O antimentalismo ainda tem lugar?

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Uma das posições mais marcantes do Behaviorismo Radical foi, e ainda é, o antimentalismo. Essa posição pode ser definida, resumidamente, como uma rejeição às explicações internalistas de comportamento, que recorrem a estruturas hipotéticas (mentais) para a compreensão do que fazemos. 

Com os avanços das ciências cognitivas, é possível afirmar que essa posição está sendo colocada à prova. As teorias cognitivas, com seus modelos computacionais e hipóteses sobre “estrutura de crenças”, têm mostrado cada vez mais o papel (causal) de processos internos no nosso comportamento. 

Se o antimentalismo rejeita explicações internalistas, e estas estão sendo bem empregadas na compreensão do comportamento humano, pode parecer intuitivo supor que essa posição está obsoleta. E essa é uma situação em que nossa intuição nos engana. 

É importante pontuar que o antimentalismo não rejeita/ignora a importância de pensamentos e sentimentos diante de um fenômeno comportamental. Dito isso, afirmo com segurança: o antimentalismo é uma posição atual e importante. 

A compreensão de seu papel no mundo atual exige uma ligeira visita ao contexto em que essa posição se formou. Temos B. F. Skinner e sua época como personagens principais nessa narrativa. Nos tempos de Skinner, as ciências psicológicas estavam passando por grandes dificuldades metodológicas. Se, por um lado, não tínhamos boas definições operacionais para termos psicológicos (como mente, inconsciente e crenças), por outro, as explicações populares sobre o comportamento ainda eram dominantes. E é nesse período de dificuldades que o antimentalismo skinneriano surgiu. 

Naturalmente, os alvos dessa posição eram relativamente diferentes dos atuais. Skinner lutava contra explicações dualistas, espirituais e circulares para o fenômeno comportamental. Espíritos, possessões demoníacas, “força de vontade” e livre arbítrio, por exemplo, eram explicações comuns, mas insuficientes para uma ciência comportamental. Aproximadamente cem anos depois, essas explicações ainda têm seu lugar na língua da cultura. E, apesar dos refinamentos explicativos, cientistas também estão inseridos nessa cultura. Essa influência pode tornar comum a ocorrência de deslizes, que se refletem em explicações simplistas (ou até fictícias) do comportamento.

Tomemos por exemplo a ideia de que pensamentos causam comportamentos. Não é difícil elaborar experimentos que demonstrem, de maneira bem evidente, que pensamentos influenciam comportamentos. Isso pode levar à simples teoria de que “comportamentos são causados por pensamentos”, o que, por sua vez, pode levar à elaboração mais complexa dessa dinâmica. Se adotarmos uma postura mentalista, a explicação se encerra aí: processos internos (pensamentos e outros) causando comportamentos. 

Como afirmei anteriormente, o papel dos pensamentos (e outros processos internos) no fenômeno comportamental é inegável. Mas, atribuir aos pensamentos o papel de causa definitiva nos leva à armadilha de resumir a complexidade de um fenômeno a um pequeníssimo recorte. 

Quando estou fazendo um trabalho acadêmico e, na frustração de não conseguir desenvolvê-lo, penso “eu sou incompetente”, é nítida a influência desse pensamento sobre meus outros comportamentos: o sentimento de frustração e ansiedade é potencializado, me engajo em outros atos para evitar entrar em contato com a atividade em si etc. Se, por outro lado, em uma ocasião descontraída (como um jogo de cartas), eu tenho o mesmo pensamento (“eu sou incompetente”), os processos comportamentais podem ser completamente diferentes: posso dizer, em voz alta e de maneira engraçada, “eu sou um incompetente mesmo, olha só!” e continuar me engajando no jogo, sem ser afetado pelo suposto peso negativo dessas palavras. 

Em ambas as situações, o pensamento foi exatamente o mesmo. “Eu sou incompetente”. E, em ambas as situações, o pensamento teve seu papel de influência nos comportamentos posteriores. Seguindo a lógica mentalista/internalista de que pensamento é causa, seria suficiente afirmar que minhas respostas comportamentais a esse pensamento deveriam ser as mesmas. “A causa está dentro de nós”. 

Aqui, o antimentalismo entra em cena. Tão atual quanto antes. E ele diz: “Não. Pensamento não é ‘A’ causa do comportamento. Pensamento é uma variável, dentro de todo um contexto. Uma variável que é influenciada por esse contexto e que pode influenciar variáveis dependentes seguintes”. Em outras palavras, não foi o pensamento “eu sou incompetente” que causou meus comportamentos. Foi o conjunto contextual: ambiente atual, elementos da atividade atual, histórico de interações com tal atividade, consequências de atos etc. O contexto, com múltiplas variáveis, está plenamente influenciando o comportamento (incluindo os próprios pensamentos e emoções), momento a momento. 

Skinner preferiu substituir o termo “causa” por “relações funcionais”, para eliminar possíveis confusões. Tal substituição se mostra bastante útil. Se, ao invés de perguntarmos “pensamentos causam comportamentos?” questionarmos “como pensamentos, emoções e atos se relacionam entre si e com o mundo externo?”, a resposta dificilmente se encerrará em uma posição mentalista. Ainda há lugar para o antimentalismo. 

Sugestões de leitura:

Skinner, B. F. (1953). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes. 

Skinner, B. F. (1974). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Editora Cultrix. 

Escrito por:

Gustavo Neves

Psicólogo (Faculdade Pitágoras de Poços de Caldas). Especialista em Análise Comportamental Clínica (IBAC), com formação em Terapia de Aceitação e Compromisso e Terapia de Ativação Comportamental (IBAC). Colunista no Blog do IBAC.

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