Este texto é a terceira e última parte da série “uma conversa entre a Comunicação Não Violenta e a Análise do Comportamento”, publicações que têm como objetivo analisar a Comunicação Não Violenta funcionalmente. Ao longo dessas publicações, a CNV é apresentada como uma ferramenta útil para o terapeuta comportamental, quando o objetivo da terapia é desenvolver autoconhecimento e assertividade. Se você não leu as outras partes, sugiro que comece por aqui para uma melhor compreensão!
Como já apresentado, o objetivo da CNV é criar relações de compaixão. Para tanto, Rosenberg (1999) criou um conjunto de regras que favorece contingências com esse efeito. O autor também destacou as formas de comunicação que criam relações de culpa ou resistência.
Além dos julgamentos morais e comparações, que foram abordados nas postagens anteriores, há outros dois tipos de fala que são apontados pelo autor como mais provável de fazerem parte de contingências de controle aversivo: negação de responsabilidade e pedido como exigência. Estes dois aspectos serão analisados na postagem de hoje, que também abordará os últimos dois componentes da CNV: necessidade e pedido.
Rosenberg defende que cada pessoa é responsável pelos próprios sentimentos, pensamentos e atos e que é necessário usar uma linguagem consciente dessa responsabilidade. Em última instância, cada um faz o que faz por uma escolha. Rosenberg sugere que seja abolidas expressões como “porque eu tenho que/de”, como em uma situação que um filho irá visitar os pais e diz “vou visitá-los porque tenho que ir” ou “vou visitá-los porque tenho que cumprir meu papel”. Nessa situação, Rosebeng argumenta que esse tipo de fala tira a responsabilidade da própria ação do falante. Uma linguagem mais consciente nessa situação seria “vou visitá-los porque para mim é importante não decepcionar os meus pais ou porque eu quero vê-los felizes”. Nessa última opção há uma descrição melhor da contingência, estabelecendo a resposta e a consequência que mantém o comportamento do falante: em uma situação visitar é mantido por reforço negativo porque remove o estímulo aversivo pais decepcionados, na outra o visitar é mantido por reforço positivo porque produz pais felizes.
Para Rosenberg, também há negação de responsabilidade quando o falante atribui causalidade das suas ações e sentimentos a ações de outras pessoas. Como nesse exemplo, a mãe dizer “você faz com que eu me sinta triste quando não vem me visitar”. Rosenberg é categórico em afirmar que os sentimentos são sempre causados pela necessidade da própria pessoa.
A identificação de necessidades como causalidade, no entanto, é onde ocorre a maior divergência entre o Behaviorismo Radical e a CNV. Para Rosenberg, uma linguagem consciente das próprias responsabilidades seria funcionalmente um tato dos próprios pensamentos, sentimentos e ações que descrevam a causalidade deles como originadas na própria pessoa, mas especificamente nas suas necessidades. Logo, a tristeza da mãe não ocorre porque o filho não a visitou, mas porque ela tem a necessidade da presença do filho e essa necessidade não está sendo suprida. No mesmo sentido, um namorado não ficaria incomodado por causa dos gritos da namorada, mas porque ele tem uma necessidade de respeito que não é atendida quando há gritos.
Já para o Behaviorismo Radical, o relato de um sentimento está vinculado a uma contingência vivida por aquela pessoa, que tanto pode ser de reforço como de punição, e que, portanto, expressa uma relação de dependência entre um organismo e seu ambiente (Dittrich, 2008). Um grito pode eliciar uma série de respostas respondentes em alguém, que poderá ser chamado de ansiedade, por estar relacionado a contingências vividas pela pessoa em que os gritos puniram o seu comportamento. Logo, funcionalmente, os gritos da namorada têm uma relação de dependência com os sentimentos experimentados pelo namorado. Da mesma forma, o filho pode ser um estímulo reforçador para vários comportamentos da sua mãe, então a ausência desse estímulo pode eliciar sentimentos de tristeza.
