No que se refere a super-heróis, eu gosto do Batman.
Confesso que não sou fã de alienígenas que se acham superiores a humanos, como o Superman. Não aprecio deuses nórdicos disfarçados porque, afinal, quem consegue competir com um deus, como o Thor, lindo e loiro?
Por isso, para mim, Batman é o super-herói mais humano, mais falível, mais esforçado, com um poder que eu acho bastante interessante: o poder aquisitivo.
Gosto também das reflexões e lições sobre comportamento que os filmes do Batman nos trazem.
Em Batman Begins (2005), Bruce Wayne encontra Rachel, o amor da vida dele desde a infância, depois de anos separados. Ele está saindo do hotel que acabou de comprar porque duas amigas resolveram nadar no espelho d’água do restaurante. Para não ficar mal na frente da amada, ele tenta se defender e afirma que é legal, que no fundo, no fundo não mudou. E o que ela diz? “Não é o que você é por dentro. Mas sim o que você faz é que define você”. Mais behaviorista impossível!
Outro trecho sensacional em termos comportamentais é esse:
Entra em cena um contador que descobriu que o Bruce Wayne e o Batman são a mesma pessoa e está gastando dinheiro da empresa para financiar a vida de herói. Claro, é caro ser herói. O contador pede 10 milhões de dólares para manter o silêncio sobre sua descoberta. Então o Lucius Fox, dirigente da empresa, pergunta se ele está conseguindo discriminar a contingência: “Deixa eu ver se eu entendi. Você acha que um dos homens mais ricos e poderosos do mundo é um justiceiro secreto que espanca criminosos com suas próprias mãos… e seu plano é chantagear essa pessoa? Boa sorte!”
Em outras palavras, que tal fazer uma análise molar e não molecular desse caso?
O Batman também é meu favorito pela coleção extensa e variada de arqui-inimigos. Tem o Duas Caras, para nos trazer a dimensão do self contextual da ACT; tem a Hera Venenosa, sedutora e perigosa, ofertando tudo que uma operação motivadora pode dar; tem o Pinguim, a Mulher Gato, o Charada, a lista é imensa.
O arquirrival perfeito, no entanto, é o Coringa, que protagoniza as melhores cenas e tem um filme só seu.
No filme Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008), o Coringa assume o controle de dois barcos e afirma a todos em Gotham City que vai fazer um “experimento social”. Em um dos barcos há civis; no outro, há criminosos que estavam sendo resgatados. Em ambos os barcos há explosivos, e cada barco tem o controle para detonar o outro. Então, o Coringa dá um prazo para que um destrua o outro, e se nenhum barco for destruído, ele detonará ambos simultaneamente.
Isso vira um dilema ético complexo: sacrificar a vida dos outros para salvar a própria vida ou recusar-se a matar inocentes, mesmo que isso signifique arriscar suas próprias vidas? Parece mais óbvio que os criminosos, por assim o serem, detonem o barco dos civis sem titubear. Mas será que é isso o que acontece? Não vou dar spoilers. Se você não viu o filme, corra para assistir.
Essa cena representa o dilema do prisioneiro, um problema clássico da teoria dos jogos que envolve a análise matemática da interação estratégica entre dois rivais, uma combinação de cooperação versus interesses próprios. O dilema do prisioneiro foi proposto inicialmente por Merrill Flood e Melvin Dresher na década de 1950 e vem sendo estudado desde então, por diversas áreas do conhecimento: Psicologia, Direito, Economia, Biologia.
No dilema clássico, a polícia captura dois criminosos, A e B, e os interroga em salas separadas. Durante o interrogatório, os policiais chegam no criminoso A e dizem:
– Se você delatar o B, a gente deixa você ir embora e ele pega 20 anos. Mas se os dois delatarem, ambos pegam 5 anos.
O mesmo é dito para o prisioneiro B.
Se ninguém delatar, ambos ficam presos por 1 ano.
Detalhe: não há como saber o que o outro irá fazer. ambos estão preocupados com seu próprio bem-estar, mesmo que isso implique a prisão de ambos.
