A vida é feita de escolhas

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Aprendemos na escola que humanos são animais racionais. São mesmo?

Dois caminhos em um bosque
Crédito: Unsplash

Imagine que você acabou de assumir um emprego, após participar de um processo seletivo bastante difícil. Você agora trabalha em uma empresa de grande renome internacional, realizando o sonho da sua família. Duas semanas depois de começar nesse trabalho, você é chamado para um outro emprego, numa empresa familiar, pequena, para realizar um trabalho muito mais interessante. Há menos status, menos visibilidade, mas o salário é significativamente maior, quase o dobro. O que você faz? Você arrisca no emprego novo ou permanece no que você já está?

Se você já viveu uma situação como esta, sabe que a vida é cheia de escolhas difíceis. Caso ou compro uma bicicleta? Consigo resistir à tentação de comer um hambúrguer com batata frita e fico com a saladinha leve? Devo terminar meu casamento ou esquecer o que está ruim e seguir em frente? Mudo de emprego ou aceito uma promoção? Em qual alternativa devo seguir?

Nesses exemplos, feliz ou infelizmente, não há resposta certa. Há apenas alternativas que diferem em termos da magnitude dos seus reforçadores. No exemplo acima, em uma empresa, temos reforçadores como status da empresa, estabilidade, realização do sonho familiar. Na outra empresa, os reforçadores são diferentes e incluem a atividade interessante e salário alto. Perguntas como essas não têm respostas fáceis ou certas – elas dependem do contexto que o cliente traz, de suas operações motivadoras, dos valores que orientam suas ações.

Para tomar essa decisão, é preciso comparar opções muito diferentes. De modo geral, espera-se que as pessoas tomem decisão de forma racional, ponderando custos e benefícios para maximizar seus ganhos a curto e a longo prazo.

Mas na vida real, não é isso que acontece. Com frequência, nós comemos o hamburguer no lugar da salada, procrastinamos no trabalho, nos mantemos em relacionamentos abusivos, fazemos escolhas e depois nos arrependemos.

Não raro, os clientes nos procuram para entender porque se comportam da forma como se comportam. Eles muitas vezes tomam decisões que desafiam a lógica, mudam suas preferências sem razão, apresentam escolhas inconsistentes.

Ao tomarmos decisões, o que ocorre é que temos limitações de tempo, de memória, de capacidade de cálculo. Não conseguimos prever, no momento da decisão, todo o contexto que vamos viver quando a decisão passa a ter efeitos. Antes de recebermos o salário, conseguimos pensar em separar um valor para a poupança e fazer planos para que o dinheiro economizado seja usado para um projeto maior, como viajar, comprar um carro ou complementar a aposentadoria. Mas na hora que estamos com o dinheiro na mão, algo acontece: o dinheiro é gasto naquele produto que estava em oferta, de que nunca precisamos mas agora não sabemos viver sem. Perdemos a conta dos trocadinhos que gastamos, em cafezinhos, em uma revistinha, em uma balinha. E lá se vão as economias…

Durante uma sessão de terapia, um cliente pode analisar os pontos positivos e negativos de manter o casamento de décadas ou optar por encerrá-lo. Mas, ao chegar em casa e anunciar sua decisão para a família, o momento é outro e toda a certeza que esse cliente teve algumas horas antes vai embora. Os pontos positivos e negativos não mudaram, mas o momento e o contexto tornam a decisão mais difícil e uma nova escolha é feita.

Se você já continuou assistindo uma série ou um filme até o final, simplesmente porque já tinha começado, você não está sozinho. Empresas seguem com projetos, mesmo quando percebem que os resultados financeiros não serão tão proveitosos como o previsto. Estudantes completam o curso superior, mesmo depois de descobrirem que aquela não era a sua vocação, só porque já tinham feito uma boa parte dos créditos. Não raro, casais se mantém juntos em razão dos anos passados, e não pela satisfação que ainda sentem um pelo outro.

Sob uma certa ótica, todo comportamento humano é um comportamento de escolha. Ao optarmos por certas ações, estamos no mínimo alocando uma certa quantidade de tempo em cada atividade. E o tempo é o nosso recurso mais finito e irrecuperável.

Com certeza, você já viveu ou já presenciou alguma situação como essas que descrevi acima. São exemplos clássicos de como as escolhas humanas são falíveis e se perdem em uma racionalidade. Sistematicamente, humanos tomam decisões muito distantes das melhores opções, em termos de maximizar seus próprios ganhos.

