Quando pensamos em terapia, é comum imaginarmos um cenário em que o terapeuta se mantém neutro, quase invisível. Um profissional impassível, que escuta atentamente, faz anotações silenciosas e oferece comentários pontuais com tom sereno. Essa imagem é tão difundida que, para muitas pessoas, a ideia de que o terapeuta possa sentir raiva, frustração ou impaciência parece estranha — até mesmo inaceitável.
Mas a verdade é: o terapeuta sente. E na Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), isso não só é reconhecido, como é valorizado.
Na FAP, a relação entre terapeuta e cliente é mais do que um canal para interpretação: ela é o palco central da mudança.
Emoções não são falhas técnicas.

Na FAP, sentimentos como raiva, afeto, medo ou frustração que emergem na sessão não são vistos como deslizes do terapeuta ou obstáculos ao tratamento — são fenômenos clínicos.
Quando o terapeuta sente raiva, por exemplo, ele pode estar reagindo a um comportamento do cliente que provoca essa emoção repetidamente em outras relações. Um cliente que desqualifica tudo o que recebe, que recusa ajuda ou que manipula com sarcasmo pode despertar reações fortes. E essa resposta emocional do terapeuta pode ser um indicador valioso de padrões que precisam ser trabalhados.
Esse tipo de manifestação dentro da sessão é o que chamamos de comportamento clinicamente relevante tipo 1 (CCR1) — comportamentos problemáticos do cliente que ocorrem no aqui-e-agora da relação terapêutica. A lógica é simples: se o cliente faz na terapia o que costuma fazer fora dela, temos uma oportunidade única de observar, compreender e intervir diretamente.
Sentir é clínico. Compartilhar pode ser terapêutico.
A FAP propõe que o terapeuta esteja presente de forma autêntica e responsiva. Isso não significa falar de sua vida pessoal ou fazer julgamentos. Significa, por exemplo, dizer:
“Quando você me diz que nada do que fazemos aqui ajuda, eu percebo que me sinto frustrado. E me pergunto se outras pessoas importantes na sua vida também se sentem assim.”
Esse tipo de intervenção é cuidadosamente pensado. Não é reação impulsiva. É parte de um processo em que o terapeuta observa seus próprios sentimentos como dados clínicos, e, quando apropriado, compartilha com o cliente de forma ética, clara e funcional.
Na FAP, chamamos isso de comportamento do terapeuta clinicamente relevante (T2): ações do terapeuta que têm o potencial de evocar mudança significativa. Ao compartilhar sua vivência da relação, o terapeuta oferece ao cliente um espelho vívido, ajudando-o a perceber padrões que antes passavam despercebidos.
A relação como laboratório de mudança.
Pense na terapia como um laboratório vivo. Não é apenas um lugar para falar sobre a vida, mas para experimentar a vida em tempo real.
Quando o cliente age de formas que sabotam seus relacionamentos — seja se fechando, agredindo, testando ou se anulando — essas mesmas dinâmicas acabam surgindo na relação com o terapeuta. E é nesse espaço seguro, de vínculo e cuidado, que esses padrões podem finalmente ser reconhecidos e transformados.
Esse processo exige coragem de ambos os lados. O cliente precisa estar disposto a se mostrar — e o terapeuta, a se deixar afetar. Na FAP, acreditamos que a intimidade genuína, quando construída com ética e intencionalidade, tem um potencial terapêutico imenso.
Raiva, sim. E também amor, ternura, tristeza.
A raiva é só um exemplo. Terapeutas também sentem ternura quando o cliente se mostra vulnerável, tristeza ao testemunhar sua dor, orgulho ao ver suas conquistas. Essas emoções são humanas. E são justamente elas que tornam a relação curativa.
A proposta da FAP não é encorajar um “vale tudo emocional”, mas reconhecer que o encontro terapêutico é, acima de tudo, um encontro entre dois seres humanos.
E quando isso é reconhecido, a terapia deixa de ser um espaço meramente técnico e se torna também um espaço transformador.
Conclusão
Se você, terapeuta, já se frustrou com o seu cliente, ou se você acha que já provocou emoções intensas durante uma sessão, talvez isso não seja um erro no processo terapêutico — mas o coração do processo.
Na Psicoterapia Analítica Funcional, acreditamos que é justamente nesse lugar — onde o vínculo é real, onde o afeto acontece, onde os padrões emergem — que a mudança começa.
E talvez, pela primeira vez, este seu cliente poderá experimentar uma nova forma de se relacionar: com autenticidade, presença e transformação.
Sugestão de leitura
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991). Functional Analytic Psychotherapy: A Guide for Creating Intense and Curative Therapeutic Relationships. Springer.
Como citar este artigo (APA):
Xavier, R. (2025, 23 de maio). Sou terapeuta e senti raiva do meu cliente: Como a Psicoterapia Analítica Funcional lida com as emoções dentro da relação terapêutica. Blog do IBAC. https://ibac.com.br/sou-terapeuta-e-senti-raiva-do-meu-cliente/