A maioria dos eventos clinicamente relevantes ocorrem em um tempo e em um lugar diferente daquele no qual se situa a terapia. Boa parte dos comportamentos-alvo (i.e., comportamentos a fortalecer ou enfraquecer relacionados à queixa) estão sob controle de contingências atuais e históricas que se atualizam fora dos limites impostos pelas quatro paredes do consultório. Em uma sessão de terapia, passa-se a maior parte do tempo discutindo coisas que ocorrem fora do consultório, algumas que se encontram no passado próximo ou distante e outras que podem concretizar-se no futuro. Por razões óbvias, o acesso do terapeuta a tais contingências é geralmente indireto ou mediado pelo comportamento verbal do cliente (ou, em alguns casos, de outras pessoas do seu convívio).
Naturalmente, alguns comportamentos-alvo sob controle de contingências externas são generalizados para dentro do setting terapêutico. Este processo de generalização pode ser fomentado pela própria relação terapêutica, uma possibilidade amplamente reconhecida pelas assim chamadas “terapias comportamentais de terceira geração” (Lucena-Santos, Pinto-Gouveia, & Oliveira, 2015). Quando comportamentos-alvo são emitidos em sessão, o terapeuta pode arranjar contingências in loco com a esperança de que ocorra uma nova generalização, agora, “do consultório para a vida”.
No entanto, ainda que comportamentos-alvo possam ser generalizados ao setting terapêutico, é importante reconhecer que este processo de generalização é uma inferência baseada no que o cliente diz sobre seu comportamento fora do consultório. Dificilmente conseguiremos observar as contingências como ocorrem “lá fora” e avaliar o quanto correspondem ou se assemelham com o que estamos observando “dentro” do consultório. Sobre a generalização “do consultório para a vida”, ainda que o terapeuta consiga arranjar contingências que provoquem uma mudança no comportamento do cliente in loco, este terapeuta ainda dependerá do relato do cliente para saber o resultado desta intervenção nas contingências “externas”, que são, afinal de contas, para onde o processo de mudança se dirige.
A dura realidade é que a forma na qual a psicoterapia é praticada atualmente (em consultório, semanalmente, por 50 minutos) impossibilita a observação direta da maior parte dos eventos ou comportamentos relevantes ao processo terapêutico. Logo, dependemos do que nossos clientes dizem em terapia para coletar informações, formular análises funcionais, realizar intervenções e acompanhar os avanços terapêuticos.
Por esta razão, é fundamental que terapeutas analítico-comportamentais compreendam que boa parte da “matéria prima” a partir da qual se constrói o processo terapêutico está relacionada com o comportamento verbal dos seus clientes. Nesses termos, o sucesso da terapia depende, em parte, da capacidade de o terapeuta “reunir matéria prima” para depois poder fazer alguma coisa com ela. Uma das formas de fazer isso é através de perguntas, tema da presente postagem.
No cotidiano, fazemos perguntas por diversas razões: para obter uma informação, para gerar uma reflexão, para provar um argumento etc. No consultório, não é diferente. Fazendo perguntas, o terapeuta consegue ampliar as fronteiras espaciotemporais do seu campo perceptual e entrar em contato com informações sobre o comportamento do seu cliente que de outro modo dificilmente obteria. Fazendo perguntas, o terapeuta também cria condições para que o cliente reflita sobre suas circunstâncias de vida, históricas e atuais, e descreva as variáveis das quais seu comportamento é função, isto é, que ele emita respostas de “autoconhecimento” (Skinner, 1953). Por fim, as perguntas podem instigar a formulação de regras que descrevam formas de atuar sobre tais contingências, o que facilitaria o processo de mudança (Medeiros, 2020a; Medeiros, 2020b).
Meu objetivo é fornecer algumas dicas que possam ser úteis na formulação de perguntas no contexto clínico. Como o título deste texto sugere, tais dicas estão mais relacionadas com o “como perguntar”, ou seja, com a forma ou a topografia da pergunta. Normalmente, o “quê perguntar”, isto é, o tema da pergunta, é o mais importante. No entanto, o tema adquire relevância em termos da análise funcional e dos objetivos terapêuticos específicos, isto é, depende do caso clínico em questão. A forma, por outro lado, está relacionada com as práticas de reforçamento de uma determinada comunidade verbal sendo, portanto, transversal a todos (ou à maioria) dos casos clínicos.
Como suposto básico, defende-se que existem formas de fazer perguntas que são melhores do que outras. Aqui, “melhor” adota um critério pragmático: algumas formas de perguntas serão melhores na medida em que sejam mais uteis para alcançar os objetivos terapêuticos. Por fim, é importante mencionar que as dicas estão baseadas em ensinamentos da Psicoterapia Comportamental Pragmática (Medeiros, 2020a; Medeiros, 2020b; Medeiros & Medeiros, 2011), um modelo de psicoterapia que adota o questionamento como uma de suas principais estratégias de intervenção. Para mais informações, sugere-se a revisão das referências mencionadas.
