Dificuldades comuns ao desenvolver Análises Funcionais

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A Análise Funcional pode ser definida como um método de investigação das relações entre o comportamento e o ambiente, identificando variáveis de controle e formulando hipóteses sobre as funções desse comportamento (Peters-Scheffer & Didden, 2020). Na prática clínica, tal investigação geralmente ocorre por meio da observação direta de comportamentos emitidos em sessão ou por observação indireta, através de relatos do cliente ou terceiros, podendo contar com o auxílio de questionários, escalas, entre outros instrumentos. Nesse processo, o terapeuta busca identificar os elementos de uma contingência tríplice: antecedentes, respostas e consequências. Ao defini-los, porém, nos deparamos com diversas dificuldades, além de inconsistências nas próprias caracterizações conceituais desses elementos (Toscano, Macchione & Leonardi, 2019). O presente texto tem como objetivo abordar algumas dessas dificuldades, com foco na prática clínica e em análises funcionais moleculares.

Dificuldades na identificação de variáveis de controle do comportamento podem estar relacionadas a dificuldades de aplicação do modelo de causalidade selecionista adotado pelo Behaviorismo Radical, filosofia que fundamenta a Análise do Comportamento. Nessa perspectiva, as “causas” de um evento são probabilísticas e consideradas ao longo do tempo, de modo que uma resposta ocorre em função de condições ambientais que não precisam ser contíguas (próximas) para controlá-lo, mas contingentes, de maneira que alterações naquelas condições ambientais podem interferir na emissão da resposta e sua probabilidade de ocorrência a curto e longo prazo (Nery & Fonseca, 2018). Nesse sentido, a resposta é uma variável dependente em relação a diversas variáveis independentes, que seriam os eventos ambientais antecedentes e consequentes à sua emissão.

A primeira dificuldade referente a esse ponto pode ser observada na realização de análises funcionais lineares, com poucos antecedentes e consequências. Observe o exemplo:

Joana tem uma filha adolescente chamada Clarice, e sempre que pede à filha que arrume seu quarto, a filha diz que irá fazê-lo, mas permanece jogando no computador com as amigas pelo celular. Joana, por sua vez, briga com a filha, mas assim que Clarice vai para a escola ela arruma seu quarto, dizendo não suportar a bagunça.

Em uma análise linear do comportamento de Clarice, teríamos o seguinte cenário:

Observe que a análise está correta, porém incompleta. Se Joana briga com Clarice e essas brigas são aversivas para ela, o que mantém essa resposta ocorrendo em outros contextos semelhantes? Precisamos investigar outras variáveis que podem estar controlando seu comportamento, olhando para o contexto como um todo. Nesse caso, uma análise mais completa seria:

*Obs.: O termo “diversão” foi utilizado nesse exemplo para agrupar diversos estímulos reforçadores provenientes do jogo, tais como ganho de pontos, vitórias, itens adquiridos, entre outros.

Veja que, nessa situação, além das respostas de Clarice produzirem consequências conflitantes a curto prazo, a médio/longo prazo sua mãe ainda arruma seu quarto, o que pode ser outra consequência reforçadora. Dessa forma, conseguimos não apenas identificar com maior clareza a função de seu comportamento, mas elaborar hipóteses sobre o porquê de Clarice não obedecer a mãe nesse contexto.

Outra dificuldade relacionada à causalidade ocorre quando o terapeuta confunde consequências com efeitos. Em certos modelos de análises funcionais moleculares, é comum encontrar tabelas nas quais, além das consequências, são exibidos os efeitos e processos em colunas separadas. Esses efeitos são produtos de toda a contingência, podendo ser relativos à mudança na frequência da resposta ou a respostas emocionais eliciadas no contato com as consequências (Nery & Fonseca, 2018). Dessa forma, efeitos são subprodutos da contingência no organismo, enquanto as consequências são eventos ambientais produzidos a partir da resposta emitida pelo organismo. Os processos, por sua vez, especificam as contingências envolvidas na relação entre resposta e consequência, que podem ser de Reforçamento Positivo (R+), Reforçamento Negativo (R-), Punição Positiva (P+), Punição Negativa (P-) ou Extinção (Nery & Fonseca, 2018). Esses processos também são comumente especificados na mesma coluna das consequências, como no exemplo acima.

Ainda considerando o exemplo supracitado, observe abaixo como seria uma análise funcional molecular com efeitos e processos em colunas separadas. Note que a alegria, por exemplo, não é consequência da resposta de jogar, mas acompanha toda a relação entre a resposta de jogar e os estímulos reforçadores produzidos.

Em consonância com essa dificuldade, também é comum encontrar análises funcionais moleculares apenas com respostas respondentes. Esse tipo de dificuldade é frequente ao analisar episódios de crises com o cliente, como crises de ansiedade e pânico. Ao focar somente em respondentes como taquicardia, sudorese e tremores, o terapeuta pode até identificar eventos que ocorrem em seguida, mas dificilmente as relações funcionais entre eles. Vale lembrar que respondentes e operantes ocorrem ao mesmo tempo e ambos podem (e devem) ser especificados na contingência. Nesse sentido, uma pergunta que o terapeuta pode se fazer e utilizar para basear outros questionamentos com o cliente seria: “Enquanto esses respondentes são eliciados, o que o cliente está fazendo?”.

Além disso, outro recurso frequentemente utilizado ao abordar crises no contexto psicoterapêutico é a análise em cadeia, enfatizada pela Terapia Comportamental Dialética – DBT (Linehan, 1993/2010). Nesse cenário, uma dificuldade comum é colocar respostas do mesmo organismo como antecedente ou consequência. De acordo com Linehan (1993/2010), o ponto de partida para uma análise em cadeia geralmente consiste no momento que o cliente identifica como o início da crise. Diante disso, o terapeuta deve realizar perguntas que especifiquem em detalhes diversas análises moleculares, e a cadeia deve aparecer à medida em que a consequência produzida por uma resposta possui função de estímulo antecedente para a resposta seguinte (Linehan, 1993/2010; Nery & Fonseca, 2018).

A última dificuldade comum desse texto, mas não menos importante, se refere ao histórico e seu lugar na análise funcional. Nery e Fonseca (2018) ressaltam que investigar o histórico do cliente é essencial para compreender a aprendizagem de diversos comportamentos do cliente, porém ele não aparece explicitamente na tríplice contingência. Dessa forma, podemos realizar análises funcionais moleculares de eventos da história de vida do cliente, mas o histórico em si não é antecedente de uma resposta atual. Nesse sentindo, Guilhardi (2013), afirma que “O passado só é relevante enquanto é presente.” (p.9), destacando a importância de analisar eventos históricos enquanto houver contingências de reforçamento em vigor com as mesmas funções de contingências passadas. Na prática clínica, portanto, nota-se que o histórico pode nortear perguntas sobre demandas atuais e suas variáveis de controle, a partir da identificação de consequências em comum para diferentes respostas, consequências diferentes produzidas pelas mesmas respostas diante de uma mudança no contexto, entre outros.

Longe de esgotar o assunto, as dificuldades citadas ao longo do texto ilustram a complexidade envolvida na articulação entre teoria e prática abordada por Toscano et al (2019), que implica em confusões nas descrições de relações funcionais entre eventos. Além disso, cabe ressaltar que boa parte da investigação do terapeuta em sua prática clínica se baseia na observação indireta por meio relato verbal, e que a maneira pela qual as informações são coletadas pode favorecer ou não a precisão dos dados (Medeiros & Medeiros, 2018). Assim, espera-se que esse texto contribua com reflexões sobre como o modelo de causalidade do Behaviorismo Radical orienta nossas intervenções, além de elucidar pontos de dificuldades recorrentes na prática.

Referências

Linehan, M. (2010). Terapia cognitivo-comportamental para transtorno de personalidade borderline. (R. C. Costa, Trad.). Porto Alegre: Artmed. (Obra originalmente publicada em 1993).

Medeiros, N. N. F. A., & Medeiros, C. A. (2018). Correspondência verbal na Terapia Analítica Comportamental: Contribuições da pesquisa básica. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 20(1), 40-57. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v20i1.1136

Nery, L. B., & Fonseca, F. N. (2018). Análises funcionais moleculares e molares: um passo a passo. In A. K. C. R. de-Farias, F. N. Fonseca, & L. B. Nery (Orgs.), Teoria e formulação de casos em análise comportamental clínica (pp. 22-54). Porto Alegre: Artmed.

Peters-Scheffer, N., & Didden, R. (2020). Functional analysis methodology in developmental disabilities. In P. Sturmey (Ed.), Functional analysis in clinical treatment (2nd ed., pp. 75-95). Elsevier Inc.

Toscano, M. P., Macchione, A. C., & Leonardi, J. L. (2019). O uso da análise funcional na literatura brasileira de terapia comportamental: uma revisão teórico-conceitual. Revista Perspectivas, 10(1), 98-113. https://doi.org/10.18761/PAC.TAC.2019.004

Como citar este artigo (APA)

Hosken, A. F. (2024, 28 de junho). Dificuldades comuns ao desenvolver análises funcionais. Blog do IBAC. https://ibac.com.br/dificuldades-comuns-ao-desenvolver-analises-funcionais/

Escrito por:

Ana Flávia Hosken

Psicóloga clínica (CRP 09/1602) Pós-graduada em Análise Comportamental Clínica pelo IBAC.

Escrito por:

Colaboração

Textos produzidos com autoria de colaborador(a) do IBAC

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