A escolha perfeita e o nosso medo de perder

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Qual o maior dilema que você já enfrentou?

Polônia, 1940. Você está na fila do trem que leva a Auschwitz. Você carrega seus dois filhos pequenos pela mão. Seu coração pula de medo, diante dos eventos que você vem acompanhando nos últimos meses. Você já perdeu boa parte da sua família, você não tem mais casa, não tem emprego, sua vida já não existe mais. A única coisa que você ainda tem são seus dois filhos e a roupa que você usa.

Imagine agora que o guarda que está organizando a fila, segurando um cão pastor pela coleira, que late de forma ensurdecedora, olha nos seus olhos, vê seus filhos e faz uma pergunta.

Ele lhe diz:

– Escolha um filho para ir com você para o campo de concentração. O outro será mandado para a câmara de gás.

Você, imóvel, entende que não há como fazer essa opção. Não há como escolher quem vive e quem morre. E você responde que não vai escolher.

Então o guarda continua:

– Escolha um. Ou então, ambos irão para a câmara de gás.

Ainda diante da sua hesitação e terror, as crianças começam a chorar. E o guarda, olhando para você, agarra o braço das duas crianças, para levar a ambas para a câmara de gás. Ele ainda espera a sua resposta.

Você precisa fazer uma escolha. A melhor. Agora. Não, você não pode ir ao futuro para testar os dois caminhos e depois voltar no tempo e escolher. Você só pode escolher uma coisa e toda a sua vida vai depender e se desenvolver a partir disso.

E você escolhe…

Se você atende na clínica há algum tempo, já deve ter percebido que muito do nosso trabalho na psicologia se refere a ajudar nossos clientes a descobrirem saídas e soluções para seus próprios dilemas. Alguns, insolúveis. Nenhum com apenas uma resposta definitiva.

A vida traz alguns dilemas bem interessantes e, felizmente, nem sempre tão trágicos como o da história acima. Às vezes, temos diante de nós bifurcações, para as quais as duas opções são igualmente atrativas e aterrorizantes e ambas trazem consequências duradouras.

Vamos começar com as mais simples: Carro ou moto? Comprar ou alugar? Vinho ou cerveja? Menino ou menina?

Viver em um mundo sem oceanos ou sem florestas?

Dar a volta ao mundo e não ter uma casa por 10 anos ou não sair de casa por 10 anos?

Um grande amor por 1 ano ou uma carreira bem-sucedida por 30 anos?

Salvar um animal grande ou 100 pequenos?

Buscar ou esquecer? Ficar ou partir? Ir atrás ou seguir em frente?

Mas mais do que isso, eu diria que o maior desafio nos dilemas que vivemos ou que ajudamos os nossos clientes a lidar é abandonar uma das opções.

Resolver um dilema significa a renúncia da alternativa não escolhida, o caminho não percorrido, a eterna dúvida do que teria acontecido se a opção fosse outra, a perda.

Nós fazemos de tudo para evitar perder. E isso até tem um nome: aversão à perda, fenômeno estudado por Daniel Kahneman e Amos Tversky, pioneiros na pesquisa de economia comportamental desde a década de 1970.

Os dois pesquisadores demonstraram que perder é mais aversivo do que ganhar é atrativo. Kahneman e Tversky propuseram uma função valor em forma de S, consideravelmente mais íngreme para perdas que para ganhos. Isso significa que as perdas são mais intensamente percebidas, mesmo quando o quantitativo é equivalente.

Função hipotética do valor de uma alternativa. Extraído de Kahneman e Tversky (1984, p. 342).

Claro, que na vida, nem sempre as escolhas são matematicamente calculadas. E esse é o grande problema. Se quando a matemática racional já não nos ajuda, imagina quando o resultado é qualitativo.