Dica 1. Priorize perguntas abertas no lugar de perguntas fechadas
Perguntas fechadas são aquelas em que as alternativas de resposta são limitadas e pré-definidas pelo terapeuta, por exemplo: “Você ficou triste quando seu pai te disse isso?”. A pergunta anterior também pode ser classificada como binária, na medida em que só possui duas alternativas de resposta: “sim” e “não”. Nem sempre perguntas fechadas são binárias. Exemplos de perguntas fechadas não-binárias podem ser: “Quando seu pai te disse isso, você ficou: com raiva, triste ou indiferente?”, ou então, “De um a 10, quão decepcionado você ficou quando ouviu isso?”. Repare que, na primeira pergunta, existem três e, na segunda, dez, alternativas de resposta.
Perguntas abertas, por outro lado, são aquelas em que normalmente existe uma maior quantidade de alternativas de resposta e estas não são pré-definidas pelo terapeuta. Um exemplo de pergunta aberta poderia ser: “Como você se sentiu quando seu pai falou isso?”. Repare que existem virtualmente infinitas maneiras de responder a esta pergunta (p. ex., “Com muita raiva!”, “Normal, já estou acostumado.”, “Eu fico triste, mas fazer o quê?” etc.).
Há algumas vantagens de usar perguntas abertas no contexto clínico. Primeiramente, perguntas abertas geralmente produzem respostas mais informativas, visto que instigam o cliente a se expressar em suas próprias palavras. O terapeuta poderá, então, aprofundar-se no “significado” (i.e., no uso) daquelas palavras para o cliente e utilizá-las em suas perguntas/verbalizações futuras, o que poderia exercer um controle discriminativo mais eficaz sobre o comportamento verbal do cliente.
Além disso, perguntas abertas tendem a evocar respostas mais longas e fornecem mais “matéria prima” para a análise funcional e para a formulação de novas perguntas. Uma queixa comum entre terapeutas, principalmente aqueles que se encontram no início da carreira, é a dificuldade de “manter assunto” durante os 50 minutos da sessão. É possível que esta dificuldade esteja relacionada com a predominância de perguntas fechadas, que tendem a evocar respostas mais curtas e objetivas.
Por fim, perguntas fechadas, ao apresentarem opções reduzidas de respostas, geralmente facilitam a discriminação, dentre as alternativas de resposta possíveis, daquela que possui maior probabilidade de ser reforçada pelo ouvinte. Isto aumenta a probabilidade de que o cliente emita tatos distorcidos ou intraverbais (Medeiros, 2020b). Um exemplo disso seria perguntar à uma mãe “Você ama seu filho?”, o que dificilmente produziria a resposta “não”, visto que tal resposta teria maior probabilidade de ser punida pelo ouvinte (p. ex., “Que absurdo uma mãe dizer uma coisa dessas!”). O mais provável é que esta mãe responda “sim”, que poderia ser caracterizado como um intraverbal (Skinner, 1957) sob controle da pergunta feita pelo terapeuta. Perguntas abertas, como “Fale um pouco sobre o que você sente em relação ao seu filho”, ao dificultarem a discriminação das respostas com maior/menor probabilidade de serem reforçadas, possuem maior probabilidade de evocarem tatos puros.
Dica 2. Evite os porquês.
O porquê é normalmente utilizado para indagar sobre os motivos de uma ação. Pode ser tentador empregá-lo no contexto clínico, uma vez que, enquanto terapeutas comportamentais, geralmente estamos interessados nas variáveis das quais o comportamento do cliente é função. No entanto, seu uso é desaconselhado por algumas importantes razões.
Primeiramente, é bastante comum que os clientes não sejam capazes de discriminar as variáveis que controlam o seu comportamento, principalmente no início da terapia.
Por exemplo, um homem que sofre de compulsão por jogos de aposta pode encontrar dificuldade de responder à pergunta: “Por que você apostou esse fim de semana?”. Em muitos casos, é justamente pela dificuldade de responder a perguntas deste tipo que os clientes buscam a terapia. Um dos objetivos da terapia é produzir autoconhecimento, isto é, que os clientes se tornem capazes de descrever as variáveis das quais seu comportamento é função. Se eles já fossem capazes de responder a este tipo de pergunta, a terapia se tornaria quase trivial.
Além disso, o porquê sugere uma explicação única para o comportamento quando, na maioria das vezes, o comportamento é multideterminado (Skinner, 1953: 1957). Assim, o porquê tende a evocar respostas simplistas e pouco informativas.
Por último, nas práticas de reforçamento da nossa comunidade verbal, é comum que perguntas que se iniciam com “por que” sejam realizadas em contextos que sinalizam a punição para o comportamento do ouvinte. Por exemplo, suponha que, antes de sair de casa, uma mãe solicite ao seu filho que lave toda a louça suja. Ao voltar para a casa, esta mãe encontra a louça exatamente da maneira em que a deixou. Irritada, a mãe questiona o seu filho: “Por que você não lavou a louça que eu te pedi?”. É muito provável que, com base no que aconteceu nas vezes em que sua mãe lhe fez perguntas similares no passado, seu filho discrimine a possibilidade de punição iminente. Neste contexto, seu filho poderia emitir a seguinte resposta verbal: “Sabe o que é, mamãe? É que a professora pediu para a gente fazer uma redação e eu fiquei a tarde toda estudando! Aí acabou que não deu tempo de lavar a louça, mas pode deixar que vou lavar agora!” (na verdade, ele ficou a tarde toda jogando videogame). Essa resposta verbal, com função de esquiva, poderia ser caracterizada como justificativa distorcida (Medeiros, 2013). Então, se o objetivo é fazer com que o cliente justifique com precisão seu comportamento, seria pertinente o terapeuta evitar iniciar suas perguntas com “por que…”.
