A Terapia de Ativação Comportamental, considerada padrão-ouro no tratamento do Transtorno Depressivo Maior, é centralizada no planejamento de atividades prazerosas e satisfatórias. À primeira vista, esse simples objetivo pode despertar reações céticas em relação à proposta, levantando algumas questões: como pode a promoção de tarefas ser útil no tratamento de uma condição tão complexa como a depressão? Isso não é reducionista demais? Não seria uma forma de mascarar o problema, promovendo maneiras de evitar sentimentos dolorosos em uma falsa sensação de melhora?
A resposta curta para as duas últimas questões é: não. Para compreendermos a lógica dessa resposta (bem como responder a primeira questão), precisamos entender um pouco como se dá o desenvolvimento dos transtornos depressivos.
O organismo humano, como todos os outros seres vivos, é evolutivamente adaptado para lidar com os desafios do contexto em que vive. Está inclusa nessa adaptação a forma como reagimos a certos estressores e ameaças.
Diante de estressores suficientemente relevantes (estimulação aversiva), algumas alterações comportamentais são esperadas no organismo. Comportamentos focados na eliminação ou evitação desses estressores tendem a ocorrer com mais frequência, de maneira concomitante à redução de comportamentos que buscam prazer e satisfação. Na presença de um leão, não vamos estar interessados em jogar futebol, certo? Para garantir nossa segurança e sobrevivência, precisamos focar no perigo.
Nesse ponto, novas questões podem ser levantadas: qual é a relação entre essas alterações e o transtorno depressivo? Se somos tão adaptáveis ao contexto, como é possível que essa adaptação se torne um problema?
Primeiramente: não somos necessariamente adaptados para sermos felizes. O mal-estar e o desconforto também fazem sentido e são necessários quando precisamos lidar efetivamente com certos contextos.
“Segundamente”: diferente de situações primitivas de sobrevivência, os problemas contemporâneos não são facilmente evitados ou eliminados. Como resultado, ficamos comportamentalmente voltados à identificação e evitação de estressores (que não são efetivamente evitados), e deixamos cada vez mais de fazer o que nos importa e nos traz prazer.
Em última análise, abrimos mão da nossa vida em busca da resolução definitiva de problemas insolúveis.
O resultado da nossa luta é uma redução comportamental generalizada: diante de estimulação aversiva, ficamos menos interessados em fazer atividades prazerosas, satisfatórias e valorosas. Menos interessados, fazemos menos. Fazendo menos, essas atividades ficam cada vez mais faltosas em nossa vida (enquanto a estimulação aversiva continua à vista). Essa falta afeta significativamente nossa motivação, nos deixando ainda menos dispostos.
A falta de atividades prazerosas e satisfatórias, somada à presença predominante de estimulação aversiva e a impossibilidade de eliminá-la, nos torna desinteressados, passivos, infelizes ou apáticos. Deprimidos.
Compreendendo como todo esse processo se desenvolve e como nos tornamos deprimidos, a promoção de atividades prazerosas e satisfatórias faz total sentido. A partir dessas atividades, vamos naturalmente sendo estimulados e tendemos a ficar mais ativos e dispostos. Nesse contexto, o desenvolvimento de novos repertórios para resolução de problemas se torna muito mais fácil. Conseguimos, finalmente, voltar a nos mover e a buscar o que nos importa na vida.
Podemos concluir que, apesar da simplicidade, a Ativação Comportamental se sustenta em uma base teórica sólida, que abrange os transtornos depressivos em sua devida complexidade. Devemos sempre nos lembrar, porém, que “simples” e “fácil” são coisas diferentes. O tratamento exige paciência e manejo, respeitando os atuais limites e analisando funcionalmente todo o processo. Apenas assim, uma mudança duradoura é possível.
Sugestões de leitura:
Abreu, P. R., & Abreu, J. H. S. S. (2021). Transtornos Psicológicos: terapias baseadas em evidências. Santana de Parnaíba: Manole.
Kanter, J. W., Busch, A. M., & Rusch, L. C. (2022). Ativação Comportamental. Novo Hamburgo: Sinopsys Editora.
Oshiro, C. K. B., & Ferreira, T. A. S. (2021). Terapias Comportamentais Contextuais: análise funcional e prática clínica. Santana de Parnaíba: Manole.