Sou terapeuta e senti raiva do meu cliente: Como a Psicoterapia Analítica Funcional lida com as emoções dentro da relação terapêutica

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Quando pensamos em terapia, é comum imaginarmos um cenário em que o terapeuta se mantém neutro, quase invisível. Um profissional impassível, que escuta atentamente, faz anotações silenciosas e oferece comentários pontuais com tom sereno. Essa imagem é tão difundida que, para muitas pessoas, a ideia de que o terapeuta possa sentir raiva, frustração ou impaciência parece estranha — até mesmo inaceitável.

Mas a verdade é: o terapeuta sente. E na Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), isso não só é reconhecido, como é valorizado.

Na FAP, a relação entre terapeuta e cliente é mais do que um canal para interpretação: ela é o palco central da mudança.

Emoções não são falhas técnicas.

Fonte: unsplash

Na FAP, sentimentos como raiva, afeto, medo ou frustração que emergem na sessão não são vistos como deslizes do terapeuta ou obstáculos ao tratamento — são fenômenos clínicos.

Quando o terapeuta sente raiva, por exemplo, ele pode estar reagindo a um comportamento do cliente que provoca essa emoção repetidamente em outras relações. Um cliente que desqualifica tudo o que recebe, que recusa ajuda ou que manipula com sarcasmo pode despertar reações fortes. E essa resposta emocional do terapeuta pode ser um indicador valioso de padrões que precisam ser trabalhados.

Esse tipo de manifestação dentro da sessão é o que chamamos de comportamento clinicamente relevante tipo 1 (CCR1) — comportamentos problemáticos do cliente que ocorrem no aqui-e-agora da relação terapêutica. A lógica é simples: se o cliente faz na terapia o que costuma fazer fora dela, temos uma oportunidade única de observar, compreender e intervir diretamente.

Sentir é clínico. Compartilhar pode ser terapêutico.

A FAP propõe que o terapeuta esteja presente de forma autêntica e responsiva. Isso não significa falar de sua vida pessoal ou fazer julgamentos. Significa, por exemplo, dizer:

“Quando você me diz que nada do que fazemos aqui ajuda, eu percebo que me sinto frustrado. E me pergunto se outras pessoas importantes na sua vida também se sentem assim.”

Esse tipo de intervenção é cuidadosamente pensado. Não é reação impulsiva. É parte de um processo em que o terapeuta observa seus próprios sentimentos como dados clínicos, e, quando apropriado, compartilha com o cliente de forma ética, clara e funcional.

Na FAP, chamamos isso de comportamento do terapeuta clinicamente relevante (T2): ações do terapeuta que têm o potencial de evocar mudança significativa. Ao compartilhar sua vivência da relação, o terapeuta oferece ao cliente um espelho vívido, ajudando-o a perceber padrões que antes passavam despercebidos.

A relação como laboratório de mudança.

Pense na terapia como um laboratório vivo. Não é apenas um lugar para falar sobre a vida, mas para experimentar a vida em tempo real.

Quando o cliente age de formas que sabotam seus relacionamentos — seja se fechando, agredindo, testando ou se anulando — essas mesmas dinâmicas acabam surgindo na relação com o terapeuta. E é nesse espaço seguro, de vínculo e cuidado, que esses padrões podem finalmente ser reconhecidos e transformados.

Esse processo exige coragem de ambos os lados. O cliente precisa estar disposto a se mostrar — e o terapeuta, a se deixar afetar. Na FAP, acreditamos que a intimidade genuína, quando construída com ética e intencionalidade, tem um potencial terapêutico imenso.

Raiva, sim. E também amor, ternura, tristeza.

A raiva é só um exemplo. Terapeutas também sentem ternura quando o cliente se mostra vulnerável, tristeza ao testemunhar sua dor, orgulho ao ver suas conquistas. Essas emoções são humanas. E são justamente elas que tornam a relação curativa.

A proposta da FAP não é encorajar um “vale tudo emocional”, mas reconhecer que o encontro terapêutico é, acima de tudo, um encontro entre dois seres humanos.

E quando isso é reconhecido, a terapia deixa de ser um espaço meramente técnico e se torna também um espaço transformador.

Conclusão

Se você, terapeuta, já se frustrou com o seu cliente, ou se você acha que já provocou emoções intensas durante uma sessão, talvez isso não seja um erro no processo terapêutico — mas o coração do processo.

Na Psicoterapia Analítica Funcional, acreditamos que é justamente nesse lugar — onde o vínculo é real, onde o afeto acontece, onde os padrões emergem — que a mudança começa.

E talvez, pela primeira vez, este seu cliente poderá experimentar uma nova forma de se relacionar: com autenticidade, presença e transformação.

Sugestão de leitura

Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991). Functional Analytic Psychotherapy: A Guide for Creating Intense and Curative Therapeutic Relationships. Springer.

Como citar este artigo (APA):

Xavier, R. (2025, 23 de maio). Sou terapeuta e senti raiva do meu cliente: Como a Psicoterapia Analítica Funcional lida com as emoções dentro da relação terapêutica. Blog do IBAC. https://ibac.com.br/sou-terapeuta-e-senti-raiva-do-meu-cliente/

Escrito por:

Rodrigo Xavier

Psicólogo (UFMS) e psicoterapeuta, Doutor em Psicologia Clinica (USP) com estágio sanduíche na University of Washington sob os cuidados dos Ph.D. Robert Kohlenberg, Mavis Tsai e Johnatan Kanter. Treinador certificado de FAP desde 2021. Líder de encontros do Projeto Global Viva com Consciência, Coragem e Amor desde 2018. Professor nos cursos de Formação em FAP e Terapia Analítico-Comportamental Infantil do IBAC.

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