Você repete na terapia o que faz lá fora?

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Como padrões comportamentais se manifestam na sessão e se tornam oportunidades de mudança na Psicoterapia Analítica Funcional.

Fonte: unsplash

É comum que pacientes imaginem a terapia como um espaço isolado da vida cotidiana, onde é possível “falar sobre os problemas” de maneira segura e controlada. No entanto, do ponto de vista da Análise do Comportamento — e, especialmente, na Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) — a sessão é compreendida não apenas como espaço de relato, mas como contexto de ocorrência dos próprios padrões que o paciente deseja modificar.

De acordo com a FAP, o cliente não deixa seus comportamentos disfuncionais “do lado de fora” ao entrar na terapia. Ao contrário: muitos dos comportamentos que causam sofrimento ou prejuízo nas relações interpessoais acabam emergindo na relação terapêutica, de forma mais ou menos sutil. Reconhecer esses padrões em tempo real permite que a intervenção aconteça de maneira mais precisa, eficaz e experiencial.

Comportamentos clinicamente relevantes: o que aparece na sessão importa

A FAP se fundamenta em uma análise funcional contínua, baseada na observação de comportamentos que ocorrem no aqui-e-agora da interação terapêutica. Esses comportamentos são denominados comportamentos clinicamente relevantes (CCRs) e podem ser classificados em três tipos:

  • CCR1: manifestações disfuncionais que refletem os problemas centrais do cliente. Ex: evitar contato visual, minimizar a própria dor, invalidar a ajuda do terapeuta.
  • CCR2: mudanças desejadas ou aproximações de novos repertórios mais funcionais, como expressar sentimentos de forma mais clara ou pedir ajuda.
  • CCR3: interpretações do cliente sobre seus próprios comportamentos e mudanças. Ex: “Percebo que evito falar de certas coisas com você”.

A principal hipótese clínica da FAP é que os comportamentos que mantêm o sofrimento do cliente na vida cotidiana também se manifestam na sessão, e que a relação terapêutica, por ser segura e contingente, oferece uma oportunidade única para modificar esses padrões na prática.

O terapeuta como agente contingencial

Uma das características distintivas da FAP é o papel ativo do terapeuta na observação e intervenção sobre os CCRs. Isso exige que o terapeuta:

  1. Discriminar a ocorrência de CCRs em tempo real, incluindo microcomportamentos verbais e não verbais;
  2. Evocar comportamentos desejados (CCR2), criando condições para que novos repertórios ocorram;
  3. Reforçar positivamente os CCR2s, por meio de responsividade, reconhecimento e validação;
  4. Modelar verbalmente a consciência do cliente sobre seus próprios comportamentos (CCR3).

Ao contrário de intervenções que priorizam conteúdos narrativos ou interpretações retrospectivas, a FAP valoriza a intervenção direta na relação como forma de aprendizagem e mudança. O comportamento do terapeuta também é analisado funcionalmente — suas ações, reações e verbalizações são denominadas Ts (comportamentos clinicamente relevantes do terapeuta), sendo que os T2s (comportamentos do terapeuta que colaboram com o progresso do cliente) têm como função evocar e reforçar os CCRs desejados.

O padrão se repete — e pode ser transformado

Por exemplo, considere um cliente que relata dificuldades em confiar nos outros e frequentemente rompe relações quando sente-se criticado. Na sessão, ele pode interpretar um comentário neutro do terapeuta como crítica e se fechar emocionalmente (CCR1). Ao observar isso, o terapeuta pode nomear a interação, oferecendo um contexto seguro para explorar esse padrão, e, ao mesmo tempo, reforçar qualquer tentativa do cliente de se manter engajado na conversa (CCR2).

Esse tipo de intervenção não apenas promove insight verbal, mas ensina uma nova forma de se relacionar, reforçada em tempo real, com base na resposta empática e consistente do terapeuta.

Generalização para além da sessão

A mudança vivida na sessão — por meio do reforçamento diferencial de novos repertórios — tende a generalizar-se para outros contextos, especialmente quando o terapeuta ajuda o cliente a discriminar os estímulos presentes e planejar novas respostas fora da clínica.

Dessa forma, a FAP atua sobre os repertórios do cliente com precisão funcional e impacto relacional, promovendo mudanças que não se restringem ao discurso, mas que se estendem para a vida.

Bibliografia

Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991). Functional Analytic Psychotherapy: A guide for creating intense and curative therapeutic relationships. Springer.

Como citar este artigo (APA):

Xavier, R. N. (2025, 15 de agosto). Você repete na terapia o que faz lá fora? Como padrões comportamentais se manifestam na sessão e se tornam oportunidades de mudança na Psicoterapia Analítica Funcional. Blog do IBAC. https://ibac.com.br/voce-repete-na-terapia-o-que-faz-la-fora/

Escrito por:

Rodrigo Xavier

Psicólogo (UFMS) e psicoterapeuta, Doutor em Psicologia Clinica (USP) com estágio sanduíche na University of Washington sob os cuidados dos Ph.D. Robert Kohlenberg, Mavis Tsai e Johnatan Kanter. Treinador certificado de FAP desde 2021. Líder de encontros do Projeto Global Viva com Consciência, Coragem e Amor desde 2018. Professor nos cursos de Formação em FAP e Terapia Analítico-Comportamental Infantil do IBAC.

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