Se você fosse o prisioneiro A, como agiria?
Normalmente, o jogo é feito de forma sequencial, em várias rodadas e os experimentos avaliam como as pessoas se comportam quando um dos prisioneiros delata ou coopera, de forma recíproca ou contrária ao outro prisioneiro.
Diversas aplicações na vida real se parecem com esse dilema. Por exemplo:
– No trânsito: a pessoa A pode ir mais rápido se usar o próprio carro, mas todos podem ganhar mais se todos usarem o ônibus. Se A usar o carro e B o ônibus, B demora mais e A chega antes.
– Na guerra: o soldado A vai sair ileso se correr, mas se todos fizerem isso, todos os soldados podem ser mortos mais facilmente, e o país perde a guerra.
– Na pesca: vale a pena para o pescador A pescar mais que os outros. Porém todos perdem se todos os pescadores pescarem todos os peixes, sem que haja tempo para os peixes se reproduzirem (Aqui está outro dilema, o dos pescadores. Voltarei a ele em outra coluna).
– Na fila do supermercado ou do cinema: se A furar a fila, A é atendido primeiro. Porém se todos furarem a fila, vira uma confusão e ninguém será atendido.
– No clima: ao ligar o ar condicionado no verão, A deixa a sala mais fresquinha. Porém se todas as pessoas fizerem o mesmo, o mundo fica mais quente, pelo consumo de energia, pela troca do ar frio com o ar quente, entre outras mudanças climáticas, o que pode levar a novos e quentes verões no futuro.
Outras situações ainda são possíveis, relacionadas a cometer crimes, quebrar contratos, fazer promoções no comércio, até mesmo para competições biológicas entre espécies em um mesmo território. Em todos esses exemplos, se indivíduos fizerem o melhor para si mesmo ou apenas para seu grupo mais próximo, sem cooperar, todos perdem.
Claro que ainda há perguntas que precisam ser analisadas no dilema dos prisioneiros, inclusive o que controla o comportamento de cooperar. H. Rachlin, um dos pesquisadores do tema na Análise do Comportamento, afirma que a cooperação é uma forma de autocontrole, e o dilema do prisioneiro é o autocontrole dirigido ao grupo.
Ou seja, é possível cooperar com você mesm@ no futuro, controlando suas respostas que estejam vinculadas a reforçadores de maior magnitude, como no autocontrole clássico. Mas também é possível cooperar com o grupo maior, controlando respostas que ofertem reforçadores de maior magnitude para todos.
Talvez só aprendamos a nos preocupar com nosso bem-estar futuro porque primeiro aprendemos a nos importar com os outros.
Ser herói não é apenas uma questão de força física invejável ou poderes extraordinários. Ser herói é fazer escolhas significativas e éticas, diariamente, olhando para si, olhando para seu eu futuro, e olhando para o mundo em que se vive.
Cooperação e altruísmo podem ser superpoderes. Que herói você quer ser?
Para saber mais:
Axelrod, R. (1980). Effective Choice in the Prisoner’s Dilemma. Journal of Conflict Resolution, 24(1), 3-25. doi: 10.1177/002200278002400101
Fidelis, D. P., & Faleiros, P. B. (2017). Dilema do prisioneiro na análise experimental do comportamento: uma revisão sistemática da literatura. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 13(1). doi: 10.18542/rebac.v13i1.5262
Locey, M. L., Safin, V., & Rachlin, H. (2012). Social discounting and the prisoner’s dilemma game. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 99(1), 85–97. doi: 10.1002/jeab.3
Locey, M. L., & Rachlin, H. (2012). Commitment and self-control in a prisoner’s dilemma game. Journal of the experimental analysis of behavior, 98(1), 89–103. doi: 10.1901/jeab.2012.98-89
Como citar este artigo (APA):
Carreiro, P. L. (2024). Super-heróis, vilões e o dilema do prisioneiro. Blog do IBAC. https://ibac.com.br/super-herois-viloes-e-o-dilema-do-prisioneiro/