O diagnóstico de autismo em um filho pode desencadear uma montanha-russa emocional para os pais, trazendo consigo uma série de desafios únicos que afetam diretamente o estresse parental e a qualidade de vida da família. Desde o momento do diagnóstico, os pais são confrontados com uma realidade inesperada, que demanda adaptações significativas em suas vidas e rotinas familiares.
Um dos maiores desafios enfrentados pelos pais de crianças com autismo é o estresse emocional decorrente da incerteza do futuro de seus filhos, das demandas constantes de cuidado e das dificuldades na obtenção de suporte adequado. Muitas vezes, os pais se veem sobrecarregados pela necessidade de dedicar tempo e energia significativos aos cuidados com seus filhos, o que pode levar a altos níveis de estresse e exaustão física e emocional.
Segundo Shu, Lung e Shan (2000), 1/3 das mães de crianças autistas podem apresentar problemas psiquiátricos como: depressão, fobia social, transtorno de ansiedade generalizado, TOC e disfunção sexual. Além disso, as demandas financeiras associadas ao autismo, como custos de terapias especializadas, educação especial e cuidados médicos, podem colocar uma pressão adicional sobre a família, levando a preocupações sobre o futuro financeiro e contribuindo para o estresse dos pais (Tonge Brereton & Kiomall, 2006).
A falta de apoio social e compreensão por parte da comunidade também pode aumentar o estresse parental. Muitas vezes, os pais de crianças com autismo se sentem isolados e incompreendidos, enfrentando o estigma social e o julgamento de outras pessoas que não entendem as necessidades especiais de seus filhos (Favero & Santos, 2005).
Vasilopoulou e Nisbet (2016) abordaram diversos aspectos relacionados à qualidade de vida dos pais de crianças com autismo. Entre os principais achados destacados por esses estudos, estão:
- Qualidade de vida empobrecida: os pais de crianças com autismo apresentam uma qualidade de vida geralmente mais baixa em comparação com pais de crianças neurotípicas. Isso inclui uma menor saúde física e mental, funcionamento social inferior e menor satisfação com o ambiente.
- Altos níveis de estresse: os pais de crianças com autismo têm uma maior probabilidade de experimentar elevados níveis de estresse, o que pode afetar negativamente sua qualidade de vida e bem-estar emocional.
- Impacto das dificuldades comportamentais: as dificuldades comportamentais das crianças com autismo têm um impacto significativo na qualidade de vida dos pais. Os pais de crianças que apresentam maiores dificuldades de conduta tendem a ter uma qualidade de vida física e emocional mais baixa.
- Ciclo vicioso entre dificuldades da criança e o bem-estar dos pais: foi observado que as dificuldades comportamentais das crianças com autismo e o bem-estar dos pais podem se tornar um ciclo vicioso, no qual as dificuldades da criança diminuem o bem-estar dos pais e este, por sua vez, intensifica os sintomas da criança. Intervenções que ofereçam apoio aos pais podem ajudar a quebrar esse ciclo e melhorar o bem-estar de toda a família.
Esses achados ressaltam a importância de abordar as necessidades dos pais de crianças com autismo, oferecendo suporte emocional, intervenções específicas para redução do estresse e acesso a recursos que possam melhorar sua qualidade de vida e bem-estar geral.
Todo esse estresse e pressão podem ter um impacto significativo na qualidade de vida da família. Os pais podem experimentar uma deterioração de sua saúde física e mental, dificuldades nos relacionamentos conjugais e familiares, e uma diminuição da satisfação geral com a vida.
Segundo Favero e Santos (2005), apesar do impacto do autismo nas famílias, nem todos os cuidadores são afetados da mesma maneira. O conceito de resiliência é fundamental, denotando a capacidade de adaptação positiva em condições adversas. Cuidadores resilientes podem obter sucesso em meio às dificuldades, promovendo a saúde mental familiar.
Nesse sentido, os pais precisam desenvolver estratégias eficazes para enfrentar a situação. O aconselhamento, orientações, apoio social e terapias emergem como alternativas importantes para lidar com o estresse. Além disso, a participação em atividades recreativas e a ampliação da rede de suporte familiar podem reduzir a probabilidade de dificuldades comportamentais e ansiedade, fortalecendo o enfrentamento positivo. Intervenções que visam diagnóstico e intervenção precoce, aconselhamento informativo, treino parental, terapia individual e/ou de casal e aumento do suporte social, têm demonstrado ser eficazes na melhoria do bem-estar da família e no desenvolvimento da criança autista (Favero & Santos, 2005).
Ao reconhecer e abordar o estresse parental e os desafios enfrentados pelas famílias de crianças com autismo, podemos implementar estratégias e intervenções que visam melhorar a qualidade de vida e o bem-estar da família como um todo. Isso inclui o fornecimento de apoio emocional e prático aos pais, acesso a serviços de saúde mental e assistência financeira para ajudar a aliviar o ônus financeiro associado ao autismo. Além disso, promover a conscientização e a compreensão pública sobre o autismo pode ajudar a reduzir o estigma e o isolamento social enfrentados pelas famílias.
Dessa forma, ao trabalharmos juntos como uma comunidade, podemos criar um ambiente mais solidário e inclusivo para as famílias de crianças com autismo, onde todos possam prosperar e alcançar o seu pleno potencial.
Referências:
Favero, M. A. B., Santos, M. A. (2005). Autismo infantil e estresse familiar: uma revisão sistêmica da literatura. Psicologia: Refexão e Crítica, 18(3), 358-369. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722005000300010.
Shu, B. C, Lung, F. W & Chan, Y. Y. (2000). The mental health in mothers with autistic children: A case-control study in southern Taiwan. Kaohsiung Journal Medicine Science, 16, 308-314.
Tonge, B., Brereton, A., Kiomall, M., Mackinnon, A., King, N., & Rinehart, N. (2006). Efects on parental mental health of an education and skills training program for parents of young children with autism: A randomized controlled trial. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 45(5), 561–569. https://doi.org/10.1097/01.chi.0000205701.48324.26
Vasilopoulou, E., & Nisbet, J. (2016). The quality of life of parents of children with autism spectrum disorder: A systematic review. Research in Autism Spectrum Disorders, 23, 36–49. https://doi.org/10.1016/j.rasd.2015.11.008.
Artigo escrito em colaboração com:
Paulo Henrique B. do Carmo
Psicólogo clínico (CRP 03/3583), supervisor clínico, professor universtário e escritor.