A Flexibilidade Psicológica e o Casamento

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Em dezembro, passei por um momento extremamente significativo em minha vida. Um momento caracterizado pela construção de narrativas, mobilização de valores e atribuição de sentido: meu casamento.

Gustavo, Izabella e Verônica <3

Após (e até um pouco antes de) me casar, reservei alguns momentos para pensar sobre o que isso significava em níveis mais profundos. Não foram momentos assustadores, mas acabaram me levando a ruminar sobre o futuro e possíveis problemas que poderiam surgir. Como eu estava animado e decidido, naturalmente passei a lutar contra essas ruminações: “não há motivos para pensar nisso, o que temos agora é perfeito”; “nós sempre conseguimos resolver problemas com maturidade”.

E foi aí que percebi que o ato de casar, bem como o ato de manter o casamento, exige uma boa dose de flexibilidade psicológica. 

Não convém pensar nos mais variados conflitos e situações que, eventualmente, poderiam acontecer. Por outro lado, creio que podemos nos beneficiar de uma reflexão com base em processos. 

A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) propõe que a flexibilidade psicológica é construída em seis dimensões: afetiva, cognitiva, atencional, self, motivacional e comportamental. Em cada uma dessas dimensões, existem processos que podem ou não ser úteis, a depender do contexto em que eles ocorrem. 

No casamento, a mobilização de processos de flexibilidade psicológica pode ser pensada em conjunto, em sintonia com a própria relação. Por se tratar de duas pessoas diferentes (com frequentes diferenças entre valores, dores, objetivos e opiniões), atritos podem ocorrer. Diante desses atritos, é necessária a compreensão da experiência subjetiva da parceira sem nos distanciarmos da nossa própria. 

Para que esses atritos sejam bem manejados, é preciso uma boa dose de coragem diante de pensamentos e emoções difíceis. Se assumimos uma postura defensiva, com total indisposição para experienciar esses pensamentos e emoções, a comunicação é encerrada (e deixar de falar sobre o problema não vai fazê-lo desaparecer). Por outro lado, quando reconhecemos sua presença e falamos sobre eles, a comunicação se desenvolve. Entrar em contato com nossos pensamentos e emoções, compreendendo-os sem nos levar pelo seu conteúdo (e sem tentar evitá-los), é uma postura exemplar do que chamamos de Aceitação e Desfusão Cognitiva (processos de dimensão afetiva e cognitiva). 

Seguindo os passos que se tornaram possíveis com essa abertura para a experiência, conseguimos focar nossa atenção ao que importa. “O que está acontecendo?”; “O que realmente precisa ser resolvido?”; “Como estamos nos sentindo e o que estamos pensando enquanto tentamos resolver tudo?”. Quando direcionamos o foco ao momento presente, ao que está acontecendo ao nosso redor e dentro de nós, enquanto observamos em perspectiva o que está sendo envolvido, sentido e pensado, mobilizamos os processos de Contato com o Momento Presente e Percepção Contextual de Self. 

Os quatro processos citados (Aceitação, Desfusão Cognitiva, Contato com o Momento Presente e Percepção Contextual de Self) podem nos ajudar a lidar efetivamente com as dores e desafios da vida cotidiana (individualmente e na relação). Porém, desenvolver habilidades pode ser de pouco uso se não soubermos para onde estamos caminhando, ou pelo quê estamos lutando. Nesse sentido, precisamos ter uma boa definição sobre o quê nos importa, e sobre o quê fazer para continuar alinhados ao nosso caminho. No casamento, esse ponto pode ser um dos mais importantes: quais valores são compartilhados entre o casal?; Quais objetivos podem ser definidos para que esses valores sejam contemplados?; E quanto aos valores divergentes? Como conciliá-los?

Quando integramos os princípios da ACT em nossos relacionamentos, ficamos em melhor posição para desenvolver uma relação saudável e baseada em valores. Com flexibilidade psicológica, o casal é capaz de se envolver inteiramente aos momentos, com adaptação, abertura e atenção a tudo que é vivido. 

Sugestões de leitura

Ferreira, T. A. (2023). Construindo Flexibilidade Psicológica: O Método das Narrativas Funcionais. São Paulo: NDD Media.

Ferreira, T. A. (2021). Terapias contextuais comportamentais: Análise funcional e prática clínica. Santana de Parnaiba: Editora Manole.

Hayes, S. C. (2020). A liberated mind: How to pivot toward what matters. New York: Avery.

Hayes, S. C., Hofmann, S. G. (2021). Learning Process-Based Therapy: A Skills Training Manual for Targeting the Core Processes of Psychological Change in Clinical Practice. Context Press.

Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (2021). Terapia de Aceitação e Compromisso: O Processo e a Prática da Mudança Consciente. São Paulo: Artmed Editora.

Saban, M. T. (2011). Introdução à Terapia de Aceitação e Compromisso. Belo Horizonte: Artesã.

Escrito por:

Gustavo Neves

Psicólogo (Faculdade Pitágoras de Poços de Caldas). Especialista em Análise Comportamental Clínica (IBAC), com formação em Terapia de Aceitação e Compromisso e Terapia de Ativação Comportamental (IBAC). Colunista no Blog do IBAC.

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