Era uma noite escura e tempestuosa no mar. Um imenso navio da Marinha Norte Americana estava navegando em águas perigosas, próximo ao litoral de New Foundland, no Canadá. O capitão percebeu um ponto de luz à distância, e preocupado em evitar um acidente, enviou um sinal de rádio:
– Favor alterar seu curso 15 graus a norte para evitar colisão com nossa embarcação.
Os oficiais canadenses responderam de pronto:
– Recomendo mudar o seu curso 15 graus a sul.
O capitão americano irritou-se:
– Aqui é o capitão de um navio da Marinha Americana. Repito, mude o SEU curso.
Mas o oficial canadense insistiu:
– Não! Mude o seu curso atual.
A situação foi se agravando e o capitão americano, berrou ao microfone:
– ESTE É O PORTA-AVIÕES USS LINCOLN, O SEGUNDO MAIOR NAVIO DA FROTA AMERICANA NO ATLÂNTICO. ESTAMOS ACOMPANHADOS DE TRÊS DESTROYERS, TRÊS FRAGATAS E NUMEROSOS NAVIOS DE SUPORTE. EU EXIJO QUE MUDEM O SEU CURSO 15 GRAUS PARA NORTE OU ENTÃO TOMAREMOS CONTRA-MEDIDAS IMEDIATAS, PARA GARANTIR A SEGURANÇA DO NOSSO NAVIO!!!
E o oficial canadense, sem se abalar, respondeu-lhe:
– Aqui é um farol, senhor, câmbio!
Obviamente essa história é uma piada e o diálogo acima nunca aconteceu – nesse formato, entre um navio e um farol. Mas de forma metafórica, ela acontece diariamente, com muitos de nós.
Hoje eu quero falar um pouco sobre o viés de confirmação – uma tendência de buscarmos, interpretarmos e lembrarmos de informações que confirmam nossas regras, crenças ou hipóteses, ao mesmo tempo que nos leva a ignorar ou subestimar informações que demonstrem o contrário do que pensamos.
A História está repleta de exemplos desse tipo. Lembra da Inquisição, aquela grande caça às bruxas em tribunais eclesiásticos, que durou do século XII ao XIV na Europa? Será que os inquisidores estavam realmente abertos para ouvirem todos os lados da situação? Ou será que havia uma tomada de decisão já pré-estabelecida e uma busca por fatos e evidências que corroboravam somente essa visão?
Deixo para vocês decidirem… Mas, para ajudar na minha hipótese, apenas na Inglaterra, no século XVII, foram mais de 40.000 pessoas executadas por bruxaria.
Um caso clássico foi o das Bruxas de Salem, Massachussetts (EUA) em 1692, quando muitas pessoas foram acusadas de bruxaria a partir de testemunhos. Os acusadores buscavam evidências para confirmar as crenças e rejeitavam ou ignoravam informações que levavam à inocência dos envolvidos.
Por outro lado, será que quando julgamos a história, também não vemos o que queremos ver?
Até hoje, há diversos exemplos no mundo jurídico, em que a crença em um determinado veredicto pode influenciar em como as pessoas ouvem, veem ou percebem as provas apresentadas. Evidências do viés de confirmação já foram coletadas em todo o ecossistema jurídico, com investigadores, jurados, juízes, testemunhas e peritos. Parece ser muito difícil iniciar um processo jurídico. completamente imparcial.
Quando temos uma hipótese muito forte, que se alinha com o que pensamos ou vivenciamos, três coisas acontecem:
- Costumamos buscar mais informações de forma seletiva que confirme nossa hipótese.
- Quando encontramos informações que contradigam as primeiras, nossa tendência é forçar uma interpretação para o lado que pensamos.
- Ao mesmo tempo, em um argumento, tendemos a lembrar mais facilmente de informações que confirmem o que acreditamos e negligenciamos as informações que desafiem nossas crenças.
Nessa semana, meu cliente (fictício) Pedro me contou que acha que o chefe não gostava mais dele. Ele me fala que antes o chefe era mais simpático, conversava mais, se interessa mais por ele, sorria mais. Agora, “do nada” o mesmo chefe fica perguntando no final do dia que tarefas Pedro conseguiu concluir, ri bem menos e parou de conversar.
