Análise Experimental do Comportamento Humano: Por que isso importa?

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Existem muitas maneiras de compreender e explicar o comportamento humano. Algumas delas são baseadas em crenças e outras em superstições. Outras são devido à tradição. Explica-se que uma pessoa age de determinada maneira “porque é homem”, ou que uma mulher fala e faz as coisas de determinada forma “por ser mulher” ou “por ser brasileira”. Pode-se também dizer que fulano fez algo “porque sentiu raiva” ou “porque sentiu vontade”, assim como pode-se explicar que “fulano não fez suas tarefas porque lhe falta motivação” ou que “deixou de fazer seu trabalho porque está com depressão”. Essas afirmações podem ser mais ou menos válidas, dependendo do seu poder preditor do comportamento da pessoa analisada.

É comum fazermos previsões sobre o comportamento de outras pessoas a partir da observação da história de experiências com essa pessoa. “Meu irmão chegou de cara feia hoje, acho que ele está estressado. É melhor deixar pra falar com ele em outro momento”. O histórico de interações com as pessoas me permite prever certos acontecimentos e me permite escolher maneiras de me comportar a fim de produzir certas consequências. Se quero contar para o meu irmão uma novidade sobre o curso que estou fazendo, espero um momento mais favorável, em que ele esteja sorrindo e disponível, pois aprendi historicamente que assim consigo ter acesso à compreensão e atenção do meu irmão. Aprendi também que, quando ele está “mau humorado”, costuma ficar impaciente e agressivo e, portanto, não será um bom ouvinte nesse momento (Starling, 2002).

Esse tipo de previsão acerca do comportamento de outras pessoas só é possível porque o comportamento humano respeita leis naturais, assim como o comportamento de seres não-humanos e o funcionamento da natureza em geral. A natureza costuma ser determinista e previsível. Em certas condições atmosféricas, auferidas por meio de instrumentos apropriados, pode-se afirmar que em um determinado horário, em uma determinada região, existe grande probabilidade de chuva. Pode-se afirmar também que a água em uma panela exposta ao fogo vai ferver e evaporar quando atingir cem graus de temperatura. O determinismo presente nos eventos da natureza permite a organização da experiência humana, a previsão dos acontecimentos e o controle dos fenômenos.

A Análise Experimental do Comportamento é a observação sistemática do comportamento em condições controladas de laboratório. Inicialmente realizada com animais infra-humanos, considerando sua menor complexidade, e posteriormente também aplicada ao comportamento humano. A partir dessas observações sistemáticas foi possível identificar princípios universais do comportamento, presentes em diversas espécies na interação entre organismo e ambiente (Skinner, 1953/1967).

O conhecimento acerca da regularidade dos eventos naturais permite aos humanos prever e controlar a natureza a fim de satisfazer suas próprias necessidades, tornar a vida humana mais confortável e próspera. Por conhecer a regularidade da natureza, é possível, aquecer água e preparar um chá, ou, congelar a água para resfriar uma bebida. Sabemos que as consequências que seguem a uma ação afetam diretamente a ocorrência futura dessa ação, podendo aumentar ou diminuir sua frequência e intensidade (Skinner, 1957/1978). Falar mais alto em um grupo de pessoas geralmente atrai mais atenção para o falante e isso pode ser útil caso o falante deseje captar a atenção do grupo. Entretanto, falar mais alto sozinho produz consequências diferentes (auto estimulação, por exemplo), mas não a atenção desejada. O poder de uma explicação sobre os eventos comportamentais, assim como outros eventos da natureza, está em sua capacidade de prever as consequências produzidas por uma ação e as condições que favorecem as consequências desejadas.

As leis do reforçamento, da punição, extinção, discriminação e generalização comportamental descritas na literatura analítico-comportamental (Keller, 1973; Skinner, 1953/1967), por exemplo, favorecem a compreensão acerca de como funciona a interação entre o organismo e o ambiente em que ele está inserido, oferecendo maior poder preditivo às explicações do comportamento humano. Tais leis tem por intuito tornar os humanos mais conscientes acerca das forças de controle que os eventos ambientais exercem sobre o seu comportamento. Ao realizar uma análise das condições ambientais que afetam o comportamento humano é possível manejar tais condições para programar, organizar e alterar os comportamentos desejados: criar situações favoráveis para a ocorrência de uma ação ou alterar as consequências produzidas no ambiente, levando o comportamento a aumentar ou diminuir de frequência (Todorov, 1985). Permanecer oito horas sem alimento é um forte preditor de que, quando o alimento for ofertado, o indivíduo vai agir de maneiras que anteriormente deram a ele o acesso ao alimento. Um choque elétrico quase que certamente vai provocar comportamentos de fuga de tudo aquilo que foi relacionado a esse choque.

