A cocaína de cada um

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Você já deve ter percebido que existe um tipo muito específico de pessoa que te atrai quase como se fosse um ímã, uma droga, a sua cocaína. É quase como se você não pudesse evitar se sentir atraído/a por aquele perfil. Gosto de uma parte do filme “Comer, rezar e amar” para ilustrar isso. Por volta de 1h45, a personagem interpretada por Julia Roberts fala para um homem que conheceu em Bali “Já namorei você 15 anos atrás, e namorei você seis meses atrás”. Provavelmente ali ela conseguiu discriminar semelhanças entre ele e outras pessoas com as quais já se relacionou no passado.

Gosto muito de trabalhar no consultório os padrões de escolhas de parceiros dos meus clientes, quando as demandas envolvem relacionamentos afetivos. Costumo passar um exercício – você pode tentar fazer, inclusive –, que funciona assim: a ideia é que a pessoa se lembre de todos os relacionamentos afetivos que já teve e veja se existe alguma semelhança entre eles. Pode ser alguma coisa relacionada a aparência física, jeito de ser, personalidade, visão de mundo, a forma com que essas pessoas te tratavam, enfim. Esse exercício nos ajuda a traçar um perfil de pessoas com as quais o indivíduo costuma se relacionar e que, eventualmente, podem ser escolhas que não fazem tão bem.

Com auxílio desse mapeamento pode-se observar que algumas pessoas acabam se envolvendo com parceiros(as) emocionalmente não disponíveis, pessoas que não querem se relacionar com elas de fato, como se escolhessem sempre portas que estão fechadas. Talvez a pessoa tenha uma regra de que se o outro gosta ou se envolve rápido é preciso desconfiar se tal sentimento é genuíno. Existe uma música interpretada pelo Jão que se chama “Vou morrer sozinho” que descreve bem esse tipo de regra: “Se você me amar demais, eu paro de te amar, um amor fácil me apavora”. Como se o amor precisasse ser difícil, trabalhoso e cheio de desencontros para ser verdadeiro. As pessoas podem ter regras também sobre o que se espera em relação ao tratamento do outro com você, aqui vai outro trechinho da música: “Ai meu Deus eu vou morrer sozinho se continuar nesse caminho de não deixar ninguém me amar e de só me apaixonar por quem me faz chorar e me maltrata”. Talvez exista uma regra em que é preciso experimentar uma montanha russa de emoções para aquele amor ser de fato amor.

As regras costumam ajudar muito em nossa interação com o mundo, mas é preciso também entrar em contato com o contexto e “testar” se as regras que estão controlando nosso comportamento são de fato boas. Como você se sente ao lado de uma determinada pessoa, como ela faz você se sentir? Qual quantos reforçadores você tem acesso ao estar ao lado dela? Essas perguntas são importantes porque às vezes, na teoria, você gosta de se relacionar com uma dada pessoa; mas, na prática, essa pessoa te apaga, te entristece, te faz sentir inconveniente, não bom ou digno o suficiente. Isso pode fazer com que, se mantendo no relacionamento, você possa apresentar, por exemplo, rebaixamento de humor, aumento de respostas de ansiedade, insegurança, dentre outros.

Depois de identificar sua “cocaína”, é preciso saber também que muito provavelmente você sentirá atração por pessoas com um perfil semelhante, mas que é importante se atentar se é esse mesmo o perfil que está procurando. Por mais que aquilo que nos é familiar tenha um poder de atração, talvez seja interessante dar a oportunidade para pessoas com perfil diferentes, que possam construir, junto com você, relacionamentos mais saudáveis.

Ouça a música na integra:

Sugestão de filme:

Sugestões de leituras:

Albuquerque, L. C. (2001). Definições de regras. Em H. J. Guilhardi; M. B. B. P. Madi; P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre comportamento e cognição: Expondo a variabilidade (pp.132- 140). Santo André: ARBytes.

Albuquerque, L. C.; Matos, M. A.; de Souza, D. G. & Paracampo, C. C. P. (2004). Investigação do controle por regras e do controle por histórias de reforço sobre o comportamento humano. Psicologia: Reflexão e Crítica, 17(3), 395-412.

Skinner, B. F. (1991) O lugar do sentimento na análise do comportamento. Em: B. F. Skinner, Questões Recentes na Análise Comportamental (5ª ed., Cap. 1, pp. 13-24) São Paulo: Papirus.

Skinner, B. (2006). O Eu e os Outros. Em: B. Skinner, Sobre Behaviorismo, (10a ed., Cap. 11, pp. 157). São Paulo: Cultrix. (Obra original publicada em 1974)

Skinner, B. F. (2015). Ciência e comportamento humano. São Paulo, SP: Martins Fontes.

Escrito por:

Nagi Hanna Salm Costa

Doutora em Ciências do Comportamento pela UnB. Psicóloga Clínica e de Aviação. Docente do IBAC

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