Vivemos em um contexto social de intenso desconforto. Ao mesmo tempo em que precisamos lidar com angústias e problemas diários, não somos culturalmente treinados para lidar com nossas emoções de maneira não-evitativa. O resultado disso é uma evitação generalizada. Funcionamos para evitar desconforto. Resolvemos problemas, passamos horas ruminando sobre situações futuras, fazemos de tudo para não sentir (ou entrar em contato com) emoções desagradáveis etc.
Nesse contexto, o termo “aceitação” pode ser mal recebido. À primeira vista, podemos associar o termo à ideia de “desistência” frente aos desafios, ou até a uma forma de discurso de “positividade tóxica”, que traz uma visão “positiva” totalmente desconectada da nossa realidade social e econômica. Justamente, cultivar aceitação não parece ser uma atitude sensata.
A resistência em relação ao termo é compreensível, pela confusão entre os conceitos de “aceitação” e “resignação”. Em uma análise mais aprofundada, porém, conseguimos notar que não se tratam da mesma coisa. Resignar não é aceitar. É tolerar, passivamente, o que nos é imposto. Resignados, não lutamos, não tomamos atitudes e não fazemos nada para melhorar nossa realidade. Apenas existimos, vivendo o desconforto na esperança de que ele desapareça sozinho.
Na maioria das vezes, a resignação não é vista com bons olhos e não deve ser tratada como sinônimo de aceitação.
Ao contrário da resignação, a aceitação não é passiva. É uma prática deliberada. Cultivamos aceitação quando, de maneira disposta, curiosa e consciente, olhamos para nossos processos (internos e externos) dolorosos e os aceitamos da maneira como são, sem julgamentos e sem esquivas.
Pelo caráter assustador dessa prática, sua potencial utilidade pode não ser tão evidente. Por que diabos olharíamos deliberadamente para aquilo que nos é mais doloroso?
O fato é que não conhecemos aquilo que evitamos. A ausência de contato nos deixa no escuro, com o desconhecido, e nos sentimos em perigo. Como podemos conhecer algo se não estamos minimamente dispostos a olhar para sua direção? E lutando contra esse potencial perigo, nosso repertório se limita consideravelmente (se queremos evitar algo a todo custo, não nos resta muito espaço para outras opções e outras formas de resposta).
Na prática da aceitação, por outro lado, aumentamos nosso leque de opções. Quando olhamos – de maneira disposta e curiosa – para nossa dor, passamos a conhecê-la. Observando nossos pensamentos, percebemos onde está o incômodo. Observando o contexto, identificamos nossos “gatilhos” e sua relação com nossas dores. Nada disso é possível se, na menor presença de um evento doloroso, fizermos de tudo para não vivê-lo.
Nesse sentido, paradoxalmente, o cultivo da aceitação nos coloca em melhor posição para provocar mudanças significativas. Sem o inflexível objetivo de eliminar desconforto, temos mais espaço para agir diante daquilo que nos é apresentado. Podemos agir em direção ao que é realmente importante para nós (mesmo que isso cause dor imediata), e podemos nos livrar de prejuízos tardios que vêm como custo de alívios imediatos.
Aceitando, não ficamos parados. Nos movimentamos e seguimos nosso caminho com a devida abertura, sem desvios baseados em dores inevitáveis.
Nesse ponto, é válido lembrar: aceitando ou não, a dor continuará existindo. Não é difícil concluir que, durante nossa vida toda, lutamos contra o sofrimento e nunca o eliminamos de maneira definitiva. É impossível viver uma vida sem sofrimento. Apesar disso, ao aceitá-lo, é possível ter uma vida extremamente valorosa e que vale à pena ser vivida.
Sugestões de leitura
Hayes, S. C. (2020). A liberated mind: How to pivot toward what matters. New York: Avery.
Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (2021). Terapia de Aceitação e Compromisso: O Processo e a Prática da Mudança Consciente. São Paulo: Artmed Editora.
Saban, M. T. (2011). Introdução à Terapia de Aceitação e Compromisso. Belo Horizonte: Artesã.