A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), desenvolvida por Robert Kohlenberg e Mavis Tsai em 1987, é uma abordagem comportamental que se concentra no uso da relação terapêutica para promover mudanças nos comportamentos clinicamente relevantes. Embora originalmente aplicada a adultos, a FAP foi adaptada para o contexto infantil, respeitando as especificidades do desenvolvimento e da interação social das crianças. Este texto explora como a FAP pode ser aplicada em contextos clínicos infantis, destacando a importância da relação terapêutica participativa e a integração do Modelo ACL (Consciência, Coragem e Amor), que fortalece o vínculo terapêutico e o desenvolvimento emocional.
Introdução à FAP na Clínica Infantil
A FAP segue uma perspectiva comportamental radical, onde o comportamento é entendido como uma interação contínua entre o indivíduo e o ambiente. No contexto infantil, a FAP visa não apenas tratar transtornos, mas também promover o bem-estar geral das crianças. A FAP baseia-se na ciência comportamental contextual e utiliza termos de nível intermediário, reconhecendo a relevância de fenômenos como cognição, self e transferência, dentro de uma interpretação comportamental.
No caso de crianças, a FAP pode ser particularmente eficaz em tratar o isolamento social, promovendo comportamentos de intimidade e competência social. Embora a FAP ainda não tenha evidências robustas para ser recomendada como tratamento principal para diagnósticos específicos em crianças, ela é considerada uma abordagem transdiagnóstica eficaz para o reforçamento de comportamentos alvo.
A Relação Terapêutica e o Estilo Parental Participativo
A construção de uma relação terapêutica sólida é central na FAP infantil, pois as crianças frequentemente enfrentam dificuldades para expressar suas emoções e problemas da mesma forma que os adultos. Inspirada por estilos parentais participativos, a FAP adota uma postura democrática, equilibrando a responsabilidade do terapeuta em guiar a criança e o incentivo à autonomia.
A comunicação aberta e bidirecional é um dos principais componentes desse estilo, com o terapeuta ouvindo ativamente as necessidades da criança e criando um ambiente seguro. Além disso, a consistência nas expectativas e a flexibilidade no tratamento ajudam a moldar a experiência terapêutica, permitindo que a criança se sinta compreendida e validada.
Consciência, Coragem e Amor: Integrando o Modelo ACL
Um complemento poderoso à FAP é o Modelo ACL, que se baseia nos princípios de Consciência, Coragem e Amor. Esse modelo oferece uma estrutura para promover a regulação emocional e o desenvolvimento de relações autênticas, tanto no contexto terapêutico quanto fora dele.
Consciência
No contexto terapêutico, a Consciência refere-se à percepção plena e aberta dos estados emocionais e comportamentais do cliente e do terapeuta. Na FAP, a consciência ajuda a identificar os Comportamentos Clinicamente Relevantes (CCRs), que podem incluir padrões de desconexão emocional ou evitação. Ao trazer a consciência para esses momentos, o terapeuta utiliza o relacionamento terapêutico como ferramenta para explorar novas formas de conexão e comportamento funcional.
Coragem
A Coragem está ligada à disposição de agir de maneira vulnerável e autêntica, enfrentando o medo de julgamento. Na FAP, terapeuta e cliente são incentivados a demonstrar coragem ao explorar temas difíceis e expor emoções genuínas na relação terapêutica. Esse processo cria um espaço onde o cliente, incluindo a criança, pode experimentar os benefícios de ser aceito em sua autenticidade.
Amor
O Amor no modelo ACL refere-se à criação de conexões seguras e autênticas. Na FAP, esse amor se manifesta no reforço positivo de comportamentos de conexão e na construção de uma relação terapêutica acolhedora e desafiadora. A experiência de uma relação onde comportamentos vulneráveis são aceitos e valorizados ajuda o cliente a replicar esses comportamentos em outros relacionamentos fora da sessão.
Comportamentos Clinicamente Relevantes (CCRs)
Na FAP, os CCRs são centrais para o tratamento, divididos em três categorias: CCR1 (problemáticos), CCR2 (progressos) e CCR3 (interpretações). Exemplos de CCR1 em crianças incluem dificuldades de comunicação e desregulação emocional. O objetivo terapêutico é reduzir esses comportamentos, enquanto os CCR2, que refletem progresso e conexão, são reforçados. O CCR3 envolve a capacidade da criança de refletir sobre suas emoções e comportamentos, um aspecto fundamental para o desenvolvimento emocional saudável.
A Técnica Terapêutica: As Cinco Regras da FAP
A FAP é guiada por cinco regras principais: observação consciente dos CCRs, evocação de comportamentos dentro da sessão, reforço de comportamentos desejáveis, avaliação contínua das intervenções e promoção da generalização dos comportamentos para além do ambiente terapêutico. Essas regras ajudam a estruturar a intervenção, focando na prática direta de comportamentos que podem ser imediatamente reforçados e refinados.
Conclusão
A FAP aplicada ao contexto infantil, especialmente quando integrada ao Modelo ACL, oferece uma abordagem poderosa para trabalhar com comportamentos clinicamente relevantes. A combinação entre atenção, coragem e amor cria um ambiente terapêutico que promove a vulnerabilidade, a conexão e o desenvolvimento emocional. Embora a FAP ainda precise de mais evidências robustas para ser recomendada como o tratamento principal para diagnósticos específicos, sua aplicação transdiagnóstica, focada em comportamentos de conexão e regulação emocional, a torna uma ferramenta valiosa no tratamento de crianças.
Referências
Conte, F. C. S. (2001). A Psicoterapia Analítica Funcional e um sonho de criança. In: H. J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 7. Expondo a Variabilidade (pp. 351-360). Santo André: ESETec.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional: criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André: ESETec. Caps. 1 e 2.
Moura, C. B. & Conte, F. C. S. (1997). A Psicoterapia Analítico-Funcional aplicada à terapia comportamental infantil: a participação da criança. Torre de Babel (UEL), vol. 4, n. 1, pp. 131-144. Xavier, R. N., Newring, R. W., Parker, C. R., Newring, K. A. B. & Tsai, M. (2020). A Psicoterapia Analítica Funcional com adolescentes. Manuscrito.
Como citar este artigo (APA):
Xavier, R. N. (2024, 6 de setembro). A Psicoterapia Analítica Funcional e o Modelo ACL com Crianças: desenvolvendo uma relação terapêutica participativa e de cuidado. Blog do IBAC. https://ibac.com.br/a-psicoterapia-analitica-funcional-e-o-modelo-acl-com-criancas-desenvolvendo-uma-relacao-terapeutica-participativa-e-de-cuidado/