Psicoterapia: uma agência de controle que pode contribuir com a manutenção de preconceitos

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De acordo com Skinner (1953/1985) a psicoterapia pode ser compreendida como uma agência de controle, visto que se configura como pessoas e/ou organizações que selecionam determinados tipos de contingências, descrevendo antecedentes, respostas descritivas/regras/ordens e possíveis consequências caso o(s) indivíduo(s) ou grupo(s) siga(m) ou não a descrição/regra/ordem da contingência.

Uma agência de controle não necessita de um espaço físico, já que a mesma se organiza através de instituições de poder, classificando os comportamentos da população de forma dual. Ou seja, se os indivíduos ou grupos se comportarem da forma como a agência especifica, as consequências serão reforçadoras (reforço positivo); porém, quando o comportamento não é compatível com a descrição/regra/ordem dada pela agência, as consequências tendem a ser baseadas no controle aversivo (reforço negativo, punição positiva e/ou negativa) (Skinner, 1953/1985; Todorov, 2020).

Skinner (1953/1985) explica e exemplifica as principais agências em ‘Ciência e Comportamento Humano’: governo, religião, economia, educação e psicoterapia. O governo, a religião, a economia e a educação utilizam com mais frequência do controle coercitivo para que os comportamentos sejam emitidos conforme a instituição orienta/manda. Contudo, a psicoterapia é a única agência que não controla os indivíduos ou grupos a partir da coerção (pelo menos não no início da psicoterapia) (Moreira, 2013).

Apesar de ser compreendida como uma agência de controle, a psicoterapia não é uma instituição organizada tal como o governo ou a religião, nem mesmo no que se refere às abordagens teóricas (análise do comportamento, psicanálise, cognitivismo, humanismo, entre outras). A psicoterapia está designada como uma profissão e os membros dessa profissão realizam procedimentos ‘mais ou menos’ padronizados dentro de suas abordagens. Apesar da psicoterapia ser realizada em nível individual ou em pequenos grupos, essa agência é controlada através do Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005), que se baseia em regras de conduta de outras agências. Por exemplo, a descriminalização e aceitação do aborto é um assunto recorrente entre psicólogas e psicólogos, porém a lei no Brasil criminaliza o aborto em quase sua totalidade, impedindo que esse assunto seja levado para a psicoterapia por medo de que a/o psicoterapeuta seja contra a descriminalização do aborto e denuncie a cliente.

Em consonância com outras agências, a psicologia, mais especificamente a psicoterapia, “trata” comportamentos desviantes ou considerados inadequados socialmente muitas vezes sem questionar essa inadequação ou desvio. Esse julgamento comportamental acontece em função dos subprodutos do controle exercido por outras agências (Skinner, 1953/1985; Moreira, 2013). Todas as agências exercem algum tipo de controle nas abordagens da psicologia clínica e no código de ética. Isso significa que as/os psicoterapeutas precisam questionar continuamente suas práticas, questões sociais e culturais, política etc., pois tais práticas perpassam pelo controle aversivo das outras agências citadas anteriormente.

Além disso, a psicoterapia tem o poder de controlar, mais do que as outras agências, o comportamento individual ou grupal daquelas e daqueles que se propõem a fazer psicoterapia. Por ser principalmente reforçadora no início do processo, o(s) indivíduo(s) ou grupo(s) tendem a acreditar e confiar em suas/seus terapeutas como se fossem proprietárias/os do ‘suposto saber’ (em algumas abordagens esse risco de controle é ainda maior e muitas vezes a/o profissional não se responsabiliza pelo efeito na vida das pessoas) (Sidman, 1989/2003; Moreira, 2003).

A questão que fica é: como lidar com esse controle com ética, sensibilidade, senso crítico, e lutar contra os estigmas relacionados ao preconceito? Eu, particularmente, não tenho uma resposta para isso; porém, acho importante fazer alguns apontamentos relacionados à minha prática clínica sobre formas de lidar com esse controle aversivo em uma busca pela maior liberdade possível para nossas/os clientes (Andrade & Regis Neto, 2010):

