O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento presente em cerca de uma em cada 44 crianças de até 8 anos, que se manifesta antes dos 24 meses, caracterizado por déficits persistentes na comunicação e interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades.
Para introduzirmos o assunto, precisamos antes conceituar a regulação emocional. Atualmente o modelo teórico de Regulação Emocional (RE) com maior suporte empírico é o Modelo Processual de Regulação Emocional proposto por James Gross. De acordo com esse modelo, a RE é o processo cognitivo capaz de controlar ou selecionar a resposta mais adequada para cada situação enfrentada, nesse sentido a RE seria o processo pelo qual o indivíduo influencia as emoções que sente, quando as sentem e como ele experimenta e expressa tais emoções.
As habilidades fundamentais para uma boa regulação emocional envolvem ser capaz de diferenciar, compreender a função e refletir sobre as emoções. No modelo de Gross, as emoções podem ser reguladas em cinco pontos no processo gerador de emoção, sendo eles: (1) seleção da situação, (2) modificação da situação, (3) redirecionamento da atenção, (4) mudança cognitiva e (5) modulação da resposta.
Na comunidade científica, tem crescido o interesse sobre a regulação emocional no Transtorno do Espectro Autista, visto que um conjunto de evidências têm sustentado a presença de estratégias mal adaptativas de RE no TEA, como ruminação, evitação e negação, devido ao gerenciamento inadequado das emoções. Além disso, a literatura já vem mostrando que jovens autistas relatam usar menos estratégias de RE e que, quando utilizam, o fazem de forma menos flexível. Algumas evidências sugerem que o comprometimento da regulação emocional é mais comum e mais grave em indivíduos com TEA comparado aos pares com desenvolvimento típico.
A hipótese mais estudada é que características inerentes ao Autismo, como inflexibilidade, alta demanda por rotina diária, menor capacidade de ler pistas sociais e reconhecer emoções de outras pessoas, além de dificuldades com a tomada de perspectiva, contribuem para um maior comprometimento da regulação emocional nesse público.
Alguns autores propõem que os déficits na Regulação Emocional também podem ser intrínsecos ao TEA, ainda que não esteja entre os critérios diagnósticos. Crianças com TEA parecem depender mais dos outros para regular suas emoções do que crianças com desenvolvimento típico, significando que talvez o desenvolvimento da RE é mais lento nesta população. Em idades mais avançadas (adolescência e vida adulta) a dependência contínua dos pais ou cuidadores para se acalmar (corregulação emocional) também é comumente observada.
Indivíduos com TEA usam a reavaliação cognitiva com menos frequência e isso se associa a maiores experiências de emoção negativa e se relaciona a maiores níveis de comportamento mal adaptativos. O prejuízo na regulação emocional em indivíduos autistas está correlacionado com mais comportamentos tidos como problemáticos (meltdown, autolesão) e com diagnósticos psiquiátricos comorbidos, agravando ainda mais o funcionamento social.
Há uma alta taxa de prevalência de transtornos psiquiátricos em crianças e adultos com TEA. Em crianças 70% (ou mais) vão ter uma comorbidade psiquiátrica e 41% terão duas ou mais. Esse número é igualmente alto no que diz respeito a adultos no espectro autista.
Dessa forma, desenvolver e aperfeiçoar habilidades regulação emocional pode ser um componente fundamental nas abordagens terapêuticas para o Transtorno do Espectro Autista, apesar disso, pesquisas sobre intervenção em RE para pessoas autistas são poucas. Essa limitação é ainda maior no caso de adolescentes e adultos autistas, não há uma modalidade de tratamento prática e específica desenvolvida de forma adequada para esse público.
Dificuldades no processamento de informações encontradas em indivíduos autistas indicam a necessidade de adaptação dos tratamentos já existentes para abranger essa população. Por isso, desde 2012, alguns esforços vêm sendo feitos para adaptar terapias como a ACT, a DBT e a RO-DBT para esse público. Como isso renderia assunto para outro(s) texto(s), encerro por aqui o assunto do dia e deixo uma reflexão: o quanto nós, enquanto psicólogos analistas do comportamento/terapeutas contextuais, estamos preparados para atender esse público? Além da ABA, estamos preparados para as demandas clínicas de pessoas autistas? O que estamos fazendo, ou construindo, para desenvolver habilidades de enfrentamento e uma vida valorosa nos adolescentes e jovens autistas que chegam até nós?
Bibliografia
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Escrito por:
Nathália Vasconcelos
Psicóloga clínica (CRP 03/25702). Integrante do Grupo de Estudos Avançados “Aprendendo sobre Pesquisa Clínica: por uma Prática Baseada em Evidências” (IBAC).