Afinal, o copo está meio cheio ou meio vazio? – efeito de framing na clínica

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Se você fosse comprar um carro hoje, você preferiria um usado ou um semi-novo?

E quando você vai no supermercado, você compraria um produto com “apenas 5% de gordura” ou “95% livre de gordura”?

Se você vai pagar um boleto, você fica mais atento se houver multa por pagar depois da data de vencimento, ou se houver um desconto para pagamento antecipado?

Se você for analisar bem, as opções são idênticas no fim das contas.

Mas, de modo geral, a palavra “semi-novo” parece mais atrativa que “usado”; os “95% livre gordura” parecem bem mais saudáveis do que os “5% de gordura”; e a gente sempre vai preferir evitar a multa.

Sim, as palavras importam. A forma como estruturamos a pergunta influencia a nossa decisão. Esse é o chamado efeito de framing (que já apresentei no post dos nudges digitais, mas hoje queria trazer mais para exemplos na clínica).

No experimento clássico sobre o tema, de Daniel Kahneman e Amos Tversky, estudantes precisavam responder sobre uma medicação a ser dada à população em caso de pandemia – qualquer semelhança é mera coincidência porque esse estudo foi feito em 1981.

Eles perguntaram para um dos grupos:

Imagine que os Estados Unidos estejam se preparando para uma pandemia de uma doença asiática incomum.  Há previsão de que a doença mate 600 pessoas. Há duas opções de combate à doença.

Se o programa A for adotado 200 pessoas serão salvas. Se o programa B for adotado, há um terço de probabilidade de que as 600 pessoas sejam salvas e dois terços de probabilidade de que ninguém se salve.

Você escolheria o programa A ou B? Pense na sua resposta antes de continuar a ler.

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Se você seguiu a tendência dos estudantes, você escolheu o programa A, junto com outros 72% dos respondentes.

Os resultados ficaram assim:

Para um segundo grupo de estudantes, eles perguntaram da seguinte forma:

Imagine que os Estados Unidos estejam se preparando para uma pandemia de uma doença asiática incomum. Há previsão de que a doença mate 600 pessoas. Há duas opções de combate à doença.

Se o programa C for adotado 400 pessoas vão morrer. Se o programa D for adotado, há um terço de probabilidade de que ninguém morra e dois terços de probabilidade de que 600 pessoas morram.

E agora, o que você escolheria? Responda antes de ver o que as pessoas escolheram.

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A preferência mudou. Agora 78% dos participantes escolheriam o programa D.

Se você voltar nas duas formulações, verá que o programa A e C são idênticos em termos de resultado. Por que então a preferência muda?

Em parte, porque o enquadramento do problema é feito de forma a destacar as perdas ou os ganhos. E de modo geral nós, seres humanos, preferimos os ganhos. É melhor falar que o outro time ganhou do que o seu perdeu. É melhor fazer uma cirurgia quando você tem 98% de chance de sobreviver, do que quando você tem 2% de chance de morrer.

É parecido com a história do copo meio cheio ou meio vazio.

Fonte: memecrunch.com

No consultório isso aparece de várias formas. Em alguns casos, cabe a nós nas nossas sessões destacarmos quando um problema está sendo enquadrado de uma certa maneira.

Por exemplo, há uma lenda de que sogras podem ser difíceis de lidar. As sogras podem não ser legais o tempo todo, mas também não acredito que sejam chatas o tempo todo (mas a minha é, SIM, legal o tempo todo!! haha). Se a sogra é vista como difícil, qual é a chance de que a nora ou o genro já se comporte de forma mais rude e impaciente com ela? Quando atribuímos à sogra uma certa moldura, fica mais difícil de vê-la de outra forma ou de ser simpática com ela.

Diante desse framing de “ser difícil”, os filhos podem evitar fazer críticas da mãe para seus parceiros ou evitar falar sobre o que vivem na relação para a mãe, evitando as molduras do problema.

A mesma figura, com diferentes molduras.
Qual você penduraria na sua sala?
Fonte: https://www.letstorque.org/blog/2018/5/3/the-art-of-presentations

Para não ser implicante com as sogras, posso trazer outros exemplos:

– Uma pessoa que se vê como “frágil” e pessoas assim não conseguem enfrentar os desafios que tem pela frente;

– Uma pessoa que decidiu que o marido é “muito lento”, então assume o controle quando vai explicar um fato, fazer as compras, viajar ou resolver problemas;

– Uma pessoa que ouviu da família a vida inteira que era “grosseira e crítica” e no esforço para não ser, acaba sendo passiva e inassertiva em diversas ocasiões.

O framing pode aparecer também em outras situações. Podemos restringir nossa análise para apenas um aspecto da situação, sem ver todo o contexto.

Isso acontece com bastante frequência, como quando o cliente traz uma fala sua para defender seu ponto de vista, mas não amplia sua visão para todos os demais fatos que aconteceram antes. A cliente pode reclamar que o marido só fica no bar com os amigos, o que gera um framing de que esse marido é “folgado”, sem se atentar para as consequências que ela própria distribui quando ele chega em casa – gritos, xingamentos e mal-humor. Para quem não conhece, essa é a história do texto “O antes, o do meio e o depois”, um conto de Roosevelt Starling sobre princípios da análise do comportamento.

Na clínica, fique sempre atento às molduras. Veja todos os ângulos para além daquilo que o cliente apresenta. Lembre-se que as molduras impactam a nossa visão do mundo e a forma como estruturamos o problema pode influenciar nossa decisão. Afinal, todo copo meio cheio também pode ser meio vazio, e vice versa.

Referências e para saber mais:

Ávila, F., & Bianchi, A. M. (Eds.). (2015). Guia de economia comportamental e experimental. Economia Comportamental.org.

Kahneman, D., & Tversky, A. (2013). Choices, values, and frames. In Handbook of the fundamentals of financial decision making: Part I (pp. 269-278).

Starling, R. R. (2002) O antes, o do meio e o depois. In Guilhardi, H. J., Brandão, M. Z. S., Conte, F. C. S., & Mezzaroba, S. M. B. Comportamento humano: Tudo (ou quase tudo) que você precisa saber para viver melhor. Esetec: Santo André.

Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases: Biases in judgments reveal some heuristics of thinking under uncertainty. Science185(4157), 1124-1131.

Tversky, A., & Kahneman, D. (1981). The framing of decisions and the psychology of choice.  Science, vol 211, no. 4481 (pp. 453-458).

Escrito por:

Patrícia Luque

Supervisora de Estágio no IBAC. Psicóloga clínica. Doutora em Ciências do Comportamento e Mestre em Psicologia pela UnB

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