Do mesmo modo, a necessidade da presença do filho vai ser fruto de uma relação de contingência, que dependerá do tempo de privação dessa presença, do histórico de reforçamento, dentre outros fatores. No mesmo sentido, uma necessidade de respeito, no exemplo acima, é fruto de uma história de reforçamento em que gritos se tornaram estímulos aversivos e no contexto atual a apresentação do grito cria uma operação estabelecedora aversiva. Portanto, na perspectiva comportamental, não é possível afirmar causalidade como sendo originada na necessidade, enquanto essa for uma característica do indivíduo que não sofre influências do ambiente.
Ainda que seja importante considerar essa distinção teórica na causalidade dos sentimentos e ações, se for considerado um aspecto pragmático de uma fala assertiva, as contribuições de Rosenberg quanto a afirmação de necessidades pode propiciar uma comunicação mais efetiva, que produza compaixão e potencialize os reforços positivos. Por exemplo, quando a mãe diz “eu fico triste porque você não vem me visitar” pode evocar comportamentos de defesa do filho, por se assemelhar a uma crítica ou julgamento moral, sendo, portanto, para ele, um estímulo aversivo. Já a fala “eu fico triste, porque tenho necessidade da sua presença” tende a provocar empatia e compaixão. Na primeira situação ela manteria o filho longe, na segunda há mais chances do filho se aproximar. Portanto, quando o terapeuta comportamental utilizar a CNV é importante ainda levar em conta as relações de contingência que produzem um sentimento, mas levar também em consideração a forma de comunicação mais assertiva.
Tendo isso em vista, vale apontar quais são os tipos de negação de responsabilidade que Rosenberg aponta como dificultadoras do estabelecimento da comunicação empática. Essas ocorrem quando os pensamentos, sentimentos e atos são atribuídos a forças vagas e impessoais (porque tenho que, porque quis), diagnósticos ou características pessoais (porque sou depressiva, porque sou organizada), ações dos outros, ordens de autoridade (fiz porque meu chefe mandou), pressão do grupo, regras, papeis sociais ou impulsos incontroláveis.
A expressão da necessidade é o terceiro componente da CNV, sendo este um componente fundamental, justamente porque ocorre a responsabilização da pessoa pelos seus sentimentos. Rosenberg afirma que julgamentos morais são sempre expressões de necessidades não atendidas. A mãe que diz ao filho que ele é ingrato porque ele não a visita, estaria dizendo da sua necessidade de reconhecimento. A namorada que fala que o namorado é frio, está falando da sua necessidade de carinho. O reconhecimento das próprias necessidades é então essencial para reduzir o julgamento do outro e deixar a fala sob controle de estímulos privados do falante.
Nessa concepção, pode-se compreender as necessidades como tatos de operações estabelecedoras ou de estímulos reforçadores relacionados aos valores do falante. Valores são descrições verbais de reforçadores que trazem satisfação pessoal e um sentimento de realização (Assaz et al., 2018). Quando estes estímulos são tateados para o ouvinte, torna mais provável o sentimento de compaixão e que haja empatia pelo que ele de fato precisa.
A partir disso, Rosenberg discute, inclusive, o que ele chama de libertação emocional. Para ele, as pessoas não são ensinadas a expressar necessidades e por isso também não são capazes de reconhecê-las. À medida que uma pessoa aprende quais são suas necessidades e que não é responsável pelo sentimento do outro, ela pode agir não por culpa ou raiva, mas porque verdadeiramente sente compaixão pelo outro. No exemplo discutido até agora, suponhamos que o filho visite os pais em uma relação de reforço negativo, visto que quando os visita ele elimina críticas ou expressões de sentimentos negativos dos pais, que quando apresentadas geram culpa. Nesse caso, Rosenberg diz que ele os visita para que não se sinta culpado, portanto, ainda está preso emocionalmente. Ele agiria com raiva quando não fosse visitar os pais, porque ele se afasta dessa situação para evitar críticas, o que o torna pouco provável de se conectar emocionalmente com as necessidades dos pais. Na libertação emocional, o filho poderia reconhecer quais são as suas próprias necessidades que são atendidas quando ele visita os pais, que pode ser de demonstrar gratidão ou de ter a companhia dos pais ou mesmo de ver os pais felizes. Dessa forma, o filho agiria em uma contingência de reforço positivo. Mas se não houver nenhuma necessidade do filho que é atendida nessa visita? Para Rosenberg, ele então não deveria mais visitar os pais.
