Muitas vezes chegam ao consultório demandas relacionadas a diagnósticos. Seja porque nosso cliente passou por uma consulta psiquiátrica previamente, seja por buscar esse tipo de coisa na internet e se perceber “pertencente” a uma série de critérios que podem caracterizar algum transtorno.
Parece que as pessoas estão preocupadas em encontrar um “nome” ou uma classificação para as coisas, em especial para os comportamentos. Em certo ponto, somos ensinados a buscar uma resposta e também uma receita pronta para lidar com muitas situações. Acontece que o ser humano é muito mais complexo… Mas antes de falar um pouco sobre isso, vamos relembrar do que se trata, de fato, a psicopatologia.
Inicialmente, vale lembrar que a palavra psicopatologia significa “estudo das doenças da alma/mente”. Está relacionada a explicações com base em desequilíbrios cognitivos, cerebrais, mentais etc. Sabe-se que desde a Grécia Antiga há uma necessidade de classificar doenças mentais. Ao longo do tempo, os manuais surgem para auxiliar a medicina, primariamente, a identificar critérios que pudessem categorizar e padronizar, por exemplo, a entrevista clínica. Assim, as soluções para essas questões têm base nos tratamentos farmacológicos. Dessa forma, o critério de “normalidade” é tido a partir da estatística ou da observação de comportamentos caóticos.
Porém, qualquer pessoa se identificaria facilmente com muitas descrições presentes nos critérios diagnósticos. Você já leu os critérios relacionados aos transtornos de ansiedade? Desse ninguém escaparia!!!
E, por esse motivo, para a análise do comportamento, o critério a ser utilizado é o do sofrimento. Ou seja, comportamentos que possuem sua intensidade, frequência e duração afetando a qualidade de vida, saúde e dia a dia do indivíduo. Nessa perspectiva, os comportamentos “psicopatológicos” também precisam ser explicados e compreendidos como quaisquer outros comportamentos. São comportamentos também selecionados e que possuem função. É importante identificar as variáveis que os influenciam e sob que circunstâncias ocorrem.
Isso não significa que os manuais sejam desnecessários. A realidade é que facilita, por exemplo, comunicação entre diversos profissionais, com o próprio cliente etc. A questão aqui é entende-los como registros topográficos que classificam comportamentos, mas não como algo que os explica.
Então ficam algumas reflexões com base em frases comumente ouvidas em consultório…
1) Será que tenho transtorno mental? – Primeiro que a palavra “transtorno” tem a ver com algo fora de ordem. Porém, nossos comportamentos não são coisas metafísicas, sobrenaturais ou algo parecido. Pelo contrário, fazem parte do mundo natural e, portanto, obedecem minimamente a leis gerais. Inclusive, o termo “mental” parece não fazer sentido. O que é isso? Nem ocupa lugar no tempo e no espaço!
2) Um diagnóstico é importante! – É mesmo? E aí… Após receber um diagnóstico, o que muda? Talvez nada, a não ser que agora você pode agrupar vários dos seus comportamentos em uma classificação específica. Esses nomes dados aos comportamentos não explicam nada sobre de onde vem esses comportamentos ou o que os mantêm.
3) Um rótulo diz muito sobre nós… – Será? Como o próprio nome diz, é um rótulo. Talvez seja o mesmo que diagnóstico, em muitos casos. Isso não resume sequer 1/10 do que realmente somos e fazemos.
4) Fazer terapia resolve? Ou seria melhor lidar só com psicofármacos… – Muitas vezes é inevitável, importante e essencial que os medicamentos façam parte do seu tratamento. Mas lidar “só” com isso pode ser o mesmo que jogar a poeira para debaixo do tapete. Ela (a poeira = comportamentos indesejados etc.) permanece lá e tudo parece tão limpo… Mas uma hora ficará insustentável e você precisará lidar com isso.
Referências e sugestões de leituras:
Banaco, R. A., Zamignani, D. R., Martone, R. C., Vermes, J. & Kovac, R. (2012). Psicopatologia. Em M. M. Hubner & M. B. Moreira (Orgs.), Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento (pp. 154-166). Rio de Janeiro, RJ: Guanabara.
Banaco, R. A.; Zamignani, D. R. & Meyer, S. B. (2014). Função do Comportamento e do DSM: Terapeutas Analítico-comportamentais Discutem a Psicopatologia. Em: E. Z. Tourinho & S. V. Luna (Orgs.), Análise do Comportamento Investigações Históricas, Conceituais e Aplicadas (pp. 175-191). São Paulo: Roca.
Britto, I. A. G. S. (2012). Psicopatologia e Análise do Comportamento: algumas reflexões. Boletim Contexto, 37(2), 55-76. https://abpmc.org.br/arquivos/publicacoes/1405369626aca352164b09.pdf
Bueno, G. N., Nobrega, L. G., Magri, M. R., & Bueno, L. N. (2014). Psicopatologias de acordo com as abordagens tradicional e funcional. Comportamento em foco 4, 27-37. https://abpmc.org.br/arquivos/publicacoes/141622281567a933aae65d.pdf#page=27
Cavalcante, S. N., & Tourinho, E. Z. (1998). Classificação e Diagnóstico na Clínica: Possibilidades de um Modelo Analítico-Comportamental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 14(2), 139-147. https://core.ac.uk/download/pdf/231212988.pdf
Sturmey, P., Ward-Horner, J., & Doran, E. (2020). Structural and Functional approaches to psychopathology and case formulation. Em P. Sturmey (Ed.), Functional Analysis in Clinical Treatment (Second Edition), 1-23.