Você já se perguntou por que é tão difícil largar o Instagram, mesmo sabendo que ele pode estar atrapalhando seu sono, sua produtividade ou suas relações? Uma nova pesquisa realizada na Universidade de Brasília investigou como fatores como impulsividade e demanda por curtidas ajudam a entender — e até prever — o uso excessivo de mídias sociais.
O Instagram é parte do nosso cotidiano: passamos horas rolando a timeline, curtindo, comentando, publicando. Mas em que ponto o uso deixa de ser apenas um hábito social para se tornar um comportamento problemático? Foi com essa pergunta que eu conduzi minha dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências do Comportamento da Universidade de Brasília (Fonseca, 2025).
A pesquisa combinou conceitos da análise do comportamento e da economia comportamental para entender o que leva algumas pessoas a usarem redes sociais como o Instagram de forma tão intensa — mesmo diante de consequências negativas como prejuízos no sono, desempenho acadêmico, social e emocional.
Uma nova lente: reforçadores digitais e escolhas impulsivas
O estudo utilizou duas abordagens teóricas principais:
- Teoria da Patologia do Reforço (TPR): propõe que comportamentos aditivos (como o uso excessivo de mídias sociais) são mantidos por dois fatores: uma alta valorização das consequências digitais (i.e., demanda por reforçadores) e uma preferências por consequências digitais imediatas (i.e., escolha impulsiva) em detrimento de consequências pró-sociais atrasadas (i.e., escolha autocontrolada, como rendimento acadêmico ou qualidade de sono), definido como desconto temporal.
- Behavioral Perspective Model (BPM): modelo que analisa o comportamento de consumo, diferenciando entre reforçadores utilitários (como dinheiro) e informativos (como status, curtidas, seguidores).
Como a pesquisa foi feita?
A pesquisa envolveu 65 estudantes universitários, que responderam a questionários sobre:
- Preferência entre recompensas imediatas e futuras (desconto temporal);
- Quanto estariam dispostos a “pagar” por mais curtidas (elasticidade de demanda);
- Nível de dependência percebido no uso do Instagram;
- Tempo de uso diário da plataforma.
Os questionários foram adaptados para comparar dois tipos de “recompensa”: dinheiro (reforço utilitário) e curtidas (reforço informativo). Por exemplo: “Você preferiria receber 54 curtidas agora ou 55 daqui a 117 dias?”
Principais achados
- Curtidas possuem maior relação com um padrão “impulsivo” do que dinheiro: os participantes preferiram mais frequentemente receber curtidas imediatamente do que dinheiro imediato, indicando um maior desconto temporal para reforçadores sociais no Instagram.
- Quanto mais dependência, menor a elasticidade: usuários com maior dependência do Instagram mostraram baixa elasticidade de demanda, ou seja, estariam dispostos a “pagar mais caro” por curtidas (continuar usando em alta frequência), mesmo que o custo aumente (prejuízos sociais).
- Mais curtidas = mais impulsividade: a média de curtidas recebidas pelos participantes se correlacionou com as taxas de desconto temporal, sugerindo que quem recebe mais curtidas pode apresentar maior impulsividade na hora de escolher entre reforços imediatos e atrasados.
- Padrões estáveis e interligados: as escolhas impulsivas para diferentes tipos de reforço (curtidas e dinheiro) estiveram positivamente correlacionadas, indicando um efeito de traço — ou seja, algumas pessoas tendem a fazer escolhas impulsivas em vários contextos.
Por que isso importa?

O uso problemático das mídias sociais pode ser comparado a outros tipos de dependência comportamental, como jogos ou compras compulsivas. Mas diferentemente das substâncias, as mídias sociais aparentam sofrerem maior influência de reforços simbólicos e sociais, como a validação por curtidas e interações.
A pesquisa enfatiza que entender as influências ambientais nesses padrões de escolhas é essencial para propor intervenções mais eficazes. Estratégias que aumentem o valor percebido de reforços futuros (como metas acadêmicas) ou que diminuam a atratividade do reforço imediato (como curtidas) podem ajudar a promover escolhas mais autocontroladas.
Como podemos lidar com este contexto?
Intervenções comportamentais que usem técnicas como pensamento episódico futuro (imaginar os benefícios a longo prazo), automonitoramento do uso de redes e reforçadores alternativos podem ser úteis para quem deseja reduzir o uso excessivo de mídias sociais.
