (2) e (3) dizem respeito aos cuidadores acolherem a expressão das emoções (que diferem das ações) pela criança, ainda que sejam negativas, se empatizando e buscando auxiliá-la no entendimento do que provocou essas emoções. Em complemento, há ajuda para tentar encontrar possíveis soluções para o determinado problema em vigor.

Por outro lado, as práticas não apoiadoras se referem aos cuidadores punirem as expressões das emoções pela criança ou ignorarem suas necessidades emocionais. Por exemplo, uma mãe pode repreender, minimizar ou demonstrar desconforto diante de respostas emocionais ou de expressão de emoções da criança. Essas práticas são consideradas como não apoiadoras para o desenvolvimento saudável socioemocional na criança, pois não ensinam a criança a gerir a si mesma e à situação-problema. Além disso, pode contribuir para expressão de emoções cada vez mais exacerbada ou para a diminuição gradual da expressão delas, junto com o fato da criança poder considerar que o que sente não tem importância e que expressar emoções é inapropriado.

Portanto, os cuidadores podem auxiliar no desenvolvimento de habilidades socioemocionais em crianças a partir da compreensão de onde vem essas emoções e quais podem ser e as práticas apoiadoras e não apoiadoras para tal, em interação com a criança.

Referências

Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52(5), 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535.

Souza Lins, T. C., & Alvarenga, P. (2018). Contribuições da análise do comportamento para a compreensão da socialização emocional infantil. Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento26(3), 379-392. http://www.revistas.unam.mx/index.php/acom/article/view/66936

Escrito por:

Amanda Viana dos Santos

Psicóloga pela PUC Goiás e mestra e doutoranda em Análise do Comportamento pela UEL. Docente no curso de Formação em Terapia Analítico-Comportamental Infantil do IBAC. Gerencia o Instagram @guiapraticodospequenos

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