Este texto é a segunda parte da série “uma conversa entre a Comunicação Não Violenta e a Análise do Comportamento”, publicações que têm como objetivo analisar a Comunicação Não Violenta funcionalmente. Isso pode contribuir para o terapeuta comportamental desenvolver estratégias para ganhos de comportamentos assertivos e diminuição de comportamentos passivos e aressivos. Se você não leu a primeira parte, sugiro que comece por lá para que estejamos no mesmo ponto de partida!
Cabe retomar, no entanto, que a CNV tem como objetivo estabelecer uma relação de compaixão entre falante e ouvinte. Para tanto, os julgamentos morais devem ser evitados, uma vez que tendem a ser, para a maioria das pessoas, estímulos aversivos. Por isso, provocam fuga ou esquiva no ouvinte. Em uma situação de conflito, a esquiva do julgamento moral poderia acontecer de duas formas, que tem como produto da contingência o sentimento de culpa ou de resistência.
Suponha que uma namorada está privada de atenção do seu companheiro. Diante dessa situação ela diz a ele “você é muito frio comigo”. Sendo o julgamento um estímulo aversivo para este namorado, ele pode se sentir culpado. Além disso, a fala aversiva poderia evocar respostas de carinho do namorado, de modo que a estimulação aversiva seja retirada. Ou ainda, a fala pode evocar justificativas de porquê age assim, ou até emitir julgamentos para a namorada como “você que é muito carente”, o que pode estar acompanhado de sentimentos de raiva ou resistência.
Ainda é uma relação de reforço negativo, porque as respostas do namorado têm como função cancelar o julgamento que lhe foi feito. Veja que embora a fala inicial da namorada tenha topografia de tato, que tem correspondência com o antecedente da ação do namorado, a fala é um mando, já que está sob controle de operação estabelecedoras de privação e especifica um reforçador: uma atitude mais calorosa, carinhosa. Nessa situação, o mando disfarçado de tato torna menos provável que a namorada tenha acesso aos reforçadores de que precisa.
Rosenberg (1999) defende que a forma como as pessoas falam define a resolução dos conflitos interpessoais. Para evitar situações como a do exemplo, os quatro componentes da CNV devem ser utilizados: observação, sentimento, necessidade e pedido.
Para o componente da observação, Rosenberg dá a regra de que deve ser emitido um tato, sem qualquer tipo de avaliação, de algo específico, isto é, em um tempo e em um contexto determinado que interfira na sensação de bem-estar. Em um primeiro momento, então, o falante deve tatear o ambiente público, que pode ser, inclusive, a ação de uma outra pessoa. No exemplo acima, a namorada poderia tatear a ação do namorado que está relacionada a sua privação, como: “você está no celular enquanto eu falo” ou “você não me deu presente no dia dos namorados”.
As avaliações são tatos que partem de uma história de reforço particular do falante em que aprendeu a classificar ações como calorosas ou frias. O ponto não é que a avaliação esteja errada, mas considerar o efeito que ela produz sobre o ouvinte. Ao emitir o tato sem qualquer tipo de avaliação, torna mais provável que o ouvinte fique sob controle dos efeitos que suas ações têm sobre o falante. Além de tornar comum para falante e ouvinte quais ações estão sendo referidas.
Isso não acontece quando o tato “você é frio” é emitido. Não fica claro para o ouvinte qual ação está sendo tateada como fria. Isso pode evocar no falante, uma resposta de elencar todos os momentos em que ele agiu de forma mais calorosa, ainda com a função de cancelar o estímulo aversivo – crítica. Isso pode não ser suficiente para a namorada, porque ela precisa de atenção naquele momento específico.
Para evitar avaliações, então, o falante deve evitar tatos que considerem que as características da pessoa são estáticas ou generalizadas, como “você é frio” ou “você sempre fica no celular enquanto eu falo”. Também não se deve inferir quais eventos privados acompanham a ação do falante, como “parece que você nem me ama”.
Skinner (1957) apontou que a função do tato é que o ouvinte fique sob controle de estímulos que antes não controlavam o seu comportamento. Rosenberg colabora ao apontar quais estímulos devem ser comunicados ao ouvinte para que a resolução de um conflito seja feita de modo a gerar compaixão e aumentar as chances de que o falante atinja os seus objetivos. Portanto, tatear uma ação pública, que acontece em um momento específico, em um contexto específico, facilitará o diálogo, porque diminui a chance de que o ouvinte fique sob controle de outras propriedades do estímulo, como a classificação de sua atitude como boa ou ruim.
O segundo componente da CNV é a expressão do sentimento, logo um tato de eventos privados de sensações. Neste ponto, Skinner e Rosenberg concordam quanto à dificuldade de se estabelecer um controle discriminativo eficaz dos eventos privados de sentimentos. Em comportamento verbal (1957), Skinner descreve como a comunidade verbal pode ensinar uma pessoa a emitir tatos sob controle de estímulos que apenas ela tenha acesso, como os estímulos internos de sentimentos e sensações. É demonstrado como isso é mais difícil do que ensinar o tato de estímulos públicos e que o resultado pode ser um controle discriminativo mais impreciso dos estímulos privados. Já Rosenberg enfatiza como a comunidade verbal pode enfraquecer os tatos de sentimentos. Ele destaca como ambientes esportivos ou de determinadas profissões podem sistematicamente punir a expressão de sentimentos, como por exemplo, quando um treinador diz a um atleta que ele tem que ser forte e guardar suas emoções.
