
Quantas vezes você já ouviu um paciente dizer “não consigo parar de pensar nisso”? A tendência natural, especialmente no início da prática clínica, é querer intervir direto no conteúdo: desafiar, redirecionar, racionalizar. Mas, se você trabalha com Análise do Comportamento, sabe que o caminho mais eficaz raramente passa por aí. Entender ruminação como um comportamento com função, contexto e consequências muda completamente o manejo clínico.
A ruminação é, em sua definição mais simples, um padrão de pensamento repetitivo sobre eventos passados ou futuros. Mas, do ponto de vista da psicologia comportamental, ela é muito mais do que isso: trata-se de uma cadeia de comportamentos verbais, encobertos ou públicos, mantida por contingências específicas. Ou seja, é comportamento. E, como todo comportamento, tem função.
A depender do contexto, a ruminação pode ser reforçada negativamente (alívio momentâneo da ansiedade), positivamente (atenção do outro, autovalidação), ou funcionar como esquiva de tarefas ou eventos aversivos. Não raro, o paciente relata que se sente mais “no controle” quando pensa repetidamente sobre algo; o que por si só já aponta para possíveis reforçadores operando.
Nos casos de ansiedade, por exemplo, a ruminação costuma ter forma de cadeia catastrófica do tipo “e se…?”, mantendo o indivíduo em um estado constante de vigilância. Já na depressão, ela frequentemente aparece como autorrebaixamento repetitivo, um padrão de autocrítica que, embora doloroso, pode ser mantido por regras internalizadas ou por atenção social contingente. Se o comportamento se mantém, é porque está sendo reforçado de alguma forma. Nosso papel clínico é descobrir como.
Na prática, é comum que terapeutas se sintam tentados a classificar esses pensamentos como “distorções” tentando confrontá-los diretamente. Mas a análise funcional convida a uma abordagem diferente: ao invés de avaliar a “verdade” do pensamento, investigamos sua função. Como bem destacou Hélio José Guilhardi, em uma de suas contribuições mais contundentes para a clínica analítico-comportamental: “Não confie no relato verbal do seu cliente.” Isso não significa que o paciente está mentindo, mas sim que o que ele relata não é necessariamente um tato preciso. Em muitos casos, é um tato distorcido, mantido por variáveis contextuais e histórico de reforçamento. A clínica comportamental não é um tribunal da verdade, é um espaço de investigação funcional.
A seguir, um caso real para exemplificar como a ruminação é um operante complexo:
Flávio, homem de 32 anos que relata não conseguir terminar um relacionamento. Em vez disso, passa dias ruminando sobre uma possível traição da parceira, mesmo afirmando não ter mais interesse afetivo nela. Ao longo das sessões, o terapeuta levantou a hipótese que se confirmou: a ruminação, nesse caso, mantinha Flávio afastado da tomada de decisão. O custo emocional de terminar (solidão, culpa, julgamentos externos) era evitado ao focar na suspeita. A ruminação atuava, então, como comportamento de esquiva.

A consciência não muda comportamento. Por isso, é essencial propor estratégias que alterem o contexto e reconfigurem o esquema de reforçamento. Algumas possibilidades clínicas incluem:
- Psicoeducação sobre função da ruminação, com exemplos concretos do paciente;
- Interrupção da cadeia de respostas, com treino de habilidades como mindfulness, exposição e solução de problemas;
- Autorregistro funcional, para discriminar padrões, antecedentes e consequências;
- Reforçamento diferencial de comportamentos alternativos;
- Regra explícita: pensar demais pode parecer produtivo, mas é a ansiedade disfarçada de planejamento.
Tratar a ruminação como conteúdo apenas cognitivo é subestimar a complexidade do comportamento humano. Ao compreendê-la como comportamento operante encoberto, inserido em um contexto de reforçamento, abrimos espaço para intervenções mais eficazes e mais éticas. O foco deixa de ser controlar o que o paciente pensa, e passa a ser ensinar como ele pode observar, discriminar e escolher o que fazer com o que sente e pensa.
Como toda intervenção clínica baseada em evidências, a análise funcional da ruminação exige tempo, refinamento e disponibilidade para escutar o que está por trás das palavras, e não apenas nas palavras.
Leitura complementar
Guilhardi, H. J. (s.d.). Análise Comportamental do Sentimento de Culpa. Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (ITCR Campinas). Acessado em: https://itcrcampinas.com.br/guilhardi/
Nery, L. B., & Fonseca, F. N. (2018). Análises Funcionais Moleculares e Molares: um Passo a Passo. In A. K. C. R. de-Farias, F. N. Fonseca & L. B. Nery (Orgs.), Teoria e Formulação de Casos em Análise Comportamental Clínica (pp. 1–22). Artmed.
Como citar este artigo (APA):
de Lima, I. (2025, 22 de agosto). O que fazer com a ruminação do paciente?. Blog do IBAC. https://ibac.com.br/o-que-fazer-com-a-ruminacao-do-paciente/


