Mais ou menos? A difícil escolha entre minimalismo e acumulação

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No mundo minimalista, a expressão “menos é mais” é usada para simbolizar uma vida mais simples, com escolhas mais certeiras. Em vez de ter muitas coisas, muitos objetos, muitas roupas, muito de tudo, os minimalistas optam por ter mais experiências e possuir apenas as coisas que façam sentido para a vida.

A tendência minimalista veio se instalando no mundo para compensar momentos anteriores de excesso nas artes, nos movimentos culturais e nas ciências.

Em um universo com tantas opções, em vários momentos os indivíduos se veem com dificuldade de fazer escolhas. Isso acontece especialmente se os recursos que dão acesso a essas opções são escassos.

O exemplo típico é a Netflix e outros serviços de streaming. Já começamos por aí: se antes havia só Netflix, hoje há pelos menos outros seis bons serviços que competem pela sua assinatura e pelo seu tempo. Depois de escolher em qual streaming você vai ficar, lá vem uma das escolhas mais difíceis da existência humana: o que assistir no sábado à noite (supondo que você vai ficar assistindo séries e não vai escolher ainda outras tantas opções de lazer disponíveis na vida).

Quando os nossos pais eram crianças, só havia uma opção – a boa e velha TV aberta, em que todo mundo assistia a mesma coisa, ao mesmo tempo. Nada de ficar escolhendo o que quer assistir.

Ter liberdade de escolha traz uma sensação de que seremos mais felizes assim. Mas, será mesmo? A liberdade de escolher somada aos recursos escassos gera, de modo geral, uma sensação de incompletude e muita insegurança de ter feito ou não a escolha certa.

É o que o psicólogo americano Barry Schwartz defende em seu livro “O Paradoxo da Escolha”. Ter muitas opções parece ser melhor do que ter uma opção só, mas ao mesmo tempo, ter muitas opções parece ser também pior, porque nunca sabemos se acertamos.

Esse fenômeno da dificuldade de escolha aparece em diversos campos da nossa vida. Não só em termos de compras e produtos no supermercado, embora esse seja o caso típico. Você já foi a um hipermercado e analisou a prateleira de shampoos? Além das diversas marcas, há shampoos para cabelos secos, olesosos, tingidos, ressecados, com vitamina, sem vitamina, para o sol, para a chuva, para cabelos longos, para cabelos curtos, para não cair, para crescer. Ufa… E estamos falando de shampoo, apenas.

Crédito: Unsplash

Para quantos outros produtos precisamos fazer essa mesma contabilidade do que é melhor, maior, mais saudável, mais forte, mais fraco, mais sabor, menos sal, menos açúcar, mais barato, rende mais? Gasta-se muito tempo analisando todas as possibilidades. Por isso, de modo geral, consumidores optam por marcas conhecidas e por produtos que já compraram antes, para evitar o desgaste da escolha.

O paradoxo da escolha também aparece em outros campos como a educação de filhos (que escola devo colocar? qual aspecto priorizar? preciso ler todos os livros que falam de educação infantil?), escolhas amorosas (entre tantas opções no Tinder, qual parece melhor? e se eu for para o Happn?), vida acadêmica (quantos artigos científicos eu preciso ler para dominar um assunto?), carreira, amizades, lazer e hobbies, e tantos outros.

Barry Schwartz defende que, quando há muitas opções, temos a ideia de que uma delas seria perfeita, e ficamos paralisados tentando achá-la a todo custo. Viramos e reviramos todas as alternativas para definir critérios que nos ajudem a maximizar nossa escolha e nos aproximar a opção perfeita. Mas muitas opções levam a uma paralisia da escolha – guarde esse termo, porque já vamos falar sobre isso na clínica.

Depois de escolher uma delas (não necessariamente a perfeita, até porque dificilmente saberemos se ela de fato existe), ficamos nos perguntando: “Será que escolhi bem?”. E provavelmente nos sentimos mais frustrados do que se apenas pegássemos a única opção disponível, sem escolha. Por outro lado, se não pudéssemos mais escolher, será que nos sentiríamos felizes?

Para demonstrar esse fenômeno, Schwartz fez um experimento em um supermercado. Ele apresentou 24 sabores de geleia como degustação para consumidores. Embora tenha havido um grande interesse na degustação, apenas 3% dos consumidores que provaram as geleias finalizaram a compra. Em outro supermercado, foram apresentados 6 sabores de geleia. Menos consumidores demonstraram interesse em provar, mas 30% dos que provaram levaram uma geleia para casa.