A psicoterapia comportamental se apropria dos princípios comportamentais básicos descritos experimentalmente para produzir intervenções mais efetivas a partir da compreensão da história de aprendizagem e do contexto atual de cada indivíduo. Diferentes explicações para o comportamento humano derivam diferentes formas de agir em relação às pessoas. Compreender a ação humana como fruto da “vontade” pode nos levar a investigar as causas da “vontade”. Se considerarmos a “vontade humana” como uma força interna que se auto determina e é, portanto, imprevisível, nada poderemos fazer em relação a ela além de culpabilizar o indivíduo que não consegue controlar sua “vontade” na realização de tarefas. Mas ao considerarmos que a “vontade humana”, assim como outros eventos naturais, depende de outras variáveis ambientais para acontecer, isso nos levaria inevitavelmente à investigação sobre as condições ambientais atuais e históricas que favorecem um indivíduo falar que “tem vontade de fazer tal coisa” ou que “não tem essa vontade”.

Os termos analítico-comportamentais não limitam a experiência humana. Pelo contrário, favorecem a compreensão das fontes de controle do comportamento, produzindo explicações mais úteis (Todorov & Hanna, 2010). Por sabermos, por exemplo, se o comportamento considerado depressivo – falta de interesse pelas atividades, insensibilidade aos contextos atuais, visão pessimista sobre a vida e sobre si mesmo, entre outros – tem origem em contextos altamente punitivos e com poucas alternativas de reforçamento (Abreu, 2011), podemos sugerir que essa pessoa diagnosticada com depressão seja inserida em um contexto que ofereça acesso fácil a consequências reforçadoras, como é o caso da Psicoterapia. Além disso, percebendo que o padrão comportamental desse individuo produz distanciamento social e afetivo além de uma rotina rígida e repetitiva, é possível desenvolver, em Psicoterapia, repertórios comportamentais que tornem o indivíduo mais apto a alterar seu ambiente físico e social, a fim de produzir maior acesso a consequências reforçadoras em seu ambiente e reduzir a frequência e intensidade de consequências aversivas. Tudo isso, considerando princípios básicos da relação entre comportamento e ambiente.

Portanto, a Análise Experimental do comportamento humano, apesar de muitas vezes ser interpretada com desconfiança devido ao seu potencial de controle e determinação do comportamento, oferece ferramentas psicológicas mais eficientes para o sucesso dos empreendimentos humanos: na educação, saúde, administração pública, organizações, psicoterapia etc. De fato, a responsabilidade ética acerca das aplicações da ciência comportamental sempre foi uma preocupação para esse campo de estudo (Dittrich & Abib, 2004). As resoluções e normativas do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e dos Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs) visam amparar e orientar os profissionais e a sociedade para garantir uma prática psicológica segura e coerente com os valores da Democracia e dos Direitos Humanos (CFP, 2005).

Como escreveu Skinner (1974, p. 11),

“Os maiores problemas enfrentados hoje pelo mundo só poderão ser resolvidos se melhorarmos nossa compreensão do comportamento humano. As concepções tradicionais têm estado em cena há séculos e creio ser justo dizer que se revelaram inadequadas. São, em grande parte, responsáveis pela situação em que nos encontramos hoje.”

Os métodos das ciências naturais se mostraram promissores na compreensão e aperfeiçoamento das técnicas em vários campos das atividades humanas, tais métodos também tem se mostrado úteis e promissores na compreensão do comportamento humano (Skinner, 1953/1967).

Referências

Abreu, P. R. (2011) Novas relações entre as interpretações funcionais do desamparo aprendido e do modelo comportamental de depressão. Psicologia: Reflexão e Crítica, 24(4), 788-797. https://doi.org/10.1590/S0102-79722011000400020

Conselho Federal de Psicologia (2005). Resolução CFP n° 010/2005. Código de Ética Profissional do Psicólogo, XIII Plenário. Brasília, DF.

Dittrich, A. e Abib, J. A. D. (2004). O sistema ético skinneriano e conseqüências para a prática dos analistas do comportamento. Psicologia: Reflexão e Crítica, 17(3), 427-433. https://doi.org/10.1590/S0102-79722004000300014

Keller, F. S. (1973). A aprendizagem: teoria do reforço. São Paulo, E.P.U.

Skinner, B. F. (1953/1967). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov & R. Azzi, Trads.). Brasília: Universidade de Brasília.

Skinner, B. F. (1957/1978). O comportamento verbal (M. P. Villalobos, Trad.). São Paulo: Cultrix.

Skinner, B. F. (1974). Sobre o Behaviorismo, São Paulo: Cultrix.

Starling, R. (2002). O Antes, o do meio e o depois. Em Brandão, M.Z.; Conte, F.C. e Mezzaroba, S. M. (orgs). Comportamento Humano: tudo ou quase tudo que você gostaria de saber para viver melhor. Santo André: Esetec.

Todorov, J. C. (1985) O Conceito de Contingência Tríplice na Análise do Comportamento Humano. Revista Psicologia, Teoria e Pesquisa, Brasília, 1(1), 75-88.

Todorov, J. C. e Hanna, E. S. (2010) Análise do comportamento no Brasil. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26, 143-153. https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000500013

Escrito por:

Airton Campos Júnior

Psicólogo (CRP 01/21534) da Clínica do IBAC. Especialista em Análise Comportamental Clínica (IBAC) e mestrando de Psicologia Clínica na USP.

Escrito por:

Colaboração

Textos produzidos com autoria de colaborador(a) do IBAC

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