Nudges digitais: framing

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Com o desenvolvimento da tecnologia, o contexto em que os seres humanos se comportam foi alterado e muitas das nossas decisões agora são tomadas em uma estrutura digital. Como nós, humanos, nem sempre tomamos a decisão ideal, aquela que maximiza nossos ganhos, e não podemos nos dar ao luxo de analisar todas as possibilidades em sua extensão completa, recorremos a heurísticas e vieses para nos ajudar a julgar alternativas. Isso, é claro, segundo teorias cognitivistas que predominam na área.

Na perspectiva comportamental, heurísticas e vieses não são considerados causa ou determinação de comportamento, como qualquer outra causa interna, já nos dizia Skinner, em sua obra clássica “Ciência e Comportamento Humano” de 1953.  De acordo com a análise comportamental, eles podem ser considerados simplesmente como descrições de como as pessoas tendem a tomar decisões. As causas são fornecidas, em última análise, pela interação entre o sujeito e o ambiente a que pertence. Em vez de entender o comportamento de escolha em termos de heurística e viés, a análise do comportamento inclui fatores que potencialmente afetam o comportamento, como taxa, quantidade, imediatismo e qualidade dos reforçadores ou esforço de resposta.

O contexto digital fornece uma contingência, que é um espaço no qual o indivíduo e o ambiente interagem em uma relação funcional, gerando possíveis consequências positivas ou negativas. No ambiente digital, para favorecer tais decisões em seu propósito pretendido, designers de experiência do usuário (UX) e de interface do usuário (UI) implementam múltiplas intervenções em páginas da web e aplicativos móveis, de acordo com técnicas e princípios de Interação Humano-Computador (HCI), para ajudar usuários e consumidores a alcançar a resposta final desejada.

Para facilitar a resposta do usuário, eles empregam o que foi recentemente chamado de nudges digitais. Nudges são classicamente definidos como o contexto que altera o comportamento de alguém de uma maneira particular (para saber mais confira o livro Nudges, de R. Thaler e C. Sunstein, vencedores do Nobel de Economia em 2017).

Há muitas pesquisas realizadas com nudges em ambiente offline, ou seja, no mundo real. Uma delas, por exemplo, mensura o consumo de bolos e maçãs inteiras em um coffee-break em uma conferência. Depois de aplicar nudges, ao cortar as frutas em fatias e bolos em pedaços menores, o consumo é novamente mensurado e – voilá – o consumo de frutas subiu e o de bolos caiu consideravelmente (esse experimento é bem fofinho e você pode vê-lo no vídeo abaixo).

Ou seja, nudges dão uma direção, uma pista do comportamento que precisa ser emitido naquele contexto. Alguns nudges afetam os aspectos antecedentes; outros podem alterar o poder das consequências, seja de reforço ou punição.

Por isso, nudges podem ser entendidos como operações motivadoras ou eventos que atribuem valor a um curso de ação ou às consequências dessas ações, aumentando ou reduzindo a probabilidade de tal resposta acontecer.

Mas no mundo digital, é preciso ter nudges que indiquem o caminho a seguir virtualmente. Nudges digitais são, em parte, mais fáceis e baratos de implementar em comparação aos offline.

Dentre os dezenove efeitos psicológicos (vieses e heurísticas) mais citados na literatura, o mais frequente é o efeito de framing, ou enquadramento, que vou explorar no restante dessa coluna (não se preocupe – teremos outras oportunidades de explorar todos os demais).

Framing é uma apresentação controlada de um problema de decisão. É possível enquadrar as perspectivas de muitas maneiras diferentes, pois é possível visualizar uma paisagem através de várias perspectivas. A metáfora usada por A. Tversky e D. Kahnemann explica por que as pessoas mudam de preferência de acordo com a perspectiva que vem primeiro. À medida que caminhamos por uma determinada paisagem, montanhas e colinas podem parecer mais altas ou menores de um ponto de vista específico. A avaliação pode mudar à medida que nos aproximamos de cada elemento do cenário.

Um estudo típico de framing foi conduzido por Levin e Gaeth. Os participantes foram convidados a provar algumas carnes e avaliá-las em termos de qualidade e sabor. Foram estabelecidos dois grupos: um podia ler o rótulo antes de degustar o produto e o outro não. Havia duas condições adicionais de enquadramento. A carne foi descrita como 75% magra (quadro positivo) ou como 25% de gordura (quadro negativo). Os efeitos do enquadramento foram observados, pois a carne foi melhor avaliada quando pareada com um enquadramento positivo.

Em um contexto digital, o framing refere-se à acentuação, orientação e apresentação de problemas de decisão ao usuário, de forma a facilitar uma escolha.

O Google nos traz diversos exemplos. Ao digitar uma pesquisa, algumas expressões aparecem no recurso de preenchimento automático, para facilitar e evitar digitação extra. O usuário deve escolher apenas a partir de uma lista da pesquisa mais popular. Embora ajudem o usuário a ir direto à resposta necessária, também podem limitar e restringir o termo a ser pesquisado, bem como influenciar e direcionar o usuário para um determinado tipo de resultado.

O framing também pode ser visto na página de resultados, pois são organizados por categorias (imagens, vídeos, notícias, compras, etc) que podem influenciar na resposta do usuário. Além disso, de acordo com critérios de relevância, um resultado pode ganhar ênfase.

E o framing também pode direcionar para uma ação, como indicar compras a partir da pesquisa realizada.

Na análise do comportamento, podemos entender que o framing é uma forma de manipular a saliência do estímulo. Produz efeitos evocativos como operação motivadora, ao oferecer o contexto de escolha.

Se olharmos pelo contextualismo, uma das correntes filosóficas que embasam a análise do comportamento, a escolha de uma resposta depende das outras alternativas disponíveis. O contextualismo leva em consideração especial o ato em curso naquele  contexto. De certa forma, o contextualismo simboliza os próprios efeitos de enquadramento, pois focaliza o evento como um todo e considera a sensibilidade ao papel do contexto no estabelecimento da função de um estímulo. Isso deriva que o contexto influencia para o comportamento. Dessa forma, portanto, toda resposta é resultado do framing.

Referências e sugestões de leitura:

Ávila, F., & Bianchi, A. M. (Eds.). (2015). Guia de economia comportamental e experimental. Economia Comportamental. org.

Thaler, R. H., e Sunstein, C. R. (2008) Nudge: improving decisions about health, wealth, and happiness. Yale University Press, New Haven.

Tversky, A., & Kahneman, D. (1981). The framing of decisions and the psychology of choice. Science, 211(4481), 453-458.

Escrito por:

Patrícia Luque

Supervisora de Estágio no IBAC. Psicóloga clínica. Doutora em Ciências do Comportamento e Mestre em Psicologia pela UnB

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