Ouvindo esse trecho, pode parecer que o chefe é mesmo um chato. Se essa for minha hipótese, como é a de Pedro, posso buscar várias evidências de que realmente há um descontentamento com o trabalho do Pedro e que é bom se prevenir para uma provável demissão.
Mas, considerando que talvez Pedro esteja tendo uma visão enviesada do chefe e trazendo para a terapia apenas situações e comportamentos que corroboram a hipótese do chefe, nosso trabalho como psi é explorar outras leituras. Será o que chefe está fazendo isso com outros funcionários? Será que o chefe está sendo mais exigido pela própria empresa? Ele pode estar passando por questões pessoais para além de pegar no pé do Pedro? Será que Pedro está se dedicando da mesma forma como estava anteriormente ao trabalho? E Pedro continua puxando assunto normalmente com o chefe? Muitas coisas podem estar acontecendo na empresa. Será que Pedro está aberto para ver e analisar todas elas, ou será que ele já escolheu um lado para observar e defender?
Existe uma tendência humana de defender nossas ideias usando fatos até verdadeiros, porém ligeiramente distorcidos para confirmar o que pensamos. É possível que o viés da confirmação se explique pela força do comportamento governado por regras, que tornam o organismo menos sensível à contingência.
David Marsh e Teresa Hanlon conduziram um experimento muito curioso sobre viés da confirmação. Eles estudavam o comportamento das salamandras vermelhas. Para um grupo de observadores, estudantes universitários, foi falado que as salamandras fêmeas eram mais agressivas e os machos eram mais eficientes no forrageio[1]. Para outro grupo, as informações foram dadas ao contrário: machos eram mais agressivos e fêmeas mais eficientes. Os observadores analisaram interações ao vivo no experimento 1 e um vídeo de 30 minutos com interações das salamandras no experimento 2. Os comportamentos agressivos e eficientes foram devidamente operacionalizados em classes de resposta bem específicas. Os resultados mostraram que cerca de 14% das respostas dadas pelos observadores estavam na direção das regras definidas no início do experimento, mesmo quando as contingências mostravam o contrário.
A pesquisadora Julia Galef nos conta que quando nos deparamos com um conjunto de informações que parecem fazer sentido, podemos assumir uma de duas posturas. Uma é a postura do soldado, pronto para defender aquilo que acredita e lutar pelo seu ponto de vista até o fim. A outra postura é a do sentinela, aquele que se senta no ponto mais alto para ver de longe que está acontecendo; antes de engajar-se em defender seu território, o sentinela é curioso e aguarda a realidade mostrar a que veio.
Por isso, como psicólog@ clínic@, busque adotar a postura do sentinela, olhando o contexto ao longe. E considere que tudo que você conhece pode estar errado. E pode não ser nada disso que você está pensando…
Para saber mais:
Galef, J. (2020) Why you think you’re right — even if you’re wrong. TEDXPSU. https://www.ted.com/talks/julia_galef_why_you_think_you_re_right_even_if_you_re_wrong
Kassin, S. M., Dror, I. E., & Kukucka, J. (2013). The forensic confirmation bias: Problems, perspectives, and proposed solutions. Journal of applied research in memory and cognition, 2(1), 42-52. DOI: 10.1016/j.jarmac.2013.01.001
Marsh, D. M., & Hanlon, T. J. (2007). Seeing what we want to see: Confirmation bias in animal behavior research. Ethology, 113(11), 1089-1098. DOI: 10.1111/j.1439-0310.2007.01406.x
Nickerson RS (1998) Confirmation bias: a ubiquitous phenomenon in many guises. Rev Gen Psychol 2(2):175–220. DOI: 10.1037/1089-2680.2.2.175
Salman, I., Turhan, B., & Vegas, S. (2019). A controlled experiment on time pressure and confirmation bias in functional software testing. Empirical Software Engineering, 24, 1727-1761. DOI: 10.1007/s10664-018-9668-8
[1] Procura de recursos alimentares pelos seres vivos, através de estratégias especializadas.