  • Consultar o Código de Ética Profissional do Psicólogo e o Conselho Regional de Psicologia sempre quando necessitar;
  • Estudar sobre cultura em Análise do Comportamento;
  • Estudar sobre cultura em áreas em que a análise do comportamento ainda não adentrou (filosofia, outras abordagens da psicologia, antropologia, história etc.);
  • Compreender a atuação das agências de controle e tentar identificar outras agências que estão em vigor nesse momento da história (por exemplo: mídia);
  • Compreender como as agências de controle interagem entre si ganhando mais força para controlar seus controlados;
  • Escutar sua ou seu cliente e questionar (nessa ordem): fisiologia/biologia (existem questões próprias do sexo feminino que precisam ser compreendidas, bem como patologias que mascaram ou mimetizam sintomas depressivos e/ou ansiogênicos), cultura/sociedade e ontogenia (muitas vezes, nós terapeutas começamos a formulação de casos a partir da ontogenia e responsabilizamos as/os clientes pela sua própria dor que pode ter tido origem no âmbito biológico e/ou social);
  • Questionar as leituras analítico-comportamentais a partir do momento histórico em que aquele material foi escrito;
  • Participar de discussões sobre cultura e sociedade;
  • Estudar sobre questões relacionadas à ambos os sexos (machismo), questões raciais, de classe, homossexualidade e bissexualidade, amor-romântico, monogamia e não-monogamia (por exemplo: nós tomamos como indiscutível as relações monogâmicas e o amor-romântico como práticas naturais e quem se desvia disso é considerada(o) como alguém que não sabe aceitar o amor – sendo a monogamia e o amor-romântico classista e racista);
  • Se questionar quando clientes diferentes trazem sofrimentos semelhantes, pois estes sofrimentos podem estar relacionados à questões culturais ou sociais;
  • Dialogar com psicoterapeutas que estudam sobre cultura;
  • Ajudar e ensinar as/os clientes a participarem de forma direta ou até indireta na busca por mudanças no âmbito cultural dentro da sua própria comunidade, mas para isso é necessário que a/o terapeuta esteja fazendo o mesmo;
  • Auxiliar as/os clientes a emitirem comportamentos de contracontrole relacionado à todas as agências;
  • Mostrar para as/os clientes que a/o psicoterapeuta é humana(o), possui características próprias, medos, desejos, família, amigos, uma vida social etc. para que o controle que a/o terapeuta possa exercer ao longo do tempo na vida das pessoas tende a diminuir e a pessoa possa exercer sua estreita liberdade da forma como for possível (Tsai, Kohlemberg, Kanter, Kohlemberg, Follette, Callaghan (2011);
  • Ajudar as/os clientes a compreenderem que a dor delas e deles está mais relacionada às questões culturais/sociais do que a história de vida deles e delas.

Imagem: www.canva.com

Desta forma, nós, psicoterapeutas, iremos tentar diminuir os estereótipos relacionados aos preconceitos, ajudar as/os clientes na aceitação de questões culturais como responsáveis pelo sofrimento vivenciado e viver da forma como for possível ou valorosa em uma sociedade preconceituosa.

Sugestões de leitura:

Andrade, D. M. & Regis Neto, D. M. (2010). Liberdade e autocontrole: Uma discussão sob o enfoque analítico-comportamental. In: Pessôa, C. V. B. B.; Costa C. E. & Benvenuti, M. F. (Orgs.). Comportamento em foco 1. 2010.

Conselho Federal de Psicologia (2005). Código de Ética Profissional do Psicólogo, Resolução n.º 10/05.

Moreira, L. S. (2013). Contexto Psicoterapêutico como Agência de Controle: Reflexões a Partir da Ética Skinneriana. Brasília: Monografia apresentada ao Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento para obtenção do Título de Especialista em Análise Comportamental Clínica.

Sidman, M. (1989/2003). Coerção e suas Implicações. Campinas: Livro Pleno.

Skinner, B. F. (1985). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.

Todorov , J. C. (2020). Comportamento e Cultura: análise e interações. Brasília: Technopolitik.

Tsai, M; Kohlenberg, R. J.; Kanter, J. W.; Kohlenberg, B.; Follette, W. C.; Callaghan, G. M. (2011). Um Guia para a Psicoterapia Analítico Funcional (FAP): Consciência, Coragem, Amor e Behaviorismo. Santo André: ESETec.

Escrito por:

Ana Clara Almeida Silva

Psicóloga, Doutoranda e Docente do curso de Pós-Graduação em Análise Comportamental Clínica e no curso de Formação em FAP do IBAC.

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