Rosenberg aponta como a baixa discriminação e expressão de sentimentos cria um impasse nas relações interpessoais. A expressão de sentimentos facilita o processo de empatia pelo ouvinte. Quando não ocorre expressão de sentimentos e pior quando se expressa apenas uma crítica, é menos provável que o ouvinte tenha compaixão pelo falante. É possível que a namorada esteja se sentindo solitária, carente ou triste. A expressão desses sentimentos tem mais chance de despertar empatia no namorado do que o tato “você é frio”, já que o antecedente do tato passa a ser estímulos no próprio falante e não o uma avaliação do comportamento do ouvinte.
Regras culturais que colocam que a vulnerabilidade deve ser evitada ao máximo também contribuem para a dificuldade de expressão de sentimentos. Estas regras, em geral, descrevem punições para comportamentos vulneráveis como a expressão de sentimentos. Rosenberg encoraja que as pessoas ajam com vulnerabilidade e expressem os seus sentimentos porque isso facilita a formação de vínculo e a resolução de conflitos. Ele também afirma que quanto mais discriminada a expressão de sentimentos, mais empatia será criada. No exemplo, a namorada dizer que “fica mal” quando o namorado está no celular, é menos preciso do que expressar o sentimento de carência ou solidão. Nesse sentido, quanto maior a discriminação de sentimentos, mais efetiva será a fala do falante, porque aumenta a chance de ter seu comportamento reforçado pelo ouvinte.
Talvez por conta das dificuldades apontadas por Rosenberg e Skinner, em alguns casos, pode-se confundir até o que é a expressão de um sentimento com o que não é. Rosenberg chama a atenção para duas situações, que serão apresentadas a seguir, em que parece que há um tato de sentimento, mas na verdade há um julgamento presente.
A primeira situação ocorre quando, ao invés do antecedente do tato ser um sentimento, o que é tateado é um pensamento, uma opinião. Pensamentos e opiniões são respostas verbais e não sentimentos. Em consonância com a CNV, no Behaviorismo Radical os sentimentos são definidos como ações sensórias ou estados corporais que ocorrem sob a pele do indivíduo (Rico, Golfeto e Hamasaki, 2012). Por exemplo, se a namorada fala “eu sinto que você é frio”, ainda não é uma expressão de sentimentos, já que o antecedente não é um estado corpóreo, mas o tato continua a ser de uma característica da ação do namorado. Ou, “sinto que você deveria me dar mais atenção”, “sinto como se eu não merecesse ser amada” também não são tatos de sentimentos, mas de ações e avaliações do outro.
Rosenberg dá uma regra de que a expressão de sentimentos não precisa ser seguida de vocábulos como “que”, “como”, “como se”, pronomes ou nomes. Sinto tristeza, sinto carência ou sinto saudade, são expressões de sentimentos objetivas e precisas.
A segunda situação de confusão de sentimentos com avaliações ocorre quando expressamos um sentimento que na verdade é a inferência de como achamos que os outros reagem ou se comportam ao nosso respeito. “sinto-me ignorada”, “sinto-me negligenciada”, “sinto-me preterida”, “sinto-me rejeitada”. Ainda que pareçam com sentimentos, há aqui o tato de uma ação do falante, que também poderia ser expressa por “você está prestando atenção no celular e não no que eu falo”, “você está mais atento ao celular do que às minhas necessidades”, “você prefere o celular a mim”. Ainda que essas avaliações sejam expressas de forma mais indireta, por se tratarem de um mando disfarçado, provavelmente, serão aversivas para o ouvinte e terão os mesmos resultados que os julgamentos morais.
Percebe-se que a CNV é estruturada de forma a evitar ao máximo os julgamentos e críticas das ações de outra pessoa, porque há menos chances de criar contingências de compaixão quando estas predominam.
O ensino do componente de observação e de sentimento para o cliente na terapia comportamental pode contribuir para aumentar o repertório de autoconhecimento do cliente. Quando o terapeuta faz perguntas para evocar o componente de observação, isso aumenta o controle discriminativo do ambiente do cliente, bem como ajuda o terapeuta a operacionalizar as questões vividas pelo cliente. Entender que um “namorado frio” é aquele que fica no celular ou não dá presentes deixará uma análise funcional mais precisa, o que permite pensar em quais repertórios comportamentais o cliente precisa desenvolver.
Em conjunto com perguntas sobre sentimentos, que irá evocar a discriminação de estados internos do cliente, o cliente terá maior discriminação dos seus eventos privados, o que é um dos comportamentos de um repertório de autoconhecimento. Além disso, os dois componentes são essenciais para a comunicação assertiva de acordo com a CNV.
Fique atento a próxima postagem, que serão discutidos os dois últimos componentes da CNV: a necessidade e o pedido. Até lá!
Referências
Rico, V. V., Golfeto, R. & Hamasaki, E. I. de M. (2012). Sentimentos. Em:Temas Clássicos da Psicologia Sob a Ótica da Análise do Comportamento. Hübner, M. M. C & Moreira, M. B. Rio de Janeiro: Editora Guanabara.
Rosenberg, M. B. (1999). Comunicação não violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora.
Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New York: Appleton.
Como citar este artigo (APA):
Ferreira, F. F. H. (2024, 27 de setembro). Uma conversa entre a Comunicação Não Violenta (CNV) e a Análise do Comportamento – Parte II. Blog do IBAC. https://ibac.com.br/uma-conversa-entre-a-comunicacao-nao-violenta-cnv-e-a-analise-do-comportamento-parte-II/