Adaptação de Recursos Digitais no Tratamento da Depressão

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A Ativação Comportamental é uma abordagem terapêutica que objetiva facilitar o engajamento de pessoas deprimidas em atividades significativas e gratificantes como uma maneira de influenciar seus estados de humor para superar a depressão. Ela parte do pressuposto de que a depressão implica em um ciclo de inatividade e isolamento, que por sua vez aprofunda os sintomas depressivos. A Ativação Comportamental visa quebrar esse ciclo, incentivando os pacientes a retomarem a participação em atividades que costumavam proporcionar prazer e satisfação. 

Na Ativação Comportamental, terapeutas trabalham em estreita colaboração com os pacientes para identificar atividades que são significativas para eles, definir metas alcançáveis e desenvolver estratégias para resolver problemas que aparecem durante o tratamento. Exemplos de atividades significativas podem ser sair para um passeio, realizar uma atividade criativa, cozinhar, encontrar amigos ou se envolver em atividades de aprimoramento profissional. Em casos mais graves, atividades como beber água, trocar uma peça de roupa e escovar os dentes podem ser significativas.

Embora algumas dessas atividades passem despercebidas para pessoas saudáveis, que as realizam sem grande planejamento ao longo das semanas, para muitas pessoas deprimidas não é assim; fadiga e desânimo são sintomas típicos da depressão, amenizados aos poucos com a ativação. É fácil prever que inclusive o próprio comparecimento e engajamento na terapia pode ser custoso para os pacientes deprimidos e precisa envolver exigências realistas. Por vezes, as dificuldades para engajar na terapia acabam inviabilizando a condução de um tratamento fiel por parte do terapeuta, que desiste de utilizar as estratégias com evidências de eficácia, ou levam ao abandono do tratamento por parte do cliente, caso os terapeutas não estejam atentos e atuando para amenizar os custos de resposta ao mesmo tempo em que monitoram o progresso do tratamento.

Recursos digitais no tratamento

A tecnologia digital está onipresente em nossas vidas, e pode ser considerada na hora de adaptar a Ativação Comportamental para diferentes perfis de pacientes, sempre com o objetivo de permitir um tratamento mais reforçador e uma recuperação ágil. Tradicionalmente, as atividades de Ativação Comportamental foram desenvolvidas para formulários em papel. Essa modalidade provou-se frustrante para alguns clientes, por exemplo, os que têm dificuldades de organização ou esquecem os materiais.

Tempo adicional é gasto em sessão revisitando a semana do cliente quando as anotações não são feitas conforme combinado, e pode-se esquecer de informações relevantes – visto que lentificação cognitiva e prejuízos de memória são sintomas típicos de depressão. Em resposta a esse e outros problemas, diferentes aplicativos têm sido desenvolvidos com o objetivo de oferecer suporte a pessoas deprimidas, “digitalizando” estratégias que são realizadas nessa terapia. Um pré-requisito para essa modalidade é que o paciente possua um smartphone ou outro dispositivo equivalente, é claro. 

Benefícios e cuidados

Quando viável, o uso de aplicativos oferece benefícios tanto para terapeutas quanto para pacientes.  Atualmente, muitas pessoas têm mais facilidade em digitar do que escrever à mão, devido às transformações nos ambientes acadêmicos e laborais. Poder digitar, portanto, já poderia representar uma adaptação que reduz o custo de resposta de engajar no tratamento para algumas pessoas. Além disso, como a maioria das pessoas leva seus smartphones consigo, os pacientes podem acessar suas tarefas de terapia onde quer que estejam, facilitando a adesão ao tratamento e o registro ágil, o que pode permitir dados mais fidedignos do que quando o cliente preenche o monitoramento diário apenas ao fim do dia. Ao mesmo tempo, utilizar registros computadorizados pode facilitar a organização de medidas de progresso e o acompanhamento da efetividade do tratamento por parte do terapeuta. 

Apesar dos benefícios, o uso de tecnologia não está isento de desafios e considerações éticas. É crucial garantir a privacidade e a segurança dos dados dos pacientes ao usar aplicativos. Terapeutas devem investigar se os aplicativos que estão sugerindo seguem práticas seguras de coleta e armazenamento de dados, além de discutir esses cuidados com os clientes. Outra preocupação é que nem todos os aplicativos com a finalidade de auxiliar no tratamento da depressão são desenvolvidos dentro de um contexto científico, atendendo a critérios de rigor metodológico revisados por pares. Geralmente, os mais esteticamente atraentes e populares tendem a ser desenvolvidos por empresas privadas e precisam ser ainda mais cuidadosamente avaliados antes de serem endossados ou sugeridos aos clientes.

Infelizmente, os aplicativos desenvolvidos dentro de contextos científicos frequentemente deixam de estar disponíveis para o público ou até mesmo nunca chegam ao Brasil. Porém, como os desenvolvedores desses aplicativos valorizam o princípio científico de revisão por pares, há artigos escritos descrevendo o desenvolvimento de aplicativos. Analisar o processo de desenvolvimento e testagem desses aplicativos permite planejar adaptações com as mesmas funções e que possam ser realizadas com recursos que os clientes mais adaptados às tecnologias digitais já utilizam no dia a dia.