Além disso, o estudo abre espaço para novas pesquisas com populações mais diversas e abordagens experimentais, além de sinalizar a importância de considerar o contexto cultural — no caso, o Brasil, que é um dos países que mais usa o Instagram no mundo.
Como bons analistas do comportamento, sabemos que avaliar funcionalmente este padrão é essencial. O estudo de Kyonka et al. (2024) apresenta o desenvolvimento e aplicação piloto do Internet Consequences Questionnaire – Preliminary (ICQ-P), um instrumento de auto-relato projetado para identificar funções comportamentais que mantêm o uso da internet. Inspirado em avaliações funcionais voltadas para jogos e apostas, o ICQ-P adapta essa lógica ao contexto da internet, oferecendo uma ferramenta inovadora para análise funcional de comportamentos digitais. Acesse aqui uma ferramenta adaptada para colocar isso na sua prática clínica.
Outras intervenções empiricamente validadas também tem sido utilizadas para intervir neste contexto:

Manejo de contingência
Reforços (como prêmios ou feedback positivo) são fornecidos quando o participante atinge metas de uso saudável das redes sociais. Um estudo experimental recente demonstrou que essa técnica reduziu significativamente o tempo de uso entre universitários “viciados” em redes (Stinson & Dallery, 2023).
Definição de Metas e Remoção de Estímulos
Estabelecer metas diárias de uso e desativar notificações de aplicativos são técnicas eficazes, especialmente quando usadas em conjunto. Uma pesquisa de 2024 mostrou que 5 em 7 participantes reduziram significativamente o uso do smartphone ao adotarem essas medidas (Hauksdóttir et al., 2024).
Substituição por Reforçadores Alternativos
Técnicas que ajudam o usuário a identificar e praticar atividades agradáveis que possam substituir o uso excessivo das redes sociais (como leitura, exercícios ou hobbies manuais). Essa abordagem foi incorporada com sucesso em pacotes de intervenção com estudantes universitários (Stinson & Dallery, 2023).
Intervenções Digitais Autônomas
Aplicativos de automonitoramento e alertas (como limites de tempo programáveis) funcionam como estímulos discriminativos para parar o uso antes que ele se torne excessivo. O uso de notificações automáticas mostrou-se útil para muitos usuários na autoregulação do tempo de tela (Hauksdóttir et al., 2024).
Terapias em grupo e suporte familiar
Particularmente relevantes para adolescentes, essas intervenções promovem maior adesão e reduzem recaídas ao envolver redes de apoio (Zajac et al., 2019).
E agora?
Se você já se pegou dizendo “só mais cinco minutinhos” no Instagram e percebeu que virou uma hora, saiba que não está só — e que há ciência por trás dessas escolhas. Entender como e por que nos comportamos assim é o primeiro passo para construir hábitos digitais mais saudáveis, conscientes e compatíveis com os nossos objetivos de longo prazo.
Referências
Fonseca, S. A. (2025). Desconto temporal e intensidade de demanda como preditores da intensidade de uso em uma mídia social. 72 f. Dissertação (Mestrado em Ciências do Comportamento) — Universidade de Brasília, Brasília (DF), Brasil. https://repositorio.unb.br/handle/10482/51935
Hauksdóttir, S., Sveinbjörnsdóttir, B., & Steingrímsdóttir, H. S. (2024). The effects of goal setting, notification alerts, and sharing results with peers on smartphone usage. Behavioral Interventions, 39(4), 1–13. https://doi.org/10.1002/bin.2050
Kyonka, E. G. E., Naidu, R., Torres, E., & Garcia, S. (2024). Internet Consequences Questionnaire: A pilot study. The Psychological Record, 74(1), 139–144. https://doi.org/10.1007/s40732-024-00594-0
Stinson, L., & Dallery, J. (2023). Reducing problematic social media use via a package intervention. Journal of Applied Behavior Analysis, 56(2), 323–335. https://doi.org/10.1002/jaba.975
Zajac, K., Ginley, M. K., & Chang, R. (2020). Treatments of internet gaming disorder: a systematic review of the evidence. Expert Review of Neurotherapeutics, 20(1), 85–93. https://doi.org/10.1080/14737175.2020.1671824
Como citar este artigo (APA):
Fonseca, S. A. (2025, 30 de maio). Instagram vicia? Como essa mídia social pode se aproximar de outras dependências. Blog do IBAC. https://ibac.com.br/instagram-vicia-como-essa-midia-social-pode-se-aproximar-de-outras-dependencias/