Ao contrário do que pregam as teorias econômicas tradicionais, os humanos não são “racionais” e nem sempre otimizam suas escolhas. Erramos nas probabilidades, somos influenciados por variáveis que não deveriam importar para os resultados das nossas ações, planejamos, mas não executamos da mesma forma. A racionalidade estrita não existe da mesma maneira como as fórmulas econômicas previram.

Para estudar esses fenômenos que desafiavam os economistas e impactavam psicólogos, surgiu a Economia Comportamental, uma área recente que interliga a Psicologia e a Economia. Desde então, alguns prêmios Nobel de Economia foram parar nas mãos de pesquisadores dessa área. Daniel Kahneman e Richard Thaler são nomes que se destacam. Eles apresentam um olhar cognitivista, explicando alguns dos comportamentos a partir de construtos, heurísticas e vieses. Outros autores que têm grande produção dentro da Economia Comportamental são Dan Ariely, Daniel Gilbert, Barry Schwartz, entre tantos outros.

Por outro lado, temos a Economia Comportamental Operante, que explica os mesmos fenômenos sob a ótica da Análise do Comportamento, corrente que vou utilizar nesta coluna. As interações entre o contexto de escolha (ambiente) e o indivíduo, com sua história de reforçamento, são determinantes do comportamento de decidir em um dado momento. Aqui temos grandes nomes como Howard Rachlin, Steven Hursh, John Kagel, Raymond Battalio e Leonard Green, bons exemplos de pesquisadores pioneiros na área. Muitos outros serão abordados, porque essa é uma área cujo interesse é crescente. Novos artigos têm sido publicados periodicamente e ainda há muito a descobrir.

As contribuições teóricas e empíricas da Economia Comportamental têm grande potencial de aplicação para a prática clínica. Com ênfase na relação entre custo e benefício das escolhas, podemos compreender melhor comportamentos e contingências, nos conceitos de sistemas econômicos abertos e fechados, renda e preço, valor do reforço e custo da resposta. Além disso, ao se considerar variáveis mais amplas que estão presentes no ambiente do cliente, é possível realizar análises funcionais e intervenções clínicas mais precisas.

Nesta coluna mensal, quero apresentar e discutir alguns casos clínicos e as contribuições da Economia Comportamental para auxiliar na identificação das razões pelas quais os indivíduos escolhem uma determinada alternativa, em uma situação de recursos escassos, a partir de variáveis históricas e contextuais. Falaremos de autocontrole, uma das principais demandas que chegam à clínica. Vamos falar sobre o efeito sunk cost, em que o esforço já dispendido pesa mais que os ganhos futuros; sobre framing, e a forma de estruturação dos problemas e perguntas. Vamos abordar também a teoria de jogos, em seus dilemas do prisioneiro, nos jogos do ultimatum e do ditador; sobre como as pessoas descontam o valor dos reforçadores, de acordo com sua distância temporal ou em razão da probabilidade de seu acontecimento; e sobre a já conhecida economia de fichas. E mais: economia aberta e fechada, curva da demanda, bens substitutos, tudo isso aplicado à prática clínica. A ideia é compartilhar casos clínicos, parcialmente fictícios, alinhando a análise do comportamento à economia comportamental, para auxiliar terapeutas com um novo olhar sobre questões de escolha. Aguardo você na próxima coluna.

Para saber mais sobre Economia Comportamental:

Foxall, G. R. (2016). Operant Behavioral Economics. Managerial and Decision Economics, 37(4–5), 215–223. https://doi.org/10.1002/mde.2712

Franceschini, A. C. T., & Ferreira, D. C. S. (2012). Economia comportamental: Uma introdução para analistas do comportamento. Interamerican Journal of Psychology, 46(2), 317-325. https://doi.org/10.30849/rip/ijp.v46i2.321

Samson, A. (2015). Introdução à Economia Comportamental e Experimental, p. 25-59. In Avila, F. e Bianchi, A. (Orgs.). Guia de Economia Comportamental e Experimental. São Paulo.

Escrito por:

Patrícia Luque

Supervisora de Estágio no IBAC. Psicóloga clínica. Doutora em Ciências do Comportamento e Mestre em Psicologia pela UnB

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