O que você faz quando ninguém te vê? O efeito Hawthorne

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Se você já acompanhou as Kardashians ou torce para alguém do Largados e Pelados, siga neste texto.

O que você faz quando
Ninguém te vê fazendo
Ou o que você queria fazer
Se ninguém pudesse te ver?

Dinho Ouro Preto

Reality show. Eu acho que o mundo se divide entre espectadores que acham que os reality shows são armados, ou seja, todos estão atuando, e espectadores que acham que é genuíno, pois seria impossível sustentar um papel por tanto tempo. O que você acha?

Enquete rápida (vote nos comentários):

  1. Eu acho que é genuíno.
  2. Eu acho que é armado.
Imagem em preto e branco da família Loud. Ao fundo, em pé, três filhos e uma filha. Sentados à frente, o casal e uma filha. À frente de todos, dois cães raça poodle.
A família Loud
Fonte: Wikipedia

Um dos primeiros reality shows que se tem notícia foi veiculado em 1973, nos Estados Unidos. Era um programa chamado An American Family (ou Uma Família Americana). O show com 12 episódios retratava a vida da família Loud, que morava na California e era composta por um casal e 5 filhos com idades entre 14 e 20 anos. As câmeras captaram as brigas da família, os segredos de casos extraconjugais, um pedido de divórcio e até a homossexualidade de um dos filhos (um tema ainda tabu naquela época). Foi um sucesso porque os Loud eram uma família típica, com quem as outras famílias americanas se identificavam.

Nos últimos 50 anos, os “realities” tornaram-se cada vez mais populares. Em 1991, a TV holandesa deu origem a um tipo de reality em que pessoas comuns são levadas para um ambiente limitado e filmadas em seu cotidiano. O show era o Nummer 28 (ou Número 28), que depois evoluiu para ser o Big Brother.

O Big Brother Brasil, ou BBB para nós, teve início em 2002. Antes dele, talvez alguns se lembrem do No Limite, uma competição de força e sobrevivência, que pode ter marcado sua infância.

Há os gameshows, há os shows de talento, há os shows em que apenas celebridades participam, há os de relacionamentos e namoros (ou separações), há aqueles em que uma família é acompanhada silenciosamente pelas câmeras. Certamente, você já viu algum.

O questionamento que levanto hoje é o seguinte: Será que a presença de uma câmera muda o comportamento das pessoas?

Para te ajudar nessa resposta, vou te contar dos experimentos de Hawthorne, a partir de 1926, ou seja, quase 100 anos atrás. O resultado dos experimentos virou o ponto central da Escola das Relações Humanas, em que visava valorizar mais os funcionários e dar foco no bem-estar e nas relações entre as equipes.

Hawthorne era um bairro de Chicago, onde ficavam as instalações da fábrica da Western Electric. A fábrica já entendia a importância do bem-estar dos funcionários para o trabalho. Por isso, convidou uma equipe da universidade de Harvard, chefiada pelo pesquisador e médico do trabalho Elton Mayo, para verificar o efeito da luminosidade, conforto acústico e outras condições físicas sobre a produtividade dos trabalhadores.

Inicialmente, os pesquisadores dividiram algumas operárias que faziam o mesmo trabalho na fábrica em dois grupos. Um grupo se manteve com uma luz constante e no outro a luminosidade do local foi alterada. Era de se imaginar que no escuro, as pessoas produziriam menos. Mas foi exatamente o oposto, e a produção do grupo que teve a iluminação diminuída melhorou. Foi aí que os pesquisadores começaram a considerar que a produtividade poderia estar correlacionada a outras coisas e talvez os aspectos psicológicos tivessem alguma influência no trabalho.

Então eles passaram para uma outra fase. Um grupo experimental com poucas funcionárias foi destacado dos demais. O experimento foi dividido em vários períodos, em que foram testados diferentes intervalos para descanso, diferentes horários de saída, diferentes formas de remuneração. Mas em todas as manipulações, a produção sempre aumentava ou permanecia como estava. Nunca diminuía. Mas havia um detalhe importante: na sala em que o grupo experimental trabalhava, havia sempre um observador da pesquisa presente.

Ao serem observadas, as funcionárias passaram a produzir mais. Pode ser porque sabiam que sua produção estava sendo contabilizada ou talvez porque não quisessem desapontar o pesquisador.

Foi daí que surgiu o Efeito Hawthorne, segundo o qual as pessoas se comportam de forma diferente quando sabem que estão sendo observadas. Ou seja, apenas observar um indivíduo já promove uma intervenção em seu comportamento.

Por isso, às vezes só de anotar o que fez no dia, o que comeu para o registro diário do nutricionista, ou contar quantos cigarros fumou ou drinks bebeu, ou quantas horas ficou nas redes sociais, já é uma intervenção capaz de reduzir comportamentos indesejáveis de clientes.

Há experimentos que mostram que entre equipes médicas, na presença de um supervisor, a adesão à lavagem das mãos de forma correta e cuidadosa cresceu 55%, em UTIs.

Saber que está sendo observada também pode tornar a pessoa mais honesta.

Um experimento muito interessante, feito no Reino Unido e liderado por Melissa Bateson, testou a honestidade de estudantes. No café da faculdade, os alunos podiam servir-se livremente de chá, café e leite, e pagar de livre e espontânea vontade o valor sugerido. Não havia um caixa para fazer a cobrança, apenas um cofrinho em que estudantes depositavam o dinheiro. Em algumas semanas, os pesquisadores colocavam imagens de flores acima do cofrinho. Em outras semanas, havia imagens de pares de olhos variados, direcionados para o cofre.

Ao analisar o dinheiro arrecadado em comparação aos litros de leite consumidos, o resultado foi que nas semanas com olhos, o valor pago era maior do que nas semanas com flores acima do cofre.

Valor pago por litro de leite consumido, em função da semana e do tipo de imagem. Bolinhas pretas representam semanas em que olhos foram exibidos e bolinhas brancas representam semanas em que flores eram mostradas.
Fonte: Bateson (2006)

Um experimento similar foi feito para verificar a limpeza do café após uso, se as pessoas levavam as bandejas de volta para o local onde pegaram e se jogavam copos e guardanapos no lixo. Usando também as imagens de flores e de olhos, a proporção de mesas limpas quando havia olhos foi significativamente maior.

Olhos de mentira podem mudar o comportamento.

E milhões de pares de olhos de verdade? Hoje um grande reality show são as redes sociais, em que influencers são observados cotidianamente. Eles são genuínos? Ou eles estão representando um papel?

O que você faz quando ninguém te vê? E o que você faz quando todos estão te assistindo?

Lembre-se disso na próxima edição do BBB ou quando abrir o TikTok.

Para saber mais

Bateson, M., Nettle, D., & Roberts, G. (2006). Cues of being watched enhance cooperation in a real-world setting. Biology letters2(3), 412–414. https://doi.org/10.1098/rsbl.2006.0509

Eckmanns, T., Bessert, J., Behnke, M., Gastmeier, P., & Ruden, H. (2006). Compliance with antiseptic hand rub use in intensive care units: the Hawthorne effect. Infection control and hospital epidemiology27(9), 931–934. https://doi.org/10.1086/507294

Ernest-Jones, M., Nettle, D., & Bateson, M. (2011). Effects of eye images on everyday cooperative behavior: a field experiment. Evolution and Human Behavior32(3), 172-178. https://doi.org/10.1016/j.evolhumbehav.2010.10.006      

Escrito por:

Patrícia Luque

Supervisora de Estágio no IBAC. Psicóloga clínica. Doutora em Ciências do Comportamento e Mestre em Psicologia pela UnB

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