A identificação de necessidades é mais um componente que pode favorecer o repertório de autoconhecimento. Diante de uma observação de um evento público (componente 1), a pessoa identifica os seus sentimentos (componente 2) e como ambos estão relacionados aos seus valores, ao que faz sentido em sua vida e como gostaria de viver. Mais uma vez, é interessante deslocar o controle do comportamento verbal das ações do outro para os próprios eventos privados, tanto porque facilita o ouvinte de se conectar emocionalmente, mas também porque tira do falante o papel de avaliar o que o outro faz, para ter o papel de identificar o que ele precisa. O que dá espaço para o próximo componente, o pedido e torna a comunicação mais clara e objetiva.
Pedido é o último componente da CNV. Em relação a esse componente, Rosenberg destaca que a fala que faz parte de contingências de controle aversivo e que não produzirão compaixão é o pedido como exigência. O pedido como exigência ocorre quando um mando é emitido sem que o ouvinte tenha a liberdade para negar atender tal pedido. Isso é controle aversivo porque as consequências de não atender ao mando do falante será a produção de estímulos aversivos (punição positiva) ou perda de reforçadores (punição negativa), o que pode fazer com que a pessoa atenda ao mando para eliminar a aversividade da situação (reforço negativo). De forma explícita isso poderia ocorrem em: “Se você não limpar a casa hoje, você ficará de castigo” ou até mesmo, de forma implícita pode estar descrito que ao não atender ao pedido, a pessoa poderia perder aquela relação ou carinho e afeto. Quando há predominância de contingências de controle aversivo, não haverá compaixão entre as pessoas.
Para atender os critérios da CNV, o pedido deve estar relacionado a uma ação do ouvinte que irá atender a necessidade expressada pelo falante. Portanto, o pedido é um mando puro e simples, já que está sob controle de operações estabelecedoras e especifica um reforçador para a sua fala. Ocorre que a expressão do mando acompanhada de todos os outros componentes facilita a empatia no ouvinte, há mais chances de que ele sinta compaixão, e aumenta a probabilidade de que ele provenha os reforçadores, comparada a uma situação em que só o mando é emitido ou o mando disfarçado de tato na forma de julgamentos.
Um elemento fundamental para que o pedido seja um pedido e não uma exigência é a liberdade do ouvinte para negar atender ao pedido. Isto é, não se deveria retirar reforçadores ou acrescentar estímulos aversivos quando o ouvinte escolhe não atender ao pedido. A mãe não deveria criticar o filho quando ele escolhe não a visitar. O namorado não deve dizer que a namorada é descontrolada quando ela continua gritando. Aceitar a negativa do pedido pode ser mais fácil quando o ouvinte informa os sentimentos e necessidades que o motivam a não atender ao pedido.
Ainda há duas dicas de Rosenberg para aumentar a efetividade do pedido, logo, a topografia do mando. Ele deve usar uma linguagem positiva, que especifique uma ação concreta, e ele não pode ser um mando disfarçado, o que o autor chama de um pedido consciente:
1. Rosenberg argumenta que dizer o que alguém não deveria fazer não irá especificar qual reforço o falante necessita, assim como quando não é especificado a ação concreta que o falante deve ter. A mãe que diz “quero que você não me esqueça”, não diz claramente que a companhia do filho é o que reforçará seu comportamento. Até em situação mais óbvias como “não deixe a toalha em cima da cama”, Rosenberg argumenta que deve ser dito onde se quer que a tolha fique, porque o ouvinte poderia simplesmente tirar a toalha da cama e colocar no chão, acreditando que atendeu ao pedido do falante. O mando deveria ser então “pendure a toalha no banheiro”.
