Antes de mais nada, faz-se necessário informar às leitoras e aos leitores que este texto foi escrito de forma colaborativa com a psicóloga, analista do comportamento, sexóloga, feminista, parceira de trabalho e amiga Cíntia Milanese.
Na Análise do Comportamento, todos os comportamentos, inclusive aqueles relacionados à sexualidade, são compreendidos a partir de três níveis de variação e seleção: o filogenético (relacionado às questões biológicas, fisiológicas, genéticas e da espécie), o ontogenético (relacionado à aprendizagem individual, efeitos da interação com o ambiente, história de reforçamento, punição etc.) e o cultural (relacionado à aprendizagem através da transmissão de práticas, valores e formas de se comportar coletivamente, principalmente através da linguagem) (Skinner, 1981).
Sendo assim, o sexo pode ser compreendido inicialmente como um reforçador primário. Reforçadores primários estão relacionados à evolução da espécie e não necessitam de nenhum tipo de aprendizagem. O sexo, enquanto reforçador primário, é entendido através da estimulação física de áreas consideradas erógenas para a espécie humana. Essa estimulação física é considerada um reforçador natural, uma vez que organismos da mesma espécie tendem a sentir prazer naturalmente em determinadas áreas do corpo, pois tal reforçador foi selecionado na espécie.
Apesar disso, o estilo sexual ou estilo do comportamento sexual individual passa por diversas aprendizagens ao longo de toda a vida de um indivíduo. Essa aprendizagem só é possível em função da susceptibilidade ao reforçamento sexual que foi selecionada filogeneticamente. Mallot (1996) explica que os estilos comportamentais sexuais geralmente dependem das contingências de reforço ou de punição. Isso significa afirmar que nossas preferências ou aversões em relação ao sexo são e foram aprendidas individualmente e coletivamente (práticas culturais) e estão relacionadas às fontes de estimulação sexual recebida ao longo de nossas vidas (a pornografia é uma das grandes fontes).
Segundo Greenfield (2011), as pessoas tem utilizado vastamente a pornografia para delimitar seus estilos comportamentais sexuais. Em consonância com essa afirmação, percebe-se que na última década a pornografia tem estado cada vez mais disponível na internet e seu acesso tem sido cada vez mais facilitado – inclusive para crianças e adolescentes (Heer et al., 2020; Romito & Beltramini, 2015). De acordo com Mallot (1996) as preferências e aversões sexuais passam por condicionamento ao longo de toda a vida de uma pessoa, porém dos 11 aos 13 anos o estilo comportamental sexual começa a se tornar cada vez mais claro (também em função da maturidade sexual) e tende a se intensificar ao longo da vida do indivíduo (Alexandraki et al., 2018).
No momento, não existem dados robustos que comprovem que a pornografia afeta nocivamente o cérebro da pessoa que consome esse conteúdo. Porém, alguns estudiosos mostram os efeitos prejudiciais na saúde mental e sexual dos indivíduos que consomem conteúdos pornográficos. Lopes (2013) afirma que a pornografia tem sido muito utilizada para estimulação sexual pré-masturbatória, não exigindo e nem necessitando da presença de uma parceria sexual. O fácil acesso ao conteúdo e a rápida execução do prazer podem levar o consumidor a se tornar cada vez mais compulsivo por conteúdos pornográficos. Isso leva a uma dessensibilização dos circuitos neurológicos de recompensa pelo excesso de estimulação, tornando o estímulo sexual cada vez mais ineficaz. Essa ineficácia pode levar o indivíduo a desenvolver uma tolerância ao estímulo pornográfico, visto que o espectador sente uma necessidade de consumir conteúdos pornográficos progressivamente mais intensos e até mais violentos (Park et al., 2016). Wilson (2016) descreveu que essa dessensibilização dos circuitos de recompensa pode provocar mudanças na transmissão de dopamina, situação que pode contribuir com quadros de depressão e ansiedade.
O consumo de pornografia pode levar (Heer et al., 2020; Laier & Brand, 2017; Crosby & Twohig, 2016):
- Ao desenvolvimento de depressão, ansiedade e outras psicopatologias (ou intensificação dos sintomas de psicopatologias já presentes),
- Ao aumento da agressão sexual contra mulheres,
- Ao consumo ou aumento do consumo de álcool e/ou outras drogas
- A formas violentas de vivenciar a vida,
- À dificuldade em se relacionar com pessoas reais,
- À diminuição da produtividade, e
- A diversas disfunções sexuais e/ou parafilias.
