Afinal, para quem são as festas de fim de ano?

Compartilhe este post

Chega o início do mês de dezembro e os questionamentos começam: “Onde iremos passar o Natal e a virada para o Novo Ano?” ou “Com quem iremos passar as festas de fim de ano?” Cada pessoa tem a sua resposta; porém, o que parece ser generalizado é que a maioria das mulheres irão passar boa parte da véspera de Natal e do Ano Novo na cozinha. Contrariando a cantora Pitty, que em 2015 tweetou:

pois eu não volto pra cozinha, nem o negro pra senzala, nem o gay pro armário. o choro é livre (e nós também)
fonte: twitter

, as mulheres continuam na cozinha durante o ano ano todo e mais evidentemente nas festas de fim de ano (e quase ninguém fala sobre isso, né?).

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2019), 95,5% das mulheres realizam diariamente atividades relacionadas à alimentação de toda a família, enquanto apenas 60,8% dos homens se dedicam a mesma tarefa domiciliar. Além do mais, todo o trabalho doméstico tende a ser invisível diante da sociedade, não sendo considerado como um verdadeiro trabalho. Inclusive, é tratado por muitos como um atributo natural do sexo feminino; ou seja, é como se as mulheres nascessem aptas e predestinadas a cozinhar, lavar, passar e realizar todas as tarefas domésticas que devem ser feitas em uma casa (Hirata & Kergoat, 2008). Apesar de grande parte da sociedade acreditar e afirmar que as mulheres são naturalmente mais aptas a realizarem tarefas domésticas (explicação baseada na filogênese), a explicação baseada no terceiro nível de variação e seleção (Skinner, 1953/1985) – o cultural – é o que parece caracterizar e explicar melhor essa questão.

fonte: unsplash.com

O terceiro nível de variação e seleção se refere às práticas culturais vigentes em uma determinada sociedade. Em uma estrutura patriarcal, a socialização baseada no sexo se inicia desde o momento em que se descobre o sexo do bebê ainda no útero materno. Meninas ganham presentes cor-de-rosa, bonecas de todos os tipos, modelos e tamanhos, laços, roupas enfeitadas e passam pela primeira mutilação, os furos nas orelhas que demarcam que aquele bebê é do sexo feminino. Essa socialização se dá através da feminilidade e mulheres femininas enfrentam desde seus primeiros anos de vida o adestramento para a heterossexualidade compulsória, maternagem e inserção no trabalho doméstico (Nicolodi & Hunziker, 2021).

O sexo feminino não é filogeneticamente mais apto para a realização de atividades domésticas, porém mulheres socializadas de acordo com a feminilidade são muito mais aptas para tais práticas, uma vez que “Não se nasce mulher, torna-se mulher” (Beauvoir, 1949/2008). Tornar-se mulher é passar pelo adestramento da feminilidade, onde mulheres se comportam de forma dócil e subalterna servindo a todos os homens (Nicolodi & Hunziker, 2021).

Como parte do adestramento, a divisão do trabalho é amplamente difundida como grande parte da socialização do sexo feminino, já que mulheres são constantemente exploradas em atividades domésticas não remuneradas (pois o trabalho doméstico não é considerado trabalho por muitas pessoas), além da dedicação constante relacionada ao cuidado de outras pessoas (Nicolodi & Hunziker, 2021).

Sendo assim, nas festas de fim de ano a situação não seria diferente. O que geralmente temos contato é com mulheres na cozinha preparando a ceia de Natal e de Ano Novo, enquanto

… as crianças brincam;

… as adolescentes do sexo feminino estão sendo socializadas através da inserção das mesmas no trabalho doméstico – por pedido de ajuda das mães -;

… e os adolescentes e homens curtem o momento entre si, cumprindo com seu papel de gênero relacionado à exploração da mão de obra feminina; até porque, como diria Beauvoir (1949/2008), “O mais medíocre dos homens julga-se um semideus diante das mulheres“.

Leituras sugeridas:

Beauvoir, S. (1949/2008). O segundo sexo, vol. 1: Fatos e mitos. Alcida Brant, Trad. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Hirata, H.; & Kergoat, D. (2008). Divisão sexual do trabalho profissional e doméstico: Brasil, França, Japão. In: Costa, A. O.; Sorj, B.; Bruschini, C.; Hirata, H. (orgs). Mercado de trabalho e gênero. Comparações internacionais. Rio de Janeiro: Editora FGV.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2019). PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua.

Nicolodi, L. G.; Hunziker, M. H. L. (2021). O Patriarcado Sob a Ótica Analítico-Comportamental: Considerações Iniciais. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 7(2), 164-175. http://dx.doi.org/10.18542/rebac.v17i2.11012

Skinner, B. F. (1953/1985). Ciência e Comportamento Humano. J. C. Todorov & R. Azzi, Trads. São Paulo: Martins Fontes.

Escrito por:

Ana Clara Almeida Silva

Psicóloga, Doutoranda e Docente do curso de Pós-Graduação em Análise Comportamental Clínica e no curso de Formação em FAP do IBAC.

Inscreva-se em nossa Newsletter

Receba nossas atualizações

Comentários

Posts recentes

Obrigado pelo feedback

Sua opnião é muito importante para nós!