Por que a Coca-Cola faz sucesso? Talvez porque seja apenas Coca-Cola, no máximo, uma versão zero açúcar, para não complicar demais.

E, como eu disse, não é apenas no comportamento do consumidor que o paradoxo da escolha pode ser observado. Podemos ver o fenômeno na clínica também.

Por exemplo, uma demanda que gera a paralisia da escolha é a queixa da procrastinação – cada vez mais frequente. Uma análise funcional básica pode evidenciar que, em certos casos, quanto mais opções ou coisas uma pessoa tem para fazer, tanto maior será a tendência em “enrolar” para fazer alguma coisa. A pessoa tem 2 livros para ler, 4 resumos para entregar, 6 amigos para visitar, 8 séries para assistir, mas larga tudo e fica rolando a tela no Instagram. São tantas coisas que precisam ser feitas, que às vezes a pessoa nem saber por onde começar. É claro que há também a questão do custo de resposta e das operações motivadoras em vigor, que precisam ser vistas caso a caso.

E nisso de ficar nas redes, temos as pessoas que passam horas conectadas nas redes sociais, para terem certeza de que viram e acompanharam tudo o possível de seus amigos. É o que se conhece por FOMO (fear of missing out), ou medo de perder alguma coisa. Com tantas opções, não podemos nunca deixar de ver todos os perfis e ficamos paralisados diante das infinitas informações, postagens, comentários etc.

Mas talvez uma demanda clínica em que a paralisia da escolha mais apareça seja o Transtorno de Acumulação. Esse transtorno é caracterizado, de acordo com o DSM, pela dificuldade de descartar ou se desfazer de pertences, muitas vezes sem valor real. O indivíduo sente uma forte necessidade de manter o objeto e relata muito sofrimento para o descarte. Por exemplo: algumas pessoas guardam jornais antigos porque acreditam que possam ter alguma informação relevante para ser utilizada, ou caixas e sacolas que podem ser reaproveitadas, ou compram roupas em excesso, sabendo que não conseguirão vestir todas na mesma proporção em que compram. O sofrimento das pessoas com esse transtorno não está apenas no descarte, mas às vezes na impossibilidade de adquirir o item.

Ele é diferente do comportamento de colecionar, que pressupõe uma organização sistemática e a discriminação de objetos mais raros e valiosos da coleção, contra outros mais comuns.

Crédito: Unsplash

A análise funcional do comportamento de acumulação passa pela dificuldade que o indivíduo tem de discriminar o que é valioso do que não é, o que é útil do que não é. Pelos inúmeros objetos que temos à nossa disposição, a avaliação do que queremos, do que nos serve, do que é melhor, ou pior, ou mais saudável, é muito complexa. Para alguns indivíduos, ela é tão complexa que se torna quase impossível. Passa-se então à opção de manter tudo para não precisar fazer essa escolha. Não raro, indivíduos com esse transtorno também relatam indecisão quanto a outras escolhas na vida, procrastinação e dificuldade em planejar e organizar tarefas.

O grande desafio na clínica é como trazer para a vida real o modelo que o minimalismo defende, de que são as experiências que precisam ser guardadas e não os objetos. De que tanto faz qual escolha fazer, sempre haverá outras possibilidades que podem ser escolhidas depois. Que o melhor mesmo é estar no presente e escolher a opção que faz sentido aqui e agora.

Para terminar, deixo um trechinho de Cora Coralina, que dizia:

Mesmo quando tudo parece desabar,

cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar;

porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir.

Veja abaixo o Ted Talk do B. Schwartz em que ele explica o paradoxo da escolha:

Referências e sugestões de leitura

Reed, D. D., Kaplan, B. A., & Brewer, A. T. (2012). Discounting the freedom to choose: Implications for the paradox of choice. Behavioural processes90(3), 424-427. https://doi.org/10.1016/j.beproc.2012.03.017

Schmidt, D. R., Della Méa, C. P., & Fortes Wagner, M. (2014). Transtorno da Acumulação: características clínicas e epidemiológicas. CES Psicología7(2), 27-43. https://revistas.ces.edu.co/index.php/psicologia/article/view/2895

Schwartz, B. (2007). O paradoxo da escolha: por que mais é menos. São Paulo: A Girafa Editora.

Escrito por:

Patrícia Luque

Supervisora de Estágio no IBAC. Psicóloga clínica. Doutora em Ciências do Comportamento e Mestre em Psicologia pela UnB

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