No que se refere às disfunções sexuais, estas se dão de formas distintas em homens e em mulheres, como também os efeitos da pornografia. As disfunções sexuais são caracterizadas por uma dificuldade ou incapacidade da pessoa em responder sexualmente ou em experimentar prazer sexual. Uma mesma pessoa pode apresentar diferentes disfunções sexuais ao mesmo tempo. É importante investigar clinicamente tais disfunções para determinar se as dificuldades sexuais são resultantes de estímulos sexuais inadequados, tais como aqueles advindos da pornografia (Araujo et al., 2015).
Além do efeito na vida sexual individual das pessoas, a pornografia pode também levar a práticas culturais que reforçam estereótipos machistas e agressão contra mulheres. Um dos efeitos sociais da pornografia mais conhecidos atualmente é a ‘cultura do estupro’. A cultura do estupro é compreendida como qualquer ato, incluindo verbal, que tenha como intenção agredir uma mulher utilizando tópicos sexuais (Freitas & Morais, 2019). Sendo assim, a pornografia oferece modelos para seus consumidores sobre como se comportar sexualmente e desempenhar os papéis de gênero de acordo com seu sexo: homens violentos e mulheres submissas, em posições degradantes e de objetificação. O papel de submissão da mulher está relacionado diretamente à cultura do estupro.
Por fim, a pornografia é um dos grandes modelos da sexualidade humana, sendo que os efeitos nocivos da mesma ainda precisam ser mais estudados. Apesar da escassez de estudos na área analítico-comportamental relacionados à pornografia, é evidente que a aprendizagem dos estilos comportamentais sexuais tanto em nível ontogenético quanto em nível cultural perpassa pela pornografia. Enquanto analista do comportamento é necessário uma atitude crítica perante práticas culturais banalizadas, tais como o consumo de pornografia. O criticismo na Psicologia em geral, e na Análise do Comportamento em específico, proporciona formulações de caso mais realistas e que contemplem mais as necessidades de nossas e nossos clientes.
Referências
Alexandraki, K., Stavropoulos, V. S., Burleigh, T. L., King, D. L., Griffiths, M. D. (2018). Internet pornography viewing preference as a risk factor for adolescent Internet addiction: The moderate role of classroom personality factors. Journal of Behavioral Addictions, 7(2), 423-432. https://doi.org/10.1556/2006.7.2018.34
Araujo, C. C. R., Souza, M. C., Fernandes, A. R. R., Pelegrini, A., Andrade, A., Guimarães, A. C. A. (2015). Atividade física e disfunção erétil: uma revisão sistemática. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, 20(1), 3-16. https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/06/204/artigo01-araujo.pdf
Crosby, J. M.; Twohig, M. P. (2016). Acceptance and commitment therapy for problematic internet pornography use: a randomized trial. Behavior Therapy, 47(3), 355-66. https://doi.org/10.1016/j.beth.2016.02.001
Freitas, J. C. C., Morais, A. O. (2019). Cultura do estupro: considerações sobre violência sexual, feminismo e Análise do Comportamento. Acta Comportamentalia, 27(1), 109-126. https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=274560588008
Greenfield, D. (2011). As propriedades de dependência do uso de internet. In K. S. Young, C. N. de Abreu (Eds.), Dependência de Internet: Manual e Guia de Avaliação e Tratamento (pp. 169-190). Porto Alegre (RS): Artmed.
Heer, B. A., Prior, S., Hoegh, G. (2021). Pornography, masculinity, and sexual aggression on college campuses. Journal of Interpersonal Violence, 36, 23–24. https://doi.org/10.1177/0886260520906186
Laier, C., Brand, M. (2017). Mood changes after watching pornography on the Internet are linked to tendencies towards Internet-pornography-viewing disorder. Addictive Behaviors Reports, 5, 9-13. https://doi.org/10.1016/j.abrep.2016.11.003
Lopes, A. S. S. P. (2013). Consumo de pornografia na internet, avaliação das atitudes face à sexualidade e crenças sobre a violência sexual. Dissertação de mestrado, Ual Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa, Portugal.
Mallot, R. W. (1996). A behavior-analytic view of sexuality, transsexuality, homosexuality, and heterosexuality. Behavior and Social Issues. 6(2), 127-140. http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.977.5139&rep=rep1&type=pdf
Park, B. Y., Wilson, G., Berger, J., Christman, M., Reina, B., Bishop, F., Klam, W. P., Doan, A. P. (2016). Is internet pornography causing sexual dysfunctions? A review with clinical reports. Behavioral Sciences, 6(3), 1-25. https://doi.org/10.3390/bs6030017
Romito, P., & Beltramini, L. (2015). Factors associated with exposure to violent and degrading pornography among high school students. Journal of School Nursing, 31(4), 280-290. https://doi.org/10.1177/1059840514563313
Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504.
Wilson, G. (2016). Eliminate chronic Internet pornography use to reveal its effects. Addicta: The Turkish Journal on Addictions, 3(2), 209‒221. https://10.15805/addicta.2016.3.0107