Próspero Ano Novo e a Psicologia da Escassez

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Então você comprou seu pacote para as férias, que talvez tenha sido em Arraial D’Ajuda ou Búzios (se você não leu o post anterior sobre pacotes de viagem, confira aqui).

Na hora de voltar para casa, como todo turista clássico, você comprou lembrancinhas para toda a família: chaveirinhos, imãs de geladeira, camisetas e produtos típicos da região. Mas quando foi colocar na mala, viu que não caberia tudo. Você teria que escolher deixar algumas coisas para trás se quisesse levar todos os presentinhos. Você vai levar seu chinelo velho ou a camiseta com os dizeres “Fui para Búzios e lembrei de você”?

Se você tivesse uma mala bem grande, não precisaria se preocupar com isso. Haveria espaço para suas roupas, para presentes e para tudo que você quisesse trazer das férias. Já com uma mala pequena, você pode acomodar apenas os itens absolutamente essenciais. Não há espaço sobrando e você precisa escolher cuidadosamente o que levar ou trazer.

Quando há folga de espaço, decidir levar alguma coisa de última hora é bem mais fácil. Ter espaço extra permite que você relaxe mais e aproveite as férias. Já uma mala pequena exige mais atenção e muito mais preocupação. Você vai ter que sacrificar coisas que aprecia para trazer outras.

Você já deve ter entendido que não é apenas na situação de espaço para lembrancinhas de viagem que esse raciocínio se aplica. A metáfora do que cabe na mala é muito utilizada por pesquisadores da Psicologia da Escassez. A escassez mais típica é a de dinheiro, que gerou diversos estudos a respeito da pobreza e de como pessoas nessa situação se comportam. Mas a escassez pode se aplicar a outros recursos limitados, como tempo (um recurso limitadíssimo e irrecuperável), espaço, alimento, ou recursos naturais (água e chuva).

Um dos principais estudos na área é o livro Escassez (Scarcity), dos pesquisadores S. Mullainathan e E. Shafir (confira o Ted Talk do E. Shafir, logo abaixo). Os autores buscaram explicar que as pessoas pobres tomavam decisões sob condições financeiras severas que mudavam a forma como eles sentiam e pensavam.

Escassez pode ser entendida como ter menos do que você sente que precisa. Portanto, o conceito pode ser aplicado a várias circunstâncias além de apenas dinheiro, por exemplo, ter um prazo para entregar um trabalho, fazer uma dieta, esperar a chuva na lavoura, sentir solidão, entre outras situações. Por isso, a Psicologia da Escassez é um tema que pode ser muito bem transposto para a clínica.

Mullainathan e Shafir afirmam que, em razão do orçamento apertado, que exige manobras financeiras dos gastos para garantir a sobrevivência, os pobres vivem em uma sobrecarga cognitiva, sempre tendo que fazer contas, sempre atentos aos gastos adicionais. E como consequência da escassez, eles acabam tomando decisões que podem inclusive perpetuar sua condição de pobreza.

Muitos estudos foram feitos com a população indiana, marcada pela grande desigualdade social. Aliás, também estudando a pobreza e seus efeitos, Abhijit Banerjee e Esther Duflo ganharam o Nobel de Economia em 2019. 

A situação de pobreza evoca uma classe de respostas relativa a aproveitamento de recursos – ou seja – estar sempre atento a como sobreviver. Mas, ao mesmo tempo, a pobreza retira a atenção a estímulos que podem causar comportamentos que aprofundam a própria pobreza, como o superendividamento. Por exemplo: pessoas mais pobres podem pedir um adiantamento do salário mensal, junto a um agiota. No entanto, o empréstimo somado aos juros cobrados só os leva a ter um endividamento maior no período subsequente, quando o salário a ser recebido será insuficiente para os gastos mensais + parcela e juros do empréstimo. É o famoso “vender o almoço para comprar a janta”. Mas fazer essa conta e se organizar de outra maneira para aguentar o mês requer atenção a estímulos, que é consumida pelas respostas de aproveitamento.

O controle de estímulos pode ser tão forte que pessoas em escassez lembram-se mais de estímulos relacionados a sua privação. Por exemplo, pessoas em jejum lembraram-se mais de palavras associadas a comida que pessoas alimentadas, em um experimento feito por Shapiro e Burchell em 2012.

Além disso, a pobreza leva a pensamentos com tradeoffs, ou seja, o que eu vou ter que abrir mão para obter algo?

Se eu convidar você para ir no cinema, na sua última semana de provas, quando você estiver super atarefada/o, você vai se perguntar o que terá que adiar e qual o preço a pagar por isso. Se a restrição for dinheiro, a pergunta é: se eu comprar isso, o que vou deixar de comprar? A ideia e mais ou menos essa.

Na mesma linha, a pobreza aumenta o desconto temporal. Na situação de escassez há menos escolhas ligadas ao autocontrole, e sim mais escolhas voltadas para o consumo imediato, porque são respostas de sobrevivência. Nem sempre dá para esperar o intervalo para se obter o maior reforçador. Um exemplo na clínica pode ser a situação de escassez de afeto – pessoas acabam por se engajar em relacionamentos absolutamente desfavoráveis, já que a análise das alternativas fica prejudicada pela própria escassez. Assim que um/a parceiro/a aparece, qualquer que seja ele/ela, é mais difícil aguardar a alternativa de autocontrole que pode produzir reforçadores de maior magnitude. 

Nós, analistas do comportamento, já temos estudado o poder da privação nos comportamento, tanto para evocar respostas reforçadas anteriormente, quanto para atribuir valor ao reforço. Privação é um evento ambiental que funciona como operação motivadora. Para quem não lembra bem sobre esse assunto, vale uma revisão de Miguel (2000). 

A situação de escassez é um pouco diferente da privação, embora também funcione como operação motivadora que evoca certas resposta e que atribui valor às consequências. Mas, é importante lembrar que a escassez não é uma privação absoluta. Na caixinha de Skinner, o rato ficava efetivamente privado de água por um número x de horas. Na escassez é como se o rato tivesse que administrar um estoque de água para a semana. Ele tem água, mas é pouco para o que ele vai precisar para viver. Como gerenciar os recursos escassos ou obter novas fontes de água é a grande questão para a Psicologia da Escassez.

Portanto, para criar prosperidade é preciso educar para ampliar repertórios, sensibilizar para outros estímulos, e buscar alternativas de reforçadores que reduzam a continuidade da escassez. E, de coração, desejo a você que seu 2022 seja próspero em todos os contextos.

Saiba mais:

Banerjee, A. V., & Duflo, E. (2007). The economic lives of the poor. Journal of economic perspectives21(1), 141-168.

de Bruijn, E. J., & Antonides, G. (2021). Poverty and economic decision making: a review of scarcity theory. Theory and Decision, 1-33.

Miguel, C. F. (2000). O conceito de operação estabelecedora na análise do comportamento. Psicologia: teoria e pesquisa16, 259-267.

Mullainathan, S., & Shafir, E. (2016). Escassez: uma nova forma de pensar a falta de recursos na vida das pessoas e nas organizações. Rio de Janeiro: Best Business.

Escrito por:

Patrícia Luque

Supervisora de Estágio no IBAC. Psicóloga clínica. Doutora em Ciências do Comportamento e Mestre em Psicologia pela UnB

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