Dica 3. Faça perguntas sob controle temático da fala anterior do cliente
Ao fazer uma pergunta, geralmente é importante que ela esteja funcionalmente vinculada ao assunto/fala anterior do cliente. Além de dar mais “fluidez” à interação terapêutica (i.e., a terapia distancia-se de um interrogatório e se aproxima de um diálogo), é possível citar algumas vantagens de fazer perguntas sob controle temático da fala anterior do cliente, tais como:
- O terapeuta sinaliza que está “prestando atenção” ao que o cliente está dizendo, isto é, ele passa a funcionar como ouvinte para o seu comportamento verbal, o que pode contribuir para a formação do vínculo terapêutico;
- Criam-se condições para que o/a cliente “expanda seu autoconhecimento”, isto é, que discrimine relações de contingencia (antecedentes – resposta – consequências) e operacionalize conceitos vagos ou pouco úteis do ponto de vista de uma análise funcional do comportamento (p. ex., “ansiedade”, “depressão”, “compulsão”, “problema” etc.);
- A terapia adota uma postura menos diretiva e mais centrada no cliente, reduzindo assim uma possível assimetria da relação terapêutica.
Um exemplo pode ajudar a entender. Suponha que uma cliente está contando sobre a sua dificuldade de negar pedidos. Uma pergunta pouco sensível ao seu comportamento verbal seria: “Ok, mas me fale um pouco sobre a sua relação com sua mãe”. Ainda que aceitemos a possibilidade de que a relação do cliente com sua mãe esteja de alguma forma vinculada com a sua dificuldade de negar pedidos, é importante que o/a terapeuta esteja confiante de que esta relação será suficientemente clara à cliente; de outro modo, corre-se o risco de extinguir relatos sobre este tema. Neste caso, seria mais prudente que o/a terapeuta fizesse perguntas sob controle discriminativo da fala do cliente, e também que o levasse a discriminar os contextos e as consequências em que este comportamento (negar pedidos) tem maior/menor probabilidade de ocorrer, por exemplo: “Você tende a aceitar pedidos de quem?”, “Que tipo de pedidos essas pessoas te fazem?”, “Como que essas pessoas reagem quando você faz o que elas pedem?” etc.
Para concluir, considero que a/o terapeuta deve ser, sobretudo, uma pessoa curiosa. Questione tudo, até o mais óbvio; em terapia, às vezes o óbvio precisa ser dito, pois nem sempre será óbvio para a/o cliente. Sempre desconfie do seu nível de compreensão ou certeza em relação ao que a/o cliente está te dizendo; se diz que está “ansioso”, esqueça momentaneamente de tudo o que você sabe sobre ansiedade e procure saber o que isso quer dizer para essa pessoa. Lembre-se que faz parte do nosso trabalho “espremer” a vida dos nossos clientes – por mais difícil que isso, às vezes, possa ser – e que fazemos isso, em grande medida, através de perguntas.
Referências
Lucena-Santos, P., Pinto-Gouveia, J., & Oliveira, M. S. (2015). Primeira, segunda e terceira geração de terapias comportamentais. Em P. Lucena-Santos, J. Pinto-Gouveia, & M. S. Oliveira (Orgs.), Terapias comportamentais de terceira geração: guia para profissionais (pp. 29-58). Sinopsys Editora.
Medeiros, C. A. & Medeiros, N. N. F. A. (2011). Psicoterapia Comportamental Pragmática: uma terapia comportamental menos diretiva. Em C. V. B. B. Pessoa, C. E. Costa & M. F. Benvenuti (Orgs.), Comportamento em Foco, v. 01 (pp. 417-436). São Paulo: ABPMC. https://abpmc.org.br/wp-content/uploads/2021/08/14051224948bfcea692.pdf
Medeiros, C. A. (2020a). Psicoterapia Comportamental Pragmática: Da mudança no comportamento verbal à mudança de comportamento fora do consultório. Em C. A. A. Rocha; B. C. Santos & H. M. Pompermaier (Orgs.). Comportamento em Foco: Vol. .12 (pp. 111-125). São Paulo: ABPMC. https://abpmc.org.br/wp-content/uploads/2021/08/1608313239d66d514fd.pdf
Medeiros, C. A. (2020b). Questionamento reflexivo: um modo de intervir sem emitir regras para o cliente. Em I. C. Alencar; D. Lettieri & D. F. V. Lobo (Orgs.). Análise do comportamento e suas aplicações: desafios e possiblidades, v.1. Fortaleza: Imagine Publicações Ltda.
Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. Macmillan.
Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New York, USA: Appleton-Century-Crofts, Inc.