2. Os mandos disfarçados também devem ser evitados porque não especificam os reforçadores que o ouvinte deve prover, mesmo nas situações em que isso pareça óbvio, como alguém diz que está com frio quando o ar-condicionado da sala de aula está ligado em 18º. O falante gostaria de um casaco emprestado, por exemplo, ou sentar-se em lugar mais afastado do ar condicionado? Por mais que pareça óbvio, quando o pedido é feito assim, não está claro que o reforço desejado é que se desligue o ar condicionado, o que dá margem para várias outras ações do ouvinte. Portanto, o mando é que deve ser utilizado para deixar a comunicação mais efetiva e não o mando disfarçado.
Para Rosenberg as dificuldades de fazer o pedido pode ocorrer por causa de uma dificuldade do próprio falante de identificar o que atenderia às suas necessidades. Quando uma mãe diz “estou triste com a sua ausência”, a mãe quer notícias constantes do filho? Visitas? Ajuda financeira? Inicialmente, é ela quem precisa reconhecer o que supre suas necessidades.
Finalmente, a CNV está completa quando se utiliza os 4 componentes. Nos exemplos apresentados ao longo das três postagens, poderia se utilizar a CNV completa da seguinte forma:
– Você está usando o celular enquanto eu estou falando com você, eu me sinto carente, porque eu preciso de atenção enquanto falo e valorizo nossos momentos íntimos. Você poderia olhar para mim enquanto falo?
– No último mês, você não veio me visitar. Eu me sinto triste, porque eu preciso da sua companhia. Você poderia me visitar no próximo fim de semana?
– Você gritou comigo na última conversa. Eu sinto um incômodo, porque eu preciso conversar em um tom de voz calmo. Poderíamos retomar a conversa em um tom de voz ameno?
Ainda que não haja evidências empíricas sistematizadas sobre a eficácia da CNV, Rosenberg a aplicou em diferentes contextos, inclusive, para a resolução de conflitos de países com conflitos históricos. Por isso, a CNV é consolidada como uma ferramenta para aprimorar relacionamentos interpessoais.
Ao longo das três postagens, foi demonstrado como pode-se ter uma compreensão funcional dos componentes e princípios da CNV. O terapeuta comportamental que conhece a CNV pode auxiliar o seu cliente a identificar estes elementos da comunicação que o ajudarão a discriminar eventos privados e criar relações melhores. A linguagem da CNV também facilita a compreensão do cliente e lhe dá uma ferramenta clara e objetiva. Vale terapeuta e cliente discutirem a sua aplicabilidade em contextos específicos da vida do cliente, visto que adaptações culturais da CNV podem ser importantes. Ainda assim, certamente será uma ferramenta com grande potencial de criar relações melhores.
Referências
Assaz, D. A., Kovac, R., Oshiro, C. K. B. & Meyer, S. B. (2018). A terapia de aceitação e compromisso. Em: Antunez, A. E. A.; Safra, G. (orgs) Psicologia Clínica da Graduação à Pós-Graduação. Rio de Janeiro: Atheneu.
Ditrrich, A. (2008). Algumas observações sobre o tratamento behaviorista radical dos eventos privados. Em: da Silva, W. C. M. Sobre Comportamento e Cognição: vol 22. Esetec: Santo André.
Rosenberg, M. B. (1999). Comunicação não violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora.
Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New York: Appleton.
Como citar este artigo (APA):
Ferreira, F. F. H. (2024, 01 de novembro). Uma conversa entre a Comunicação Não Violenta (CNV) e a Análise do Comportamento – Parte III. Blog do IBAC. https://ibac.com.br/uma-conversa-entre-a-comunicacao-nao-violenta-cnv-e-a-analise-do-comportamento-parte-iii/