Se você observar toda a movimentação que ocorre dentro de você durante um dia, vai se impressionar. São pensamentos, sentimentos, imagens, lembranças, situações fantasiosas, tensão muscular, desconfortos e alívios, por exemplo. Talvez você já esteja impressionada e impressionado ao observar sua experiência pessoal. Sentir-se deprimido, ansioso ou chateado não é sintoma de problema psicológico. É um sintoma de vida! Ser afetado pelas palavras, pelo clima da região em que você está, a presença ou ausência de pessoas, pelo clima político, as condições econômicas, perspectivas de futuro, é um sinal de que realmente você está participando da vida. A variação de emoções, pensamentos e de toda sua experiência individual, é natural e inevitável. Impedir, fugir, controlar ou combater as suas movimentações emocionais e cognitivas é lutar uma batalha que não pode ser vencida. Essa atitude combativa, que pretende estabelecer controle e estabilidade interna, geralmente amplifica o sofrimento (Luoma, Hayes & Walser, 2021).
Algumas pessoas procuram a psicoterapia com a intenção de adquirir maior controle sobre a maneira que se sentem, maior controle de sua atenção, memória; querem controlar sua ansiedade. Querem controlar suas carências afetivas. Eu observo que, em muitas situações, não há nada mais natural do que se sentir distraído, cansado, esquecido, ansioso e carente nas situações de vida em que essas pessoas se encontram. Nada mais humano. Eu sentiria o mesmo e não diria que estou doente. Em muitos casos, a melhor ferramenta não é o cabresto para controlar sua mente e seu coração. Talvez funcione melhor usar uma prancha e surfar as ondas que vem e vão. Porque certamente, as ondas da experiência humana vão continuar em seu movimento de ir e vir.
Isso não quer dizer que “tudo é normal” e “nada é adoecimento”. Não é bem assim. O esforço de adaptação que chamamos de “estresse”, compõe a experiência de viver em interação com o mundo. É um processo homeostático. A falta de estresse, ou seja, a falta de desafios que exigem adaptação, torna o ambiente pouco estimulante e isso pode gerar adoecimento. O excesso de estresse, por sua vez, é sobrecarga e também pode gerar adoecimento (Selye, 1973; Reis, Fernandes e Gomes, 2010). Observe que a sua experiência individual está sempre se transformando. E não é sem motivo! Perceba que, quando você se sente feliz e contente, alguma coisa está acontecendo no contexto em que você está inserido. Quando você se sente deprimido e inseguro, ou com raiva, podemos dizer o mesmo; certamente, alguma coisa está acontecendo na sua interação com o mundo e as pessoas (Todorov, 1989).
Se você quer mudar a maneira como você se sente, é necessário mudar o que está acontecendo na sua interação com as pessoas e com o mundo. Se está com fome, coma. Está cansada, descanse. Se está carente, procure e receba. Se está incomodado, converse. Apesar de serem afirmações óbvias e simples, entendo que acessar o que você precisa nem sempre é tão fácil assim. Em alguns casos, existem barreiras físicas que nos impedem, mas, muitas vezes, o que impede as pessoas de acessarem aquilo que elas precisam são esquivas comportamentais e emocionais. São comportamentos de evitação que existem em função da sua história de vida. Esquivas de falar, perceber, expressar, pedir e procurar, por exemplo. A gente evita fazer esse tipo de coisa porquê, provavelmente, na sua história individual esse tipo de expressão recebeu consequências punitivas que geraram sentimentos de vergonha, medo, dor e exclusão, por exemplo.
Geralmente, nós aprendemos a identificar o que precisamos, identificar onde podemos conseguir, agir a fim de obter e efetivamente acessar o bem desejado, na interação com outras pessoas. São pessoas que nos fazem perguntas, dão instruções, dão exemplos; e muitos desses bens estão disponíveis no ambiente físico, como alimento, água, proteção térmica, entre outros. Entretanto, alguns outros bens, que talvez sejam os mais relevantes para a experiência psicológica, são acessados apenas na interação com outras pessoas e mediados pelas mesmas. São esses, por exemplo, a atenção, a compreensão e o acolhimento.
A dificuldade em obter o que se precisa é um desafio enorme para quem deseja mudar a maneira como se sente. Controlar sentimentos apenas por ordens verbais não funciona muito bem. Dizer para si mesmo que “não está com fome”, quando o estômago já dói e faz barulho, pode funcionar por um breve momento, mas, essas palavras não são realmente nutritivas. De maneira semelhante, dizer para si mesmo que “não precisa da compreensão e acolhimento de outras pessoas”, não satisfaz a carência de afeto e pertencimento social (Tourinho, 2006).
A psicoterapia, enquanto contexto interpessoal, enquanto encontro de duas pessoas, é um contexto favorável para identificar suas necessidades, identificar os contextos onde acessá-las e praticar a expressão do que você precisa nas suas relações sociais e nos espaços físicos onde você está inserido. Nesse processo relacional oferecido pela psicoterapia é possível, ainda, felizmente, enfrentar as esquivas que impedem você de atualmente acessar o que você precisa na sua vida fora do consultório.
Essas esquivas comportamentais e emocionais são resultado de uma história de aprendizado e condicionamentos na interação com o mundo e com outras pessoas. Aconselhar alguém a enfrentar tais dificuldades pode ajudar na tarefa; porém, promover um contexto favorável para que essas habilidades de autoconhecimento e assertividade sejam treinadas e desenvolvidas, é um caminho mais efetivo para mudanças comportamentais mais consistentes (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001).
Por fim, deixo com vocês alguns versos que escrevi sobre o mudar e o sentir:
Se o clima muda, imagine nós. Que somos gente!
Faz sol, bate ventania, chove, chora…
A certeza está aqui
E de repente vai embora.
Assim como anoitece,
Também brota uma aurora.
No horizonte brilha o sol,
Brilham os sonhos.
E nós, como rebanhos, somos tocados
De um lado, ao outro.
Procurando o quê?
Aquilo que o coração anseia.
Fome, vestes, medos, esperanças…
Tudo isso nos move.
E muito mais!
Referências:
Kohlenberg, R.J. & Tsai, M. (1991/2001). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando Relações Terapêuticas Intensas e Curativas. Santo André: Esetec.
Luoma, Hayes & Walser. (2022). Aprendendo ACT: Manual de Habilidades da Terapia de Aceitação e Compromisso para Terapeutas. Sinopsys editora. 2 ed. Nova Hamburgo.
Reis, A. L. P. P., Fernandes, S. R. P. & Gomes, A. F. (2010). Estresse e fatores psicossociais. Psicologia: Ciência e Profissão [online]. 2010, v. 30, n. 4, pp. 712-725. https://doi.org/10.1590/S1414-98932010000400004.
Selye, H. (1973). The Evolution of the Stress Concept: The originator of the concept traces its development from the discovery in 1936 of the alarm reaction to modern therapeutic applications of syntoxic and catatoxic hormones. American Scientist, 61(6), 692–699. http://www.jstor.org/stable/27844072
Todorov, J. C. (1989). A Psicologia Como Estudo De Interações. Psicologia: Teoria E Pesquisa, 5, 325-347. https://doi.org/10.1590/S0102-37722007000500011
Tourinho, E. (2006). Relações comportamentais como objeto da Psicologia: algumas implicações. Interação em Psicologia, 10(1). http://dx.doi.org/10.5380/psi.v10i1.5792