Outros pesquisadores, Erin Rasmussen e Christopher Newland, estudaram se haveria alguma simetria entre perdas e ganhos. No experimento, os participantes poderiam escolher entre duas alternativas em esquemas concorrentes, sendo um mais rico, com mais reforços disponíveis e outro, mais pobre, que dava menos reforços que o anterior. No entanto, associado ao esquema mais rico, em determinadas condições, havia uma perda que reduzia os ganhos e o tornava semelhante ao esquema mais pobre. Os resultados mostraram que os participantes preferiram a alternativa sem perda, mesmo que ambas oferecessem os mesmos ganhos, no final. Os autores chegaram à conclusão de que a perda é sentida três vezes mais que o ganho.

Por isso, faz sentido quando nossos clientes relutam em escolher, sofrem em abandonar uma alternativa. A perda dói. E dói não saber o que teria sido, se fosse…

Para nossos grandes dilemas, não há resposta certa. E quando escolhemos, a alternativa não escolhida simplesmente desaparece. Ela existe apenas em um “universo paralelo”, se é que eles existem. Então, quando escolhemos ficar e não partir, o partir deixa de existir como opção. Até que ele reapareça em uma nova bifurcação do meio do caminho.

A aversão à perda explica relacionamentos afetivos que faliram há tempos, mas que as pessoas continuam tentando fazer funcionar, a qualquer custo. Nessa semana eu ouvi de um cliente como estava sendo difícil decidir deixar a ex-namorada seguir a vida. Abandonar o relacionamento e encarar a perda é muito aversivo. Melhor nunca ter que enfrentar essa possibilidade.

Isso nos ajuda a entender que algumas pessoas terão dificuldade em escolher trabalhar ou estudar em vez de ficar na rede social para não perder algum post ou story importante. Essas pessoas não querem perder nada (talvez você conheça esse fenômeno como FOMO [fear of missing out] ou medo de perder algo ). Porque somos, como espécie, avessos à perda.

Ou ainda, a aversão à perda nos explica porque algumas perdas são absolutamente devastadoras, como uma ideia, uma esperança ou um sonho.

E na tentativa de não viver a perda, alguns de nós decidimos nunca escolher. E procrastinar toda e qualquer decisão. Assim não ganhamos e certamente não perdemos. Viver em cima do muro pode ser uma opção segura para muitos.

O que deixo de reflexão para lidar com as perdas é que elas nos ensinam e nos tornam mais sábias. A partir das perdas, opções mais maduras, mais ponderadas e mais significativas podem ser feitas. Conhecer o que nos move e o que é precioso para cada um pode auxiliar em escolhas que nos apontem para o caminho da nossa felicidade.

Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar,

ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri,

no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir.

[atribuído a] Cora Coralina

OBS 1. Para quem se impressionou com a história do início do texto, ela é tirada do filme “A escolha de Sofia”, de Alan Pakula, que ganhou o Oscar de melhor filme em 1982, e rendeu a Meryl Streep o Oscar de melhor atriz no papel da Sofia. Não vou dar todos os spoilers de um filme de mais de 40 anos. Embora a história seja, em tese, ficção, muitas cenas semelhantes devem ter acontecido na vida real.

OBS 2. Enquanto escrevia esse texto recebi a notícia da morte de Daniel Kahneman (1934-2024). Ele foi o primeiro psicólogo a ganhar um Nobel de Economia e foi o grande precursor da Economia Comportamental. Falando em perdas, essa é uma das grandes.

Para saber mais:

Kahneman, D. (2003). Maps of bounded rationality: Psychology for behavioral economics. American economic review93(5), 1449-1475.

Kahneman, D., & Tversky, A. (1982). The psychology of preferences. Scientific american246(1), 160-173.

Kahneman, D., & Tversky, A. (1984). Choices, values, and frames. American psychologist39(4), 341. Rasmussen, E. B., & Newland, M. C. (2008). Asymmetry of reinforcement and punishment in human choice. Journal of the experimental analysis of behavior89(2), 157-167.

Escrito por:

Patrícia Luque

Supervisora de Estágio no IBAC. Psicóloga clínica. Doutora em Ciências do Comportamento e Mestre em Psicologia pela UnB

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