Behavioral Apptivation

O Behavioral Apptivation é um aplicativo desenvolvido em colaboração com o pesquisador Carl Lejuez, um dos autores do Manual de Ativação Comportamental Breve para Depressão, com o objetivo de ser um recurso complementar para terapeutas e clientes nessa terapia. Embora não seja possível acessar o aplicativo nesta data, temos acesso aos artigos científicos escritos sobre ele, que estão listados nas referências do post. Essas referências permitem visualizar o que os autores priorizaram no desenvolvimento do aplicativo, e que considerações foram feitas para deixar algumas funções de fora. O artigo de desenvolvimento do Behavioral Apptivation traz imagens das telas do aplicativo (vale a pena conferir!), o que facilita pensar ferramentas análogas que podemos convidar nossos clientes a utilizarem.

Cinco recursos foram incluídos no Behavioral Apptivation, considerando o que seria relevante para a maior parte dos terapeutas e clientes: 1) calendário, 2) inventário de valores e atividades para cinco áreas da vida pré-definidas (relações, responsabilidades diárias, lazer, carreira e educação e saúde), 3) registro de planos, 4) prompt diário para monitoramento de humor e 5) registro de pedidos de ajuda (às vezes chamados de contratos comportamentais). Com a justificativa de permitir mais flexibilidade aos terapeutas na contextualização do tratamento, não foram incluídos módulos de psicoeducação, nem contingências automáticas de reforçamento dos comportamentos de preencher.

Substituindo recursos do Behavioral Apptivation por aplicativos de uso cotidiano

Cada um dos cinco recursos programados pode ser substituído por tecnologias que temos disponíveis gratuitamente, e são de ampla divulgação, caso seja do interesse dos terapeutas e clientes. Exemplificamos algumas:

  • A função “calendário” é graficamente muito semelhante à Agenda Google e outras opções concorrentes. É possível configurar um calendário compartilhado entre terapeuta e cliente, caso desejável, e que pode visualizado ou escondido conforme o desejo de cada usuário (visando preservação de sigilo de informações sensíveis);

  • As diferentes cores disponíveis para as atividades na Agenda Google também poderiam ser convencionadas entre terapeuta e cliente com diferentes significados relevantes ao tratamento. Uma cor poderia sinalizar atividades agendadas que não foram cumpridas, por exemplo, aumentando a probabilidade de serem discutidas em sessão; diferentes cores poderiam referir-se a áreas da vida, permitindo a visualização da distribuição das atividades entre as áreas (laranja para estudo/trabalho, verde para saúde, por exemplo);

  • O aplicativo de alarmes de qualquer telefone ou smartwatch pode ser programado para entregar prompts para a realização de atividades. Na verdade, até a própria Agenda Google oferece a função de lembrete para as atividades programadas. Nesse caso, é importante avaliar se os prompts são úteis ou aversivos pro cliente, e garantir que não estejam sendo ignorados pelo cliente caso opte-se por utilizar;

  • Poderia-se encorajar clientes a utilizarem aplicativos de blocos de notas exclusivamente para registros de planos de ação, facilitando a visualização e consulta;

  • Alguns smartphones permitem a criação de pastas para reunir aplicativos, o que poderia facilitar o acesso aos diferentes recursos nessa adaptação “artesanal” da tecnologia.

O texto de hoje não tem a pretensão de exaurir o assunto, mas de exemplificar algumas possíveis aplicações da tecnologia que muitos de nós usamos no dia a dia no planejamento do tratamento de clientes depressivos, tornando-o mais atraente e ágil de realizar. Embora possa parecer banal para quem já utiliza estratégias de organização como essas, lembre-se de que beber água e escovar os dentes provavelmente são atividades banais também para a maioria das pessoas, mas que podem ser difíceis em quadros depressivos. 

Bibliografia

Abreu, P. R. & Abreu, J. H. dos S. S. (2017). Ativação comportamental: Apresentando um protocolo integrador no tratamento da depressão. Revista Brasileira De Terapia Comportamental e Cognitiva, 19(3), 238–259. doi:10.31505/rbtcc.v19i3.1065

Dahne, J., Kustanowitz, J., & Lejuez, C. W. (2018). Development and Preliminary Feasibility Study of a Brief Behavioral Activation Mobile Application (Behavioral Apptivation) to Be Used in Conjunction With Ongoing Therapy. Cognitive and behavioral practice25(1), 44–56. https://doi.org/10.1016/j.cbpra.2017.05.004

Kanter, J. W., Busch, A. M., & Rusch, L. C. (2022). Ativação Comportamental. Novo Hamburgo: Sinopsys Editora.

Lejuez, C. W., Hopko, D. R., Acierno, R., Daughters, S. B., & Pagoto, S. L. (2011). Ten year revision of the brief behavioral activation treatment for depression: revised treatment manual. Behavior modification, 35(2), 111–161. doi: 10.1177/0145445510390929

Escrito por:

Andressa Secchi Silveira

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Análise do Comportamento (PPGAC) na Universidade Estadual de Londrina (UEL), vinculada ao LaBori – UEL. Bacharela em Psicologia pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Especialista em Análise Comportamental Clínica pelo IBAC. Psicóloga (CRP 07/35022) e supervisora particular.

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