A Psicoterapia Analítica Funcional como Agente do Autoconhecimento

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De acordo com Skinner (2006), os estímulos que surgem dentro do organismo desempenham um papel importante no comportamento e os contatamos por nosso sistema nervoso e sensorial. Porém, a autoconsciência da experiência privada é um produto de comunidades verbais que arranjam contingências de modo que uma pessoa passa a observar e relatar esses eventos privados. O relato de eventos privados é útil porque é produto colateral de causas ambientais, sobre as quais tanto o indivíduo quanto outros podem então fazer inferências úteis.

A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) foi desenvolvida por Robert Kohlenberg e Mavis Tsai, no início dos anos 90, tendo como foco a relação terapêutica como um agente de mudança no momento “aqui e agora” (Tsai et al, 2011). Terapeutas FAP trabalham ativamente para criar uma relação autêntica com os seus clientes, fornecendo feedbacks em tempo real sobre o comportamento do cliente durante as sessões.

Para tal, trabalhamos com Comportamentos Clinicamente Relevantes (CRBs). Inicialmente identificamos os problemas do cliente que ocorrem durante a sessão, os CRB1s. Acredita-se que o comportamento que ocorre em sessão, também acontece fora dela (Kohlenberg e Tsai, 2001). Por exemplo, uma pessoa que se queixa de ansiedade frente a situações de socialização, também apresenta dificuldades em relatar sua semana para o terapeuta.

Os CRB2s são os progressos que o cliente vem obtendo em sessão, as melhorias dos clientes ocorridas relacionadas aos CRB1s. No início do processo terapêutico, os CRB2s são raros, mas tendem a aumentar de frequência à medida em que é realizado o processo terapêutico da FAP (Kohlenberg e Tsai, 2001). Seguindo o exemplo anterior, um CRB2 seria o cliente conseguir relatar para seu terapeuta um evento em que esteve durante o fim de semana.

Já os CRB3s são as interpretações do cliente acerca do seu próprio comportamento, ou seja, realizar análises funcionais (Kohlenberg e Tsai, 2001). Aqui, o que temos que nos atentar é para que o cliente não passe a emitir apenas CRB3s, justificando seu comportamento, e com isso, não se engajando em CRB2s. É importante que os CRB3s ocorram em conjunto, e não isoladamente dos CRB2s.

Além disso, a FAP enfatiza a importância da autorrevelação, encorajando os terapeutas e clientes a compartilharem seus próprios sentimentos e reações durante as sessões, criando assim um ambiente terapêutico seguro e colaborativo. Com base nisso, Haworth et al (2015) propuseram um novo modelo para a FAP, o modelo ACL, no inglês “Awareness, Courage and Love” e traduzido para o Português como “Consciência, Coragem e Amor”.

A consciência, no terapeuta, significa procurar por comportamentos do cliente que sejam relevantes para o trabalho clínico. Já para o cliente, é estar presente no que ocorre ao invés de se engajar em padrões comportamentais automaticamente (Holman et al, 2022).

A coragem está relacionada com a capacidade de enfrentar e lidar com medos e ansiedade do dia a dia, envolvendo tomar decisões e assumir riscos. Na clínica, significa assumir riscos em prol de seus valores (Holman et al, 2022).

O amor é tratado como sinônimo de intimidade, envolve acolhimento, cuidado, respeito, respondendo aos comportamentos do cliente com sensibilidade e empatia. Já para a clínica, significa corresponder satisfatoriamente à ação corajosa do outro (Holman et al, 2022).

Dentro do Modelo ACL podemos perceber que a FAP apresenta ênfase em autoconsciência e autorreflexão. É através de uma relação terapêutica autêntica, onde o terapeuta FAP incentiva o cliente a se tornar mais consciente de seus próprios pensamentos, emoções e comportamentos, e se permitindo ser vulnerável, o cliente passa e expressar com coragem o que consegue perceber acerca de si. Tudo isso é essencial para um processo de autoconhecimento, pois muitas vezes estamos imersos em nossas vidas que não conseguimos refletir ou perceber de forma funcional nossas reações e padrões comportamentais.

Ressalta-se, assim, que o processo social de produção social da autoconsciência, conforme apontado por Skinner (2006) é intencionalmente reproduzido no contexto da relação terapêutica, com perguntas realizadas pelo terapeuta sobre a estimulação privada à qual o cliente está exposto. Conforme o cliente é capaz de identificar e relatar seu mundo interior para o terapeuta, este se torna capaz de reforçar tais expressões e estabelecer, para o cliente, um repertório acurado de autorrelato/autoconhecimento.

Os terapeutas FAP incentivam os clientes a expressarem suas emoções de maneira autêntica e a explorar as necessidades individuais que cada um tem. Isso não apenas ajuda os clientes a compreenderem melhor suas próprias motivações, mas também promove a aceitação e a validação de suas emoções. À medida que nos tornamos mais conscientes de nossos padrões comportamentais, somos incentivados a fazer escolhas mais saudáveis e eficazes. Essas mudanças de comportamento não apenas aliviam os sintomas, mas também refletem em um crescimento pessoal. Parafraseando Skinner (2006), o autoconhecimento é único para cada individuo, e quanto mais nos tornamos conscientes de nós mesmos, melhor conseguimos prever e controlar nosso próprio comportamento.

Podemos dizer que a FAP atua de forma a nos permitir observar nossos próprios comportamentos de uma perspectiva diferente. Esse processo de autorreflexão nos ajuda a identificar padrões disfuncionais e a entender as origens desses padrões, o que, por sua vez, leva a um maior autoconhecimento. Além disso, a FAP nos proporciona a coragem de expressar essas descobertas e receber o amor e acolhimento do outro, auxiliando na construção de relações saudáveis.

Referências

Haworth, K., Kanter, J. W., Tsai, M., Kuczynski, A. M., Rae, J. R., & Kohlenberg, R. J. (2015). Reinforcement matters: A preliminary, laboratory-based component-process analysis of Functional Analytic Psychotherapy’s model of social connection. Journal of Contextual Behavioral Science, 4(4), 281-291. https://doi.org/10.1016/j.jcbs.2015.08.003

Holman, G., Kanter, J. K., Tsai, M. & Kohlenberg., R. J. (2022). Psicoterapia Analítica Funcional descomplicada: guia prático para relações terapêuticas. Novo Amburgo: Sinopsys Editora.

Obs. Estudantes de cursos de Pós-graduação e Formação do IBAC têm desconto na Sinopsys.

Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia analítica funcional: Criando relações terapêuticas intensas e curativas (R. R. Kerbauy, Trad.). Santo André: ESETec. (Obra publicada originalmente em 1991).

Skinner, B. F. (2006). Sobre o Behaviorismo. 10 ed. São Paulo: Cultrix. (Obra publicada originalmente em 1974).

Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette W. C., & Callagan, G. M. (2011). Um guia para a psicoterapia analítica funcional: consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.

Texto escrito em parceria com:

Luanny Matias, CRP 04/57065

Psicóloga clínica, aluna do curso de Pós-graduação em Análise Comportamental Clínica do IBAC. Orientanda do grupo de pesquisa em Psicoterapia Analítica Funcional.

Escrito por:

Rodrigo Xavier

Psicólogo (UFMS) e psicoterapeuta, Doutor em Psicologia Clinica (USP) com estágio sanduíche na University of Washington sob os cuidados dos Ph.D. Robert Kohlenberg, Mavis Tsai e Johnatan Kanter. Treinador certificado de FAP desde 2021. Líder de encontros do Projeto Global Viva com Consciência, Coragem e Amor desde 2018. Professor nos cursos de Formação em FAP e Terapia Analítico-Comportamental Infantil do IBAC.

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