Autismo e o Mercado de Trabalho

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O crescente número de diagnósticos de Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem gerado um interesse maior na implementação de políticas públicas que visam à inclusão dessas pessoas em várias esferas, incluindo o mercado de trabalho, sendo que nos Estados Unidos, a procura por emprego para indivíduos autistas duplicou entre 2009 e 2014 (Roux et al., 2016). 

As estatísticas sobre empregabilidade e TEA mostram que cerca de 29% dos adultos autistas estão empregados no Reino Unido (Sparkes et al., 2022), enquanto os Estados Unidos e Australia apresentam a taxa de 38% dos autistas empregados (Australian Bureau of Statistics, 2018; Roux et al., 2017). 

Em resposta a essa necessidade, muitos pesquisadores têm tentado compreender os desafios enfrentados por indivíduos com TEA no ambiente profissional e identificar as habilidades e potenciais dessa população, para promover uma inclusão eficaz. 

Alguns dos principais desafios encontrados por pessoas com TEA no ambiente de trabalho incluem:

– Dificuldades na comunicação verbal e não verbal, bem como nas interações sociais, que podem impactar a capacidade de entender colegas e superiores que não falam de forma direta.

– Sensibilidades sensoriais aumentadas, o que significa que podem ser mais sensíveis a estímulos como luzes brilhantes, ruídos ou texturas específicas. 

– Dificuldades em lidar com mudanças na rotina, novas tarefas ou situações inesperadas. A falta de flexibilidade e capacidade de adaptação pode ser um obstáculo para lidar com os desafios do ambiente de trabalho.

Embora existam dificuldades inerentes ao transtorno, pessoas diagnosticadas com TEA apresentam uma gama de capacidades e talentos que podem ser reconhecidos e aproveitados no contexto profissional.

– Habilidades Específicas: O critério diagnóstico de “interesses e comportamentos restritos” muitas vezes leva as pessoas com TEA a desenvolverem habilidades acima da média na sua área de interesse, demonstrando um alto nível de foco e dedicação

– Atenção aos detalhes: Indivíduos autistas frequentemente têm uma capacidade excepcional de focar em detalhes e realizar tarefas com precisão. Isso pode ser vantajoso em trabalhos que exigem atenção minuciosa e cuidadosa.

– Diretividade nas relações: Pessoas com TEA costumam ser diretas e claras em suas interações, essa característica pode contribuir para um ambiente de trabalho mais sistemático e controlado.

– Rotina e consistência: A preferência por rotinas e consistência pode ser um ponto forte em ambientes de trabalho que demandam organização, planejamento e cumprimento de prazos. A capacidade de manter a consistência pode contribuir para a eficiência e produtividade.

Valorizar e reconhecer as potencialidades de pessoas autistas no ambiente de trabalho pode contribuir para a promoção da inclusão, diversidade e produtividade nas organizações. Mas apesar dos pontos fortes associados, a literatura tem mostrado que o estigma em relação ao autismo e a falta de compreensão sobre as necessidades e habilidades das pessoas autistas podem levar à discriminação no local de trabalho, resultando em oportunidades limitadas de emprego, falta de apoio adequado e isolamento social.

As barreiras de conscientização e falta de treinamento adequado para colegas de trabalho e gestores podem dificultar a integração e a colaboração eficaz no ambiente de trabalho já que muitas vezes, as pessoas com TEA necessitam de suporte adicional e adaptações específicas e a falta de recursos e de compreensão por parte dos empregadores pode dificultar o acesso a essas adaptações.

Para promover uma inclusão efetiva, é essencial que empregadores, colegas de trabalho, profissionais de recursos humanos e formuladores de políticas adotem abordagens sensíveis, inclusivas e adaptativas, que considerem as necessidades e potencialidades individuais dessa população.

Quanto aos psicólogos inseridos no contexto da clínica e organizações que atuam jovens e adultos autistas, é necessária uma prática que ofereça suporte para o manejo de desafios relacionados as vivências profissionais. Portanto, é importante que abordem e avaliem junto aos clientes/funcionários:

– A tomada de decisão sobre a divulgação do diagnóstico: como e para quem fazê-lo, visto que esse é um processo complexo que deve envolver a avaliação do contexto organizacional e dos desafios e potencialidades que podem surgir após a divulgação. 

– Avaliação das necessidades de ajustes que necessitam no ambiente de trabalho: estudos apontam que as necessidades são das mais diversas e complexas, não sendo as mesmas para todas as pessoas com TEA. Por isso, é importante que o indivíduo construa autonomia para identificar e solicitar os ajustes necessários ao seu desenvolvimento.  

– Diferenças sociais, como gênero e cultura, ao abordar o tema: As características de autismo costumam se manifestar de maneira diferente entre homens e mulheres. Estas costumam receber o diagnóstico de maneira mais tardia e isso pode influenciar o seu desenvolvimento e as condições para inserção no mercado de trabalho.

– Desenvolver autoconhecimento sobre potencialidades e “pontos fontes”. Considere quais são os repertórios já estabelecidos que irão ajudar na adaptação e manutenção no trabalho, não focando apenas no que precisam desenvolver. Identificar quais são suas habilidades e como elas podem contribuir para as organizações, é uma maneira de se fazer isso.  

– Implementação de adaptações, a conscientização sobre o TEA: o treinamento adequado e a promoção de ambientes de trabalho acolhedores e acessíveis são passos fundamentais para criar oportunidades equitativas e promover a diversidade no local de trabalho. 

Embora existam desafios e barreiras a serem superadas, a valorização e a promoção da inclusão ativa das pessoas autistas no mercado de trabalho não apenas beneficiam os indivíduos autistas, mas também desenvolvem as equipes, estimulam a inovação e contribuem para a construção de sociedades mais inclusivas e justas.

Autoras:

Nathália Vasconcelos: Psicóloga e Neuropsicóloga (CRP 03/25702), pós-graduanda em Neuropsicologia Clínica Comportamental (IBAC), mestranda em Psicologia (UFBA). 

Milena Pereira (CRP 03/11767). Psicóloga clínica e orientadora de carreira. Mestranda em psicologia (UFBA).

Referências:

Australian Bureau of Statistics. (2018). Disability, ageing and carers, Australia: Summary of findings. ABS. https://www.abs.gov.au/statistics/health/disability/disability-ageing-and-carers-australia-summary-findings/latest-release.

Black, M. H., Mahdi, S., Milbourn, B., Thompson, C., D’Angelo, A., Ström, E., … & Bölte, S. (2019). Perspectives of key stakeholders on employment of autistic adults across the United States, Australia, and Sweden. Autism Research, 12(11), 1648-1662.

Burges, S., Cimera, R. (2014). Employment Outcomes of Transition-Aged Adults With Autism Spectrum Disorders: A State of the States Report. 

Davies, J., Heasman, B., Livesey, A., Pellicano, E. &, Remington A. (2022). Autistic adults’ views and experiences of requesting and receiving workplace adjustments in the UK. Plos One, 17(8), 1-17. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0272420

Escrito por:

Nathália Vasconcelos

Psicóloga clínica e neuropsicóloga (CRP 03/25702), Mestranda em Psicologia do Desenvolvimento (UFBA), certificação oficial no PEERS® pela University of California, Los Angeles (UCLA), Especialista em Clínica Analítico Comportamental Infantil e Pós-graduanda em Neuropsicologia Comportamental no IBAC. Formação em Terapias de Terceira Geração, formação em Terapia Comportamental Dialética (DBT) e capacitação em Treinamento de Habilidades Sociais.

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