“Abóboras entalhadas para espantar o mal!”: o dia das bruxas e as superstições

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Envolvidos pela temática do mês das bruxas e pela lembrança de que há uma ênfase comum nos padrões de comportamentos denominados supersticiosos em nosso cotidiano, Amanda e eu consideramos que seja interessante oferecer uma proposta de avaliação que possa nos proporcionar reflexões instigantes sobre esse tipo de comportamento. A organização de festividades e a manutenção de costumes relacionados ao 31 de outubro, o All Hallows Eve (all hallows evening ou hallowen) – aqui conhecido como ‘dia das bruxas’ – tem crescido no Brasil. Porém, sua origem está em uma tradição celta, de nome Samhain, em que as pessoas acendiam fogueiras e vestiam roupas com a finalidade de espantar fantasmas. Nos EUA, e em parte da Europa, há uma forte tradição em se manter alguns desses rituais/costumes, que são bastante referidos e até replicados em outras culturas.

No Brasil, temos uma data especial para celebrar o dia dos mortos – dia de finados, 02 de novembro -, mas a brincadeira do dia das bruxas tem se tornado cada vez mais popular. Organizam-se bailes à fantasia, fazendo alguma alusão aos costumes da tradição celta. Os filmes de horror e de suspense recebem os holofotes durante o mês de outubro, enredos que enfatizam, em grande parte, a manifestação de supostas forças sobrenaturais e o efeito disso sobre o comportamento de indivíduos. 

Mas é interessante destacar que notamos a ocorrência de comportamentos ritualísticos, não apenas em decorrência dessa data que supostamente os legitima. Seja pela descrição verbal (regras) que supostamente descrevem acuradamente certas contingências (“se não bater na madeira três vezes, não vai evitar algum evento aversivo”), seja pela observação de correlações entre eventos como se estas exibissem relações causais. Para refletir um pouco sobre o fenômeno em torno do que convencionamos chamar de superstição, talvez seja interessante destacar alguns pontos já ressaltados na literatura.

Para começar, considere a seguinte descrição: certa vez, pombos ingênuos (que nunca passaram por qualquer situação experimental) encontravam-se privados de alimento e foram submetidos a uma situação de pesquisa. Dentro de uma caixa experimental de formato padrão (i.e., com luzes, chaves de operação e outras características comuns), uma quantidade de alimento era disponibilizada a cada 15 segundos (s), a despeito do comportamento do pombo dentro da caixa. Tratava-se, em outras palavras, da ocorrência de um esquema de reforçamento de tempo fixo (FT) 15 s.

Observou-se que, após passado um certo tempo em que esse esquema esteve em vigor, cada pombo apresentou uma variedade de padrões de respostas ocorrendo em alta frequência: alguns girando o corpo no sentido anti-horário, outros batendo asas, outros colocando a cabeça em algum dos cantos da caixa, outros apresentando um movimento pendular da cabeça e do corpo. Veja, nesse experimento, diferentes padrões estereotipados foram desenvolvidos e nenhum, exatamente nenhum desses padrões guardava qualquer relação de dependência com a ocorrência de comida a cada 15 segundos:

Começamos a descrever esse experimento clássico de Skinner (1948) por conter algumas características interessantes da relação entre eventos. Uma dessas características envolve a sugestão de que, devido alguns dos comportamentos dos pombos ocorrerem em alta frequência próximos ao final do intervalo do FT, tais comportamentos teriam sido condicionados pela apresentação “casual” do alimento (i.e., independente do comportamento). Ou seja, é como se os pombos tivessem aprendido a emitir diferentes padrões de resposta, embora, na prática (i.e., as regras da contingência programada pelo esquema) não haja qualquer relação de dependência (contingência) entre os comportamentos estereotipados supracitados e a apresentação de alimento. Esse estudo deu início a uma vasta discussão sobre comportamento supersticioso que percorreu anos de pesquisa nas últimas décadas. A avaliação apresentada por Skinner (1948) é apenas uma dentre outras discussões e análises propostas neste campo (ver Benvenutti e cols, 2017; Staddon & Simmelhag, 1971; Timberlake & Lucas, 1985).

Imagine agora a sequência de situações apresentadas a seguir: depois de colocar sua roupa nova, o que seria só mais uma olhada no espelho para arrumar alguns detalhes do visual acabou se tornando um grande pesadelo, pois você tinha acabado de QUEBRAR o espelho do seu quarto em várias partes. Saiu de casa ainda pensativo, cruzou a avenida para encontrar os amigos no barzinho que havia combinado “a social” daquela semana e, sem perceber, passou por baixo de uma escada. A sua noite estava cheia de ‘atropelos ritualísticos’. Como se não bastasse, você deu aquele primeiro gole na bebida estupidamente gelada e teve de ouvir uma boa advertência de um colega que gritou: “Ei amigo(a), você bebeu e esqueceu de brindar!!!”. 

Esses e outros rituais, muito comuns do nosso convívio social, expressam algumas crenças populares de que há uma relação direta entre determinados comportamentos (os citados previamente e outros exemplos dentro da temática ‘superstição’) e uma possível ocorrência de eventos aversivos como consequência (má sorte, tempo sem acesso a reforçadores naturais, morte de alguém importante, impossibilidade de casar etc). Dessa forma, é possível que, diante da suposta ameaça de como tais eventos aversivos possam desencadear alguns efeitos sobre sua vida, os comportamentos ritualísticos podem: tanto expressar um controle pela regra (essa que é socialmente estabelecida e disseminada), como também, demonstra possíveis efeitos de situações procedimentais, tais como aquelas descritas previamente a respeito do experimento de Skinner (1948).

Essas propostas de análise derivam da descrição de dois aspectos distintos desses eventos (mas que nada impede que ocorram de forma combinada). Benvenutti e cols. (2008) enfatizam a necessidade de discernir entre “regras supersticiosas” e “comportamentos supersticiosos”. O primeiro caso consiste na ênfase de que certas respostas supostamente produzem determinadas mudanças no ambiente, quando na verdade não há tal relação. Assim, trata-se da prática de qualificar antecedentes e/ou respostas verbais como sendo “supersticiosos”. Já, no segundo caso, a ênfase é sobre todo tipo de resposta que exibe efeitos da simples contiguidade (ou proximidade) com eventos ambientais, tal como sugerido e discutido a partir dos resultados do estudo de Skinner (1948). 

No segundo caso, quando há um destaque sobre o processo comportamental em situações que envolvem ausência de contingência ou, pelo menos, alteração da relação de dependência entre resposta-consequência, sugerimos a leitura de outros posts do blog em que houve destaque sobre essa temática e algumas sugestões de leitura: “Meu pensamento causa o que acabei de fazer?” e “O intrigante efeito dos eventos independentes da resposta”. Em suma, quando não há (ou reduz-se a) relação de dependência entre resposta e consequência, altera-se o principal determinante dos operantes, qual seja, o efeito dos estímulos consequentes. Porém, é razoável imaginar que, se um organismo não é exposto a um contexto que favoreça a discriminação dos efeitos da mudança na contingência, não há motivos para supor que as respostas serão afetadas pela mudança nos eventos programados. 

Dito de outro modo: certa vez, ao se divertir com amigos em um jogo de tabuleiro, antes de rolar um dado, você o segurou com muita força, ao mesmo tempo em que emitiu muitos pensamentos do tipo “que venha o número 6, que venha o 6!”, além de pedir a diferentes entidades para que seu desejo fosse realizado.

Ao vir o número 6 no dado, a correlação entre esses eventos – a mera contiguidade, ou proximidade temporal – pode simular parte dos aspectos do experimento de Skinner (1948). Em uma próxima situação, ainda no mesmo dia e jogando o mesmo jogo, é possível que você repita o mesmo padrão. A baixa probabilidade de vir novamente o número 6 pode explicitar a ausência da relação de contingência entre “pedir um 6” e “vir um 6”. Assim, com o acúmulo de episódios em que “o ritual” não foi seguido da suposta consequência que o mantém, só há um resultado possível: a frequência do comportamento será drasticamente reduzida.

Porém, imagine o caso em que não há oportunidades do comportamento ritualístico ser “colocado à prova” (no caso, contactar as características da contingência). Adicione esse fato ao efeito robusto de estímulos antecedentes conhecidos por “regras”. Enfatiza-se, com isso, o segundo caso, em que a superstição é vista sob o prisma do comportamento governado por regras. As crenças e boa parte dos costumes religiosos exibem controle por regras, na medida em que estamos trazendo à tona as características de uma agência de controle (Skinner, 1953/2003). 

Assim, as pessoas podem se comportar, ritualisticamente ou não, não exatamente em função da eliminação de aversivos (posto que podem nunca terem sido direta ou indiretamente expostos), mas por terem aprendido a seguir regras e a acessarem consequências sociais por isso. Mesmo fora do contexto institucional religioso, aprendemos a emitir certos operantes, não pelo suposto efeito de reforços naturais, mas pelo efeito de reforços condicionados (i.e., reforço social). Ou seja, não podemos negar a possibilidade (alta) de controle social em torno de tudo que é destacado a respeito dos comportamentos ritualísticos ocorridos com ou sem a justificativa do ‘dia das bruxas’. 

Em suma, excetuando-se o fato de que comportamentos supersticiosos se mantém por não terem ainda contactado as mudanças na contingência, é possível destacar também que o controle por regras pode ser forte o suficiente para estabelecer e manter a emissão de respostas (mantendo portanto as chamadas superstições), mesmo quando as regras descrevem de forma completamente inacurada as características da contingência. 

Referências Bibliográficas

Benvenuti, M. F. L., Panetta, P. B., Hora, C. L., & Ferrari, S. (2008). Comportamento “supersticioso” em esquemas múltiplos: Efeitos de instruções e auto-descrições. Interação em Psicologia, 12, 35-50. http://dx.doi.org/10.5380/psi.v12i1.8699

Benvenuti, M. F. L., de Toledo, T. F. N., Simões, R. A. G., & Bizarro, L. (2018). Comparing illusion of control and superstitious behavior: Rate of responding influences judgment of control in a free-operant procedure. Learning and Motivation64, 27-33. https://doi.org/10.1016/j.lmot.2017.10.002

Lattal, K. A. (1974). Combinations of response reinforcer dependence and independence. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 22, 357-362. https://doi.org/10.1901/jeab.1974.22-357

Skinner, B. F. (1948). “Superstition” in the pigeon. Journal of Experimental Psychology, 38, 168-172. https://doi.org/10.1037/h0055873

Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e Comportamento Humano. (J. C. Todorov, Trad.). São Paulo: Martins Fontes.

Staddon, J. E. R., & Simmelhag, V. L. (1971). The “superstition” experiment: A reexamination of its implications for the principles of adaptive behavior. Psychological Review, 78, 3-43. https://doi.org/10.1037/h0030305

Timberlake, W., & Lucas, G. A. (1985). The basis of superstitious behavior: chance contingency, stimulus substitution, or appetitive behavior?. Journal of the Experimental Analysis of Behavior44(3), 279-299. https://doi.org/10.1901/jeab.1985.44-279

Escrito em colaboração com:

Ma. Amanda Calmon Nogueira da Gama Rodegheri

Psicóloga clínica (CRP: 01/1696) doutoranda em Ciências do Comportamento na Universidade de Brasília (UnB).

Escrito por:

Ítalo Teixeira

Bacharel em Filosofia e Psicologia. Mestre em